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Conhecida pelos molhos, vinagres e temperos, que vende sob as marcas Paladin e Peninsular, a Casa Mendes Gonçalves está apostada em criar a alimentação do futuro. Antes do verão, chegará ao mercado uma gama completa de molhos plant based, enquanto, em laboratório, estão a ser estudados legumes fermentados, um projeto de I&D em parceria com a Sonae e o Instituto Superior de Agronomia. E há até já uma área de pastas e molhos a partir de frutos secos que será intensificada, com a compra recente do restante do capital da Pure Nut.
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“Procuramos ir ao encontro das necessidades do mercado e toda a transformação que está a acontecer a nível alimentar é uma oportunidade. Não faz sentido que uma cadeia de restauração que vende produtos plant based não tenha uma gama de molhos equivalente. Toda a alimentação vegetariana, vegan e plant based precisa de sabor”, sublinha o co-fundador da Mendes Gonçalves e Chief Executive Officer of Dream and Instability (CEODI) da empresa. A nova gama estará disponível nas duas marcas, a Pensinsular para o segmento profissional, da restauração, a Paladin para o retalho alimentar.
A inovação está na génese da empresa familiar da Golegã que começou por produzir, já lá vão 41 anos, vinagre do figo de Torres Novas. Hoje, fabrica 17 milhões de litros de vinagre, de vinho, arroz, maçã, tomate, frutos vermelhos e de figo, entre outras variedades, e 15 milhões de quilos de molhos ao ano e desenvolve 250 a 300 projetos de investigação, anualmente, para que 40 a 50 novos produtos cheguem ao mercado. “O que mais fazemos aqui é falhar, nenhum molho chega à primeira ao mercado”, afirma Carlos Gonçalves.
Num universo de gigantes, a capacidade de “fazer diferente, mais rápido e em pequenas quantidades” permitiu à empresa conquistar as grandes multinacionais e praticamente todas as grandes cadeias de retalho em Portugal, para as quais desenvolve as marcas da distribuição que ocupam as prateleiras dos supermercados lado a lado com os seus frascos da Paladin. Uma convivência fácil e que não preocupa a Mendes Gonçalves. “Cada cadeia é um parceiro e com eles desenvolvemos os seus produtos. O nosso negócio é vender sabor e a nossa capacidade de adaptação é vital, porque não há duas cadeias com a mesma maionese ou o mesmo ketchup“, diz o responsável, sublinhando que, no fim, o objetivo é o mesmo, servir o consumidor.
E foi assim que a empresa passou a fornecer todos os molhos da Mcdonald”s em Portugal, estando já acreditada como fornecedor global da multinacional, o que lhe abre possibilidades noutros países, como já aconteceu, pontualmente, com Espanha, Marrocos e Polónia. Em 2022, com a obtenção da certificação Kosher, passou a fornecer os restaurantes da cadeia em Israel, o que espera venha a ser uma porta de entrada neste mercado.
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No total, a Mendes Gonçalves está em 40 países, sendo que, apesar do crescimento constante das exportações, os mercados externos continuam a representar apenas 20% das suas vendas, porque o mercado interno não deixa também de crescer. Espanha “começa finalmente a ser um destino importante”, tal como Marrocos e Angola, mesmo com os seus “altos e baixos”. Aliás, a única fábrica que teve fora da Golegã foi em Angola, embora o projeto tenha sido descontinuado e o mercado esteja a ser abastecido a partir de cá.
Em termos de apostas, é nos mercados emergentes que a empresa quer estar. “É no Médio Oriente e nalguns países de África que podemos ser realmente relevantes. Países que tenham uma população jovem, que estão a crescer e que uma grande parte da população vai ascendendo à classe média, com maior poder de compra. Aí, o facto de sermos europeus é muito interessante porque toda a nossa maneira de viver e a nossa alimentação é aspiracional”, explica.
Questionado sobre metas a atingir em termos de internacionalização, este responsável é perentório: “Não tenho. O que queremos é uma empresa equilibrada, a servir a sociedade, a nossa terra e as nossas pessoas”.
O apoio aos empreendedores, jovens ou não, é outra das linhas de ação da Casa Mendes Gonçalves. A Pure Nut, que faz manteiga de amendoim e de caju, mas poderá também vir a fazer molhos a partir de frutos secos, é um negócio em cujo capital entrou há três anos, em parceria com os seus promotores, que agora quiseram sair, pelo que ficou com a totalidade do capital. Um negócio que quer desenvolver. “Hoje temos negócios muito grandes, como a Paladin [foi adquirida em 2005], que começaram pequenos. E estamos disponíveis para ajudar todos aqueles que têm ideias extraordinárias mas não sabem como chegar ao mercado, como criar marca ou sequer como industrializar o seu processo, a fazê-lo. Aqui, na Golegã, ou noutro ponto qualquer do país”, garante.
Com 330 trabalhadores, de 12 nacionalidades distintas, entre os quais afegãos, iraquianos, paquistaneses e indianos, fruto de uma parceria com a Fundação Aga Khan, para receber casais de refugiados, a Mendes Gonçalves vai continuar a crescer. Aliás, a fábrica onde está, com os seus 12 mil metros quadrados, já não chega para as encomendas e a empresa está já a estudar a expansão.
Foi contratado um trabalho de consultoria à KPMG, de otimização de processos e de eficiência do trabalho, de modo a definir as necessidades do que será a nova unidade, que deverá nascer no terreno que tem disponível entre a atual fábrica de embalagens e o centro logístico, na Golegã. O investimento não está ainda definido.
“Diria que dentro de dois anos teremos uma nova fábrica, que será complementar a esta”, explica o empresário. Que não pondera, de todo, sair da terra natal. Poderá sim, por questões de sustentabilidade, vir a fazer fábricas para abastecimento local de algum mercado que venha a tornar-se relevante, se a oportunidade se colocar e tiver parceiros locais interessados nisso. “Vivemos num mundo louco, sem previsibilidade, mas acredito que havemos de voltar a um mundo mais normal em que os circuitos curtos sejam importantes. Não podemos continuar a passear comida pelo mundo fora”, defende.
A sustentabilidade é outro dos grandes pilares de desenvolvimento da Mendes Gonçalves, que ambiciona ser uma B Corp – uma empresa que visa como modelo de negócio o desenvolvimento social e ambiental -, mas que não gosta de fazer disso alarde. Além da expansão dos painéis solares, que já tem há alguns anos, para a área máxima possível, a empresa está a analisar a possibilidade de entrar num projeto europeu de hidrogénio e está a trabalhar com a Universidade de Coimbra no âmbito das águas residuais, não apenas as suas, mas as do concelho. E a meta definida, a nível europeu, para que, até 2025, as embalagens de plástico incorporem, em média, 30 % de plástico reciclado é o que a empresa já assegura hoje. Tem mesmo uma unidade de fabrico de embalagens PET própria, na Golegã, para assegurar a proximidade de abastecimento. “O transporte de embalagens é a coisa mais aberrante que pode haver”, defende.
Além disso, tem em curso uma iniciativa de agricultura regenerativa, no âmbito do seu projeto “Vila Feliz Cidade”, de onde sai já a quase totalidade dos pimentos picantes que usa na submarca Sacana. O próximo passo é ser também autossuficiente na mostarda, mas não só.
No total, tem já mais de seis hectares de agrofloresta plantados em cerca de 33 hectares de área não industrial geridos pela empresa, que captam 643 toneladas de CO2 ao ano. O objetivo é envolver produtores neste projeto de agricultura regenerativa, com a promessa de compra das suas culturas.
“Queremos estar no meio, da produção e da distribuição, mostrando que é possível fazer bem, e de forma regenerativa, colocar os produtos no mercado de forma democrática. Não acredito nada nessa conversa de que, por ser biológico, temos de pagar três ou quatro vezes mais. Isso é elitista. Claro que num país onde se ganha 700 ou 800 euros, as pessoas não podem pagar isso”, frisa.
São muitas e variadas as metas de sustentabilidade da empresa, com horizonte temporal o ano de 2025. “Não faremos coisas para 2050. Não terei essa falta de respeito com ninguém, principalmente com os jovens, de assumir metas para outros fazerem”, promete.
Voltando à inovação, se houve ano em que a capacidade de reagir foi determinante foi em 2022. Carlos Gonçalves fala mesmo na “situação mais difícil” com que a empresa se defrontou nos seus 41 anos de existência. “Depois da covid, iríamos ter um ano absolutamente espetacular de retoma a todos os níveis… não fosse a guerra, que fez faltar logo de imediato o óleo de girassol, pondo em causa, de imediato, 52% das nossas vendas. E assim começou um ciclo em que praticamente 100% das nossas matérias-primas falharam em algum momento”, explica.
O que obrigou a encontrar substitutos para cada um deles, “muitas vezes com preços três e quatro vezes acima”, mas sobretudo obrigou a um exercício de reformulação de 300 fórmulas de molhos para encontrar “soluções satisfatórias” em termos de sabor e aspeto, mas também de preço, que permitissem continuar a abastecer o mercado e não haver falhas nas prateleiras.
Um desafio “brutal”, que obrigou à criação de uma task-force e a direcionar todos os esforços dos 11 técnicos de I&D da empresa para ultrapassar as dificuldades. “Foi uma prova de superação imensa”, garante Carlos Gonçalves, que fala em “responsabilidade” perante o mercado para que “nada faltasse”. Foi um ano de “gestão estapafúrdia”, de compra de stocks “imensos”, que, ainda hoje, estão duas vezes e meia acima do normal.
A empresa fechou 2022 com vendas de 47 milhões. Um crescimento de 27%, influenciado maioritariamente pela inflação. A prová-lo estão os resultados líquidos “satisfatórios, mas longe dos objetivos”. Para 2023, a preocupação é a retração do consumo. “Estes primeiros três meses foram realmente muito bons, é quase um sacrilégio”, acrescenta. Apesar da “incógnita total” do que será o ano, a empresa prevê investir 1,2 milhões de euros, em especial ao nível da informatização da fábrica.
E porque a sustentabilidade não é só ambiental, mas também social, Carlos Gonçalves assume que pretende, até ao final do ano, aumentar dos 800 para os mil euros o salário de entrada na empresa. “Sempre tivemos esta política de não pagarmos o salário mínimo. Não conheço nenhum pais desenvolvido no mundo porque paga salários baixos. Não faz sentido nenhum e, no momento que atravessamos, é mais grave ainda”, defende.
E como o ano se afigura desafiante, do ponto de vista económico-financeiro para a empresa, a estratégia passa por olhar para o processo produtivo e encontrar formas de serem mais eficientes. “Temos que gerir mais e melhor toda a nossa atividade industrial, modificar as coisas em termos de rentabilidade, para podermos pagar um bocadinho melhor às pessoas”, acrescenta.
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