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Formou-se em gestão na Universidade Católica e iniciou o seu percurso profissional em 2010, na área de consultoria. Desde então, somou passagens pela L”Oréal e Groupon, no Brasil, e pela Sonae MC e Lime, em Portugal. Pelo meio, realizou um MBA e aventurou-se numa frota TVDE, sem nunca imaginar que um dia estaria do outro lado. As portas da Bolt abriram-se em 2021, para assumir o negócio de ride-hailing (serviço de transporte de passageiros) em território nacional. Agora, Nuno Inácio passa a estar também à frente de todas as operações no sul da Europa, anexando Espanha, Malta e Chipre à sua liderança.
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Que desafios e perspetivas traz esta mudança, tanto para si, enquanto gestor, como para a empresa?
Traz bastantes desafios, até porque uma coisa é gerir um único país e outra é liderar um conjunto deles, com diferentes geografias, legislações, formas de pensar e, sobretudo, de utilizar o serviço – desde Espanha, que é um mercado muito grande, mas com muitos desafios a nível regulatório, a mercados mais pequenos em termos territoriais, como Malta, onde temos, da mesma forma que em Portugal, todos os nossos verticais a funcionar. É desafiante gerir pessoas de diferentes culturas à distância. No entanto, acredito que a minha experiência na área da mobilidade, aliada ao facto de já ter trabalhado com outras culturas, ajudar-me-á nesta nova missão. Quanto à Bolt em si, a operação em todos os verticais tem tido muito sucesso ao nível nacional e, sendo o mercado mais maduro, quero levar para os outros países as melhores práticas que por cá implementámos, de modo a fazer crescer ainda mais especificamente a vertente de ride-hailing. Esse é o principal objetivo. Agora são quatro mercados, mas há potencial de crescimento para outras geografias no sul da Europa.
Como por exemplo?
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Itália e Grécia, onde não operamos atualmente, são mercados de possível expansão.
Qual o balanço que faz da atividade nacional?
Em Portugal, temos tido um sucesso muito grande. Em 2022, registámos um crescimento de mais de 60%, face a 2021, e hoje estamos a níveis superiores aos de 2019. Só no primeiro semestre deste ano tivemos um crescimento de 50% em relação ao semestre homólogo – isto, como disse, num mercado maduro, onde já operamos há mais de cinco anos, o que é uma prova de que, mesmo assim, é possível crescer.
E o número de motoristas, como é que tem evoluído?
O número de motoristas tem crescido em função da procura. Atualmente, devemos ter cerca de 25 mil motoristas registados na Bolt em Portugal, o que é bastante. Como é óbvio há muitas mais licenças no mercado, mas considerando a quebra substancial que verificámos na pandemia, este é um número que revela uma grande recuperação.
Olhando para os mercados que a partir de agora estarão sob sua liderança, quais são as principais diferenças que identifica?
Dos meus quatro mercados, Portugal tem mais semelhanças com Malta, onde temos cerca de 70% de quota de mercado TVDE e os quatro verticais a funcionar. Além das parecenças nos desafios e na forma de operar, existe uma visibilidade muito grande da Bolt nestes dois países, que nos permite cumprir mais facilmente a missão de construir cidades para pessoas e não para carros e que não é comparável com a que temos em Espanha e no Chipre, que são mercados mais semelhantes entre si. No fundo, há muitas sinergias e por isso é que decidimos juntar esta região do sul da Europa. Em termos culturais é muito homogéneo, o que difere mesmo é a penetração deste tipo de serviço. Hoje em dia, numa cidade como Lisboa ou Valeta é muito mais comum as pessoas não terem o seu próprio carro e, através da aplicação da Bolt, usarem um carro, bicicleta ou trotinete, fazendo dessa prática uma rotina. Já no Chipre e em Espanha, provavelmente não é tão fácil – e é aqui que temos de trabalhar.⁃
As queixas contra operadores TVDE aumentaram 25% no primeiro semestre deste ano, segundo uma análise do Portal da Queixa. A Bolt absorveu 25% das reclamações, tendo sido a empresa a registar a maior subida face ao igual período do ano passado (mais 74%). Qual a explicação para este acréscimo e o que estão a fazer para mitigar esta situação?
O crescimento tem coisas boas e coisas menos boas. O facto de o serviço estar cada vez mais disponível faz com que haja um aumento natural das reclamações. No entanto, face ao número de viagens que realizámos este ano, por exemplo, só cerca de 0,03% é que resultaram numa reclamação efetiva. Nos dias que correm, as pessoas têm uma maior tendência para reclamar em portais e outros meios online, mas deveriam fazê-lo junto das plataformas, porque essa é a única forma de identificarmos os problemas e, com isso, melhorar. A Bolt trabalha em constante melhoria dos seus serviços, lançando funcionalidades com alguma frequência, não só para melhorar a segurança da viagem, como toda a experiência do utilizador (não fossemos nós uma empresa de tecnologia), para mitigar estas situações.
Em maio, a presidente da Associação Nacional Movimento TVDE alertou para ilegalidades no processo de obtenção das licenças e denunciou longas jornadas de trabalho, possibilitadas pelo uso de mais do que uma conta nas plataformas. As operadoras têm aqui uma quota de responsabilidade? Que medidas está a empresa a implementar para conter esta situação?
Na parte do licenciamento, vamos agora entrar num processo de revisão da lei TVDE, portanto, estamos completamente disponíveis para colaborar com o regulador e achamos que, sim, há espaço para melhorar o processo de licenciamento. No entanto, não nos cabe a nós, plataformas no fim da linha, definir quais são os requisitos. Esta é uma questão liderada pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), que, como regulador, é que tem a responsabilidade de definir parâmetros. Não está diretamente nas mãos das plataformas modificar esse processo, mas, como disse, concordamos que há margem para melhorias. Quanto à Bolt, temos uma série de funcionalidades, algumas já existentes, outras em fase de testes, que serão lançadas muito brevemente, que ajudam precisamente nesse processo de controlo da jornada.
As operadoras confiam plenamente nas licenças emitidas pelo IMT?
Se um motorista estiver devidamente licenciado pelo IMT, por lei, nós nem sequer o podemos rejeitar. Posto isto, tem de haver melhorias, mas, uma vez mais, ao nível do processo de licenciamento. Ainda assim, não deixa de existir espaço para, do lado das plataformas, podermos melhorar, não o processo em si, mas no sentido de contribuir com algumas sugestões para a regulação do setor TVDE.
Várias têm sido também as denúncias de comportamentos abusivos por parte de motoristas TVDE. O clima de insegurança que se instalou no setor tem fundamento?
Os TVDE continuam a ser um transporte seguro, quanto mais não seja porque há uma identificação do motorista – que é licenciado por uma entidade competente (possibilidades de melhorias à parte) – da frota e do carro conduzido. Eu acredito que possa haver comportamentos menos próprios ou viagens que não proporcionem o serviço que deveriam, mas, quanto à quantidade de casos, creio que possa ter havido um empolamento muito relevante nas redes sociais, porque, voltando à questão dos 0,03% de viagens que tiveram originaram uma reclamação, não desvalorizando, este é um número muito pequeno, que não justifica o tal clima de insegurança. E, mais uma vez, pedimos aos nossos utilizadores que não só nos reportem estas questões, mas também, caso se justifique, reportem às autoridades competentes, porque a Bolt coopera com elas, fornecendo todos os dados necessários.
E como é que têm monitorizado este tipo de ocorrências? A Bolt tem planos para apertar critérios de segurança?
Há coisas que as plataformas podem e devem fazer para melhorar a qualidade do serviço ao nível da segurança das viagens. Primeiramente, pedindo aos utilizadores para verificarem sempre se aquele é o carro e o motorista correto e se está tudo dentro das conformidades, uma vez que, quando o cliente faz o pedido, a Bolt fornece toda essa informação – convém verificá-la e é imperativo essa proatividade. A par, desenvolvemos uma série de funcionalidades na nossa aplicação que permitem ao utilizador, entre outras coisas, partilhar a viagem com uma segunda pessoa, mesmo que essa não seja cliente. Temos também um botão de SOS, que lança automaticamente um alerta para as nossas equipas de apoio ao cliente, que entram em contacto com as autoridades, para que sejam feitos os devidos procedimentos. Outra funcionalidade que já está no ar é se o cliente tiver uma má experiência com um motorista e atribuir avaliação de uma estrela, é feito um “unmatching“, ou seja, o utilizador pode decidir não fazer mais viagens com aquele motorista. Esta é uma forma de melhorar a experiência e também de mostrar aos motoristas que têm comportamentos desadequados que terão de melhorar o seu serviço. Neste momento estamos ainda a testar a funcionalidade selfie check, que confirma a identidade dos motoristas, garantindo que a pessoa que está a utilizar aquela conta é quem está a fazer o serviço e é a detentora da conta e respetiva licença.
A Bolt tem planos para atualizar os preços das viagens este ano?
No ano passado fizemos dois aumentos de preço, precisamente para acomodar fatores como a subida da inflação, o aumento do custo dos combustíveis e até dos próprios veículos. Como é óbvio, há aumentos pontuais na plataforma consoante a oferta e a procura – temos a tarifa dinâmica, que faz com que em horas de pico haja um aumento momentâneo do preço. Isso existe desde que lançámos a operação e é comum a todas as plataformas. É o mercado livre a trabalhar. Mas, este ano não estão programados aumentos de tabela. Como plataforma, trabalhamos para que estas subidas não se sintam do lado do utilizador, com descontos e campanhas. Mas facto é que hoje um motorista ganha por hora mais do que ganhava o ano passado e até mesmo antes da pandemia.
A 1 de maio entraram em vigor as alterações ao Código do Trabalho que, entre outras medidas, preveem a presunção de laboralidade, isto é, a existência de contrato de trabalho por conta de outrem entre as plataformas digitais como os TVDE e os seus motoristas. Neste sentido, quantos motoristas da Bolt passaram a trabalhadores por conta de outrem ao abrigo do novo diploma?
Neste momento não temos nenhum motorista a trabalhar por conta de outrem, até porque, na verdade, somos uma plataforma eletrónica que faz a ponte entre a frota e o utilizador. A frota terá alguns motoristas com trabalho contratado – a forma de contratação poderá depender e não cabe à Bolt ditar qual. Dito isto, não temos nenhum motorista a trabalhar para nós, até porque não é esse o propósito. Limitamo-nos a colocar o utilizador que quer um serviço em contacto com o motorista que quer oferecê-lo.
Mas concorda com estas alterações à lei laboral? Considera que serão de fácil aplicação?
Sempre trabalhámos em constante colaboração com as entidades competentes. Neste sentido, fizemos vários inquéritos aos nossos motoristas e gestores de frota e, de todas as variáveis, a que mais disseram valorizar é a flexibilidade. E, se assim o é, achamos que é com isso que devemos trabalhar, para que as pessoas que querem providenciar o serviço, possam fazê-lo nos momentos que querem, tendo a liberdade e a flexibilidade de poderem aceitar ou não o serviço, sem terem de estar restritos a um contrato fixo de trabalho. Há várias formas de prestar o serviço TVDE e cabe somente a quem o presta decidir como o faz.
A Bolt já foi alvo de uma ação inspetiva por parte da ACT para verificar a existência de vínculos de trabalho dependente?
Já fomos, mas foi focada no vertical de entrega de comida [e Nuno Inácio está à frente do negócio de ride-hailing].
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