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Pouco mais de três meses depois de ter sido tornada pública a indemnização de meio milhão de euros que recebeu para sair da TAP, em fevereiro de 2022, dois anos antes do final do seu mandato, Alexandra Reis foi ontem ouvida pelos deputados na comissão de inquérito à TAP. Consigo levou um rol de acusações à CEO da companhia que não fez cerimónia em revelar: dos amigos franceses contratados para a direção ao motorista que esteve à beira do despedimento por ter comentado que prestava serviços fora do âmbito profissional para a CEO, Alexandra Reis levantou a ponta do véu sobre algumas das práticas da ainda presidente executiva da companhia.
Já sobre o cheque milionário que recebeu da empresa pública, garantiu que este ainda está na sua posse, mas não por falta de tentativas em remetê-lo para os cofres da transportadora. A antiga administradora assegurou que os seus advogados têm reiteradamente contactado a companhia, mas a resposta não chega. “Quero devolver [a indemnização], como sempre disse que faria. Na manhã seguinte [ao parecer da Inspeção-Geral de Finanças (IGF)], a 7 de março, os meus novos advogados contactaram a TAP para o apuramento dos montantes líquidos a devolver. Depois de pelo menos três insistências, continuo a aguardar essa indicação”, clarificou.
A ex-administradora, que saiu da TAP em fevereiro de 2022, refere que “apesar de discordar do teor do parecer da IGF” concordou em devolver parte da fatia da indemnização que a entidade considera que foi indevidamente paga. O parecer da IGF, conhecido a 6 de março, indica que Alexandra Reis terá de devolver à TAP 450 110 euros: 443 500 euros pela cessação de funções enquanto administradora “a que acrescem, pelo menos, 6610,26 euros correspondentes a benefícios em espécie”, lê-se no relatório. Recorde-se que o montante final pago a Alexandra Reis resultou de um acordo entre os advogados das duas partes e representou um terço do valor inicial pedido pela antiga secretária de Estado do Tesouro, que se fixava em 1,4 milhões de euros.
Alexandra Reis admitiu que esta proposta inicial era “muito expressiva”, mas que estava alinhado com as suas responsabilidades. Ainda assim, acrescentou, aceitou a contraproposta ressalvando que nunca equacionou “que houvesse alguma dúvida sobre a legalidade”. Mas Alexandra Reis admitiu que poderia ter saído da TAP de mãos a abanar, se esse pedido lhe tivesse sido feito pela tutela. “Se um dos senhores ministros ou secretários de Estado me tivessem dito que queriam que eu renunciasse eu tinha renunciado, sem contrapartida”, assegurou.
CEO ditou saída
Mas a ordem de saída não chegou do governo mas sim do gabinete da presidente executiva. A tensão entre as duas foi-se adensado e não há dúvidas de que a convivência entre ambas não era tarefa fácil. Christine Ourmières-Widener disse, esta semana, na CPI, que Alexandra Reis “não estava ajustada com a comissão executiva”e que a sua saída resultou de um “desalinhamento que tinha a ver com a estratégia da companhia”.
Já Alexandra Reis foi clara a enumerar os desalinhamentos e motivos de fricção entre ambas. Um deles dizia respeito à mudança de instalações da TAP para o antigo edifício dos CTT, no Parque das Nações, em Lisboa, e sobre a qual Alexandra Reis se posicionou contra. “Mostrei sempre muitas reservas à mudança de sede. A TAP paga zero [euros] pelo edifício no qual está agora e mudar iria exigir pagar rendas”, disse. Esta mudança de instalações iria custar à TAP uma renda anual de perto de quatro milhões de euros. “Causou-me estranheza num momento em que a empresa iria ser privatizada estabelecer um contrato de longo prazo que só a onera, não havendo necessidade objetiva”, defendeu.
Além das questões financeiras havia ainda outros aspetos que não agradaram a Alexandra Reis, referentes às condições oferecidas aos trabalhadores, como a ausência de um espaço para a cantina ou de estacionamento.
A também antiga presidente da NAV revelou ainda não ter concordado com a contratação de diretores estrangeiros para a companhia, alguns dos quais com relações próximas da presidente executiva da TAP. “Alguns diretores eram transparentes no tipo de relação que tinham com a CEO”, afirmou, explicando que estes recrutamentos tinham “custos extra que implicavam subsídios para casa e deslocação”.
Um terceiro episódio, que terá adensado os desencontros entre a administradora e a CEO, esteve relacionado com a empresa para a qual o marido de Ourmières-Widenes trabalha. A Zamna Technologies apresentou serviços à TAP mas Alexandra Reis deu instruções claras para que não existisse qualquer compra.
“Não houve nenhuma conversa minha com a CEO sobre esse tema. Entendi na altura dar indicações à equipa porque além de um potencial conflito de interesses, a aquisição [dos serviços] não estava orçamentada e não correspondia a uma necessidade”, disse Alexandra Reis.
Alexandra Reis não duvida de que abandonou a empresa por decisão única de Ourmières-Widener. “A CEO queria que eu saísse da empresa. A minha saída da empresa dá-se no seguimento da CEO me pedir para sair e me ter dado nota da sua vontade. Não me disse que era uma decisão de equipa, falou na primeira pessoa e pediu-me confidencialidade”.
A ex-administradora disse ainda ter dúvidas sobre os motivos da sua saída uma vez que o parecer da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) refere “divergências irreconciliáveis” e a CEO apontou, em audição, motivos relacionados com o “perfil e a organização”.
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