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O novo sistema de patentes da União Europeia (UE) que vai entrar em vigor a 1 de junho deste ano prevê a introdução de uma patente europeia com efeito unitário e, simultaneamente, a criação de um Tribunal Unificado de Patentes, ao qual caberá a proteção de patentes e resolução de litígios no domínio da propriedade intelectual, em toda a União Europeia.
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As mudanças que aí vêm não são consensuais, mas o novo sistema vai mesmo avançar. Para António Aragão, IP & innovation consultant e agente oficial de propriedade industrial da RCF Protecting Innovation, o novo sistema cria “benesses principalmente para as grandes empresas e empresas estrangeiras”.
As empresas que registem a patente das suas invenções podem estar a criar condições para atrair investimento e acordos de licenciamento lucrativos, protegendo a sua quota de mercado e expandindo o seu negócio. Contudo, validar, manter e proteger as patentes europeias pode ser complexo e dispendioso. Ora, a patente europeia com efeito unitário pretende não só tornar mais simples e económico proteger efetivamente invenções em toda a Europa, como também cria, teoricamente, um sistema centralizado e menos complexo de resolução de litígios, com maior segurança jurídica.
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António Aragão, IP & innovation consultant e agente oficial de propriedade industrial da RCF Protecting Innovation.
© D.R.
Como? A patente europeia com efeito unitária prevê a obtenção de uma proteção uniforme de uma patente em todos os Estados-membros da UE, mediante a apresentação de um único pedido ao Instituto Europeu de Patentes (EPO, sigla inglesa), evitando-se, assim, o processo de validação individual nos vários países. No entanto, numa primeira fase, o novo sistema só estará em vigor em 17 países (nem todos os Estados já ratificaram as novas regras): Portugal, França, Bélgica, Países Baixos, Alemanha, Áustria, Itália, Dinamarca, Suíça, Finlândia, Estónia, Letónia, Lituânia, Bulgária, Malta, Luxemburgo e Eslovénia.
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António Aragão explica ao Dinheiro Vivo que, “à partida”, as grandes empresas e empresas estrangeiras beneficiam mais com o novo sistema, porque são elas que mais patentes registam. “Quando transpõem a sua patente de uma outra área económica para a Europa podem, agora, fazê-lo de forma centralizada e não têm de fazer uma validação para cada jurisdição”, salienta.
Observando a realidade portuguesa, num país onde a cultura de registar invenções é pouco expressiva, esta questão pode representar um desafio para as pequenas e médias empresas, que representam o grosso do tecido empresarial luso.
“Em 2021 a percentagem de validações de patentes europeias como existem neste momento, em Portugal, foi de 7%. Ou seja, apenas 7% das patentes concedidas a nível europeu pelo EPO foram validadas em Portugal. É um número muito baixo, que tenderá a diminuir neste [novo] sistema, porque muitas delas serão feitas através do sistema de efeito unitário”, repara o consultora da RCF.
Ora, “uma empresa portuguesa quando tem hoje de saber se está a infringir um direito de um terceiro, apenas tem que se preocupar com 7% das patentes europeias. Isto traz desafios mais a nível interno do que externo”.
António Aragão não considera que exista desconhecimento do lado das empresas quanto às patentes. Haverá, sim, “despreocupação” associada a questões económicas, visto que o registo de uma patente representa um “valor que não é indiferente”. Será essa cultura que tem que se alterar nas empresas nacionais, sobretudo PME.
“Ou seja, para algumas empresas só vale a pena validar a patente num país onde possivelmente haja – ou que não queiramos que haja – uma infração, e havendo quereremos litigar ou opor-nos a essa infração”, explica.
Quanto a empresas estrangeiras, haverá as que “considerarão o mercado português pequeno demais para terem essa preocupação de infringirem cá a sua patente. Ou seja, uma determinada multinacional poderá exportar para cá a sua tecnologia patenteada, mas, talvez, não considere esta uma das jurisdições mais importantes quanto a infrações, porque a validação acarreta alguns custos monetários”.
Por outro lado, segundo António Aragão, as empresas podem estar a aguardar que o novo mecanismo de patentes entre em vigor.
De acordo com o consultor da RCF, uma empresa especializada em propriedade intelectual que apoia atualmente mais de 800 empresas, sobretudo na área de farmacêutica, alta tecnologia, moda e alta costura, sobretudo em Portugal e nos países de língua oficial portuguesa (PALOP), a propriedade intelectual envolve 82 milhões de empregos diretos e indiretos na UE, o que equivale a quase 40% do emprego e a 47,1% do PIB no espaço comunitário. Só em Portugal, segundo dados de 2021 citados pelo gestor, as empresas que apostam em propriedade intelectual “foram responsáveis por 43,6% do PIB do país”.
Desafio para maioria das empresas portuguesas
Uma das vantagens deste novo mecanismo passa pelos custos mais reduzidos face ao tradicional sistema de registo de patente europeia. Não obstante, ainda que aumente o potencial de inovação e competitividade das empresas, a eventual vantagem de uma patente europeia com efeito unitário dependerá do número e da natureza dos países em que a patente será mantida.
Acresce que um estudo da Deloitte, divulgado muito antes da aprovação do novo sistema, apontava que haverá mais riscos do que benefícios para as empresas portuguesas, nomeadamente quanto aos custos.
De acordo com esse estudo, a entrada em vigor da patente europeia com efeito unitário poderá prejudicar as empresas nacionais que não registam patentes ao elevar os custos associados à verificação de não violação de patentes e ao licenciamento de utilização de patentes em vigor. Se, por um lado, as empresas que registam patentes poderão ter vantagens, o potencial de receitas associado à concessão de licenças de utilização das patentes detidas nos vários Estados-membros será maior e os custos de registo e manutenção mais reduzidos. Contudo, a concretização deste benefício dependerá das taxas fixadas pelo EPO.
A simplificação dos procedimentos de validação e gestão de patentes é também indicada como uma das principais vantagens, mas a entrada em vigor do novo sistema, segundo o estudo da Deloitte, pode criar mais custos associados à verificação de não violação de patentes, à formação e divulgação de informação, maior dificuldade em pesquisar e compreender o conteúdo das patentes (que não estará necessariamente em língua portuguesa) e maior risco de violação de uma patente, dada a quantidade de patentes em vigor.
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