No final de fevereiro, a Tesla anunciou que ia fechar grande parte dos concessionários. A marca de Elon Musk acredita que o futuro das vendas de automóveis estará centrado no mundo virtual. Mas este movimento ainda não contagiou Portugal. Na era digital, as 550 lojas espalhadas por continente e ilhas mantém um papel fundamental na decisão de comprar carro. Mesmo que passemos por lá menos vezes e que cada vez mais pessoas optem por conduzir carros partilhados.
“Os construtores de automóveis continuarão a contar com os concessionários para a distribuição dos seus veículos”, garante Hélder Pedro, secretário-geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP). A verdade é que os compradores portugueses continuam a preferir fechar negócio em frente aos vendedores, mas até aqui o digital já serve como primeira fonte de informação para 80% deles, revela um estudo da consultora EY do ano passado sobre o futuro do retalho automóvel.
“O que os meios disponíveis online permitem é que o cliente possa definir o automóvel pretendido ao mais ínfimo pormenor”, explica Ricardo Oliveira, diretor de comunicação da Renault Portugal. “Se há alguns anos um potencial cliente se dirigia a um concessionário três ou quatro vezes antes de concluir a aquisição, sabemos que este número é atualmente inferior a duas vezes”, nota. Ainda assim, o diretor de comunicação da marca francesa lembra que “a aquisição de um bem como o automóvel continua a ser um investimento de peso”. Pelo que acredita que “a relação humana ainda fará parte do processo durante alguns anos”.
E é precisamente nesse sentido que está a avançar a maioria das marcas, modificando as lojas de acordo com as exigências dos tempos modernos. A Mercedes, por exemplo, apresentou recentemente um concessionário radicalmente diferente do habitual: um espaço sofisticado, com atendimento altamente personalizado e com profundo conhecimento sobre os carros. Nenhum cliente é deixado sozinho a configurar o seu futuro automóvel. A marca alemã também quer que o cliente possa sentir os motores, ouvi-los, tocar nos veículos, experiências impossíveis de ter em pleno através da internet, mesmo com soluções de realidade aumentada e virtual.
“Dada a especificidade de cada automóvel hoje, o cliente prefere ver e conhecer o modelo antes de avançar para a compra. E o trabalho dos concessionários é essencial para criar essa relação com o cliente”, assinala André Silveira, responsável de comunicação da Daimler, dona da Mercedes.
Ricardo Tomaz, diretor de relações externas da SIVA, concorda com a ideia de que o tempo dos concessionários ainda não acabou. Nem que seja pelo seu papel ao serviço do comprador, no momento de “negociar condições, escolher o financiamento e fechar negócio”, lembra o representante da importadora da Volkswagen em Portugal.
Vamos ter menos stands?
Testar o carro antes de tomar uma decisão também terá relevância crescente – e essa é outra função que as lojas físicas cumprem melhor. “No mundo da condução autónoma e dos serviços partilhados, quem ainda compra carros serão os entusiastas. Estas pessoas não ficarão contentes com um simples test-drive nas ruas à volta do stand. Antes vão querer testar os veículos, por exemplo em pistas de teste que poderão ser partilhada por várias concessões”, sugere a consultora KPMG, no estudo Will this be the end of car dealerships as we know them? (Será este o fim dos concessionários como os conhecemos?).
O mesmo documento aponta, porém, que nos próximos anos serão necessárias menos lojas, devido à redução das margens de rentabilidade das vendas de carros. Uma ideia que o comércio português rejeita, considerando os cortes verificados nos últimos dez anos e dado que os pontos de venda também contam cada vez mais com oficinas próprias (serviços de pós-venda).
“Na crise de 2009, o setor automóvel foi dos mais afetados, com a queda nas vendas a particulares a atingir os 60%. Isto levou a que se tivesse verificado uma reestruturação das redes de concessionários logo nessa altura”, recorda Hélder Pedro. O cenário repetiu-se em 2012: “Fomos de novo os mais afetados, o que conduziu a nova reestruturação.”
A Volvo Portugal concorda com essa visão. “Nos próximos tempos iremos até reforçar a nossa rede, com a abertura de novos pontos de venda.” A SIVA, por seu lado, acredita que o atual sistema de distribuição automóvel baseado nos concessionários vai manter-se, ainda que se adapte aos tempos. “Mesmo os carros elétricos precisarão de serviço pós-venda.”
Outra adaptação que Hélder Pedro antevê é o reforço dos pontos de venda temporários. “As empresas têm de ir ao encontro dos desejos dos consumidores. Isto passará pelo desenvolvimento da digitalização e do próprio conceito dos pontos de venda. Poderemos, também, neste setor passar a contar com lojas pop up”, antecipa.
Dicas – Uma imagem dos concessionários do futuro
-Aposta no online
As marcas devem apostar numa maior presença online, dar “informações completas dos veículos e até ter serviços de realidade virtual” para ajudar a escolher cores e outras opções, sugere a KPMG.
-Experimentar será essencial
Não basta dar uma volta nas ruas ao pé do stand. Será preciso criar circuitos de experiência de grande dimensão e que possam ser partilhados com outras concessões, propõe a consultora.
-Foco no consumidor
Profissionais com grande conhecimento e capacidade para mostrar vários veículos serão fundamentais para cativar os consumidores, mesmo que o concessionário possa ser um pouco mais pequeno.
-Serviços concentrados
Em vez de cada concessão ter o seu próprio serviço pós-venda, a KPMG considera que os concessionários devem partilhar estes espaços, que poderão localizar-se em locais com rendas baixas. Os carros autónomos poderão ir lá sozinhos.
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