//“O que a TAP precisa do Estado é de uma garantia, não de um empréstimo”

“O que a TAP precisa do Estado é de uma garantia, não de um empréstimo”

O tom do acionista privado da TAP (e fundador da americana JetBlue e da brasileira Azul) é claro: a compra da companhia aérea portuguesa foi um compromisso assumido há mais de quatro anos e que se mantém, os acionistas privados estão tão comprometidos como no início e têm uma fé inabalável no futuro. De tal forma que David Neeleman assume claramente que os acionistas que gerem a companhia – onde o Estado detém uma fatia de 50% mas com direitos económicos correspondentes a apenas 5% – dispensam a entrada de dinheiro público, pedindo antes garantias do Estado no endividamento que se dispõem a assumir para financiar a TAP na saída desta crise.

“Estamos totalmente disponíveis para continuar a colaborar e a conversar com o governo português de espírito aberto e construtivo”, sublinha Neeleman em declarações ao Dinheiro Vivo. “Os investidores mantêm o interesse em financiar a TAP, tendo apresentado propostas de financiamento bastante interessantes e competitivas, com garantia do Estado”, frisa.

O empresário que representa os privados que gerem a TAP parece ter uma resposta à medida das declarações feitas nesta semana pelo chairman da companhia, Miguel Frasquilho. No Parlamento, o representante do acionista Estado lembrou que a pandemia obrigou a parar praticamente toda a operação. “O mercado assente na liberdade de procura e oferta de transporte aéreo comercial deixou de existir. Praticamente todas as companhias aéreas, incluindo as mais robustas em dimensão e capacidade económica e mesmo com a intervenção dos seus acionistas – que devem ser os primeiros responsáveis por assegurar o futuro das empresas –, só continuaram a existir com apoios públicos, dos Estados soberanos. Os exemplos por essa Europa e mundo fora são inúmeros. A TAP não será uma exceção”, indicou o responsável.

O apoio que o representante da gestão, privada, reclama é bem claro: garantias estatais, não uma injeção de capital direta com consequente reforço acionista do Estado. “A União Europeia e os governos a nível mundial têm vindo a aprovar e a reforçar medidas e quadros de apoio excecionais para ajudarem as companhias aéreas a garantirem a sua sustentabilidade. Sinalizaram também, desde cedo, aos mercados financeiros que uma das principais formas de apoio à recuperação da economia seria a prestação de garantias estatais a novos financiamentos obtidos pelas empresas”, defende David Neeleman ao Dinheiro Vivo. (Veja no final deste artigo como têm sido decididos os apoios às transportadoras europeias e americanas)

Prejuízos multiplicam-se na aviação mundial

Os estragos provocados pela pandemia de covid-19 são imensos – de tal forma que a TAP, impedida de voar, teve de pôr 90% dos seus 10 mil funcionários em lay-off. Mas não são diferentes das dores que sofrem todas as outras linhas aéreas do mundo. A crise não decorre de uma gestão inadequada de uma empresa mas de fatores externos e afetou todos mais ou menos por igual, pelo que a solução a adotar para passar este momento de extremas dificuldades deve ser semelhante à das restantes companhias europeias, diz o acionista privado.

“Entre os diversos mecanismos disponíveis de apoio de Estado, a emissão de uma dívida garantida é o que vem sendo adotado com mais frequência pelos nossos competidores por ter uma série de vantagens, entre elas o tempo de execução, que neste momento é crucial para a TAP”, justifica o empresário, recordando o impacto brutal da pandemia no setor da aviação, um dos mais castigados pelo vírus e pelas medidas de confinamento exigidas para o conter, nomeadamente o fecho de fronteiras.

Recorde-se que, desde o início do estado de emergência – que acaba de ser prolongado até ao dia 2 de maio -, a transportadora aérea portuguesa está limitada a uma mão cheia de voos por semana, apenas para cumprir a ligação às ilhas. E ainda ontem o Ministério da Administração Interna prorrogou por mais 30 dias a proibição de voos extra-comunitários. Na última semana, a Associação Internacional de Transportes Aéreo (IATA, na sigla original) aumentou em 50% as estimativas de prejuízos que antecipa que as companhias aéreas vão ter com estes meses de paragem, para perto de 300 mil milhões de euros.

“O impacto é brutal e a TAP não foge à regra pois temos 95% dos nossos aviões em terra e 90% dos nossos colaboradores em casa; mesmo as maiores e mais robustas empresas de aviação estão com enormes desafios”, reconhece David Neeleman, antecipando que foi precisamente por prever esta hecatombe que os acionistas se puseram em campo desde o primeiro momento para assegurar financiamento. “No contexto das restrições impostas, começámos imediatamente a contactar investidores europeus e de outras geografias no sentido de obter suporte financeiro adicional que nos permita encarar os efeitos negativos desta crise. Importa lembrar que, desde a privatização, o Estado não teve de colocar um euro na TAP e agora, apesar das enormes dificuldades, o que precisamos é uma garantia Estatal para um financiamento e não um empréstimo direto do Estado”, vinca o acionista privado, em declarações ao Dinheiro Vivo.

Desde a privatização, na reta final de 2015, a TAP subiu de 11 milhões para 17 milhões de passageiros transportados por ano (+61%), tendo não apenas renovado como aumentado a frota de 75 para 105 aviões (+40%), de forma a fazer face ao crescimento de 110 mil para 137 mil voos (+25%), num total de 95 aeroportos de destino (+17%). Como resultado, conseguiu levantar as receitas de 2,5 mil milhões de euros para 3,3 mil milhões (+35%) e mais do que triplicar os 137 milhões de euros de caixa para mais de 435 milhões no final do último ano.

Para David Neeleman e o seu parceiro no consórcio Atlantic Gateway (com 45% da TAP e que tem o poder executivo), a dívida com garantias estatais será portanto a fórmula de sucesso para resgatar a companhia aérea portuguesa desta crise mundial, devolvê-la ao crescimento que vinha conseguindo com a renovação total da frota, multiplicação de frequências e abertura de rotas, sobretudo para os Estados Unidos – com efeitos significativos na emissão de turistas desse mercado para Portugal. Planos que levaram a companhia a contratar uma média de mil pessoas por ano desde a privatização.

“Como já disse o meu sócio Humberto Pedrosa, o pedido de ajuda solicitado ao Estado, que nos permitirá assegurar os postos de trabalho e a sustentabilidade da TAP, está em linha com o valor de dívida garantida pelo Estado reembolsado pela TAP nos últimos 15 meses à banca.” Neeleman recorda que, quando a venda foi fechada, a companhia tinha garantias de 466 milhões de euros do Estado, valor que foi sucessivamente reduzido até aos atuais 140 milhões. Razão pela qual entende que “o Estado não estaria a aumentar significativamente o seu risco em relação TAP, não mais do que há alguns meses”. Mesmo porque a posição de tesouraria entretanto construída deixou a companhia na posição mais sólida de sempre (os ditos 435 milhões de caixa).

Privados querem trabalhar em conjunto com o governo

Apesar de ter agora uma frota nova, mais funcionários e uma solidez como em décadas de gestão pública não viu, o adiamento consecutivo dos objetivos de lucro da TAP – justificados os sucessivos prejuízos, que em setembro ascenderam a 111 milhões de euros, por fatores como o preço dos combustíveis e variações cambiais – tem vindo a irritar o governo. E mesmo que, agora que a companhia é privada, os prejuízos não impliquem despesa pública, e mesmo estando o Estado impedido por Bruxelas de meter dinheiro na TAP, por mais de uma vez ficou no ar a ameaça do governo de que poderia voltar a rever a privatização.

Recorde-se que a venda nos seus termos originais foi revista pelo primeiro governo liderado por António Costa, logo em 2016, tendo sido nesse momento que o Estado recuperou a posição maioritária na TAP. Mas essa fatia de 50% não lhe assegurou maior intervenção: a gestão permaneceu privada, como a responsabilidade de financiar a companhia e decidir sobre os seus destinos se manteve nas mãos do consórcio Atlantic Gateway, detido por Neeleman e Pedrosa em partes iguais.

Com a necessidade de salvar a transportadora aérea como justificação, nesta semana a ameaça de nacionalização voltou a pairar sobre a transportadora, com o governo e o chairman por ele nomeado a assumirem que nenhuma solução está posta de parte. “Um reforço da posição do Estado não pode ser descartado”, sublinhou Miguel Frasquilho.

“Estamos disponíveis para continuar a colaborar e a conversar com o Estado português de espírito aberto e construtivo”, afirma David Neeleman, reforçando que agora, “mais do que nunca, todos temos de colaborar para que a TAP volte a voar assim que o espaço aéreo abrir”. E quando chegar esse momento, o empresário acredita que a companhia aérea portuguesa parte com vantagem.

“2019 foi um ano em que se consolidou o turnaround e apesar de um primeiro semestre desafiante, houve uma clara inversão dos resultados operacionais e financeiros no segundo semestre.” Mesmo com prejuízos, as contas de setembro apontavam esse sentido, com a transportadora a anunciar que, descontando os efeitos cambiais, o lucro líquido consolidado do grupo no terceiro trimestre de 2019 fora de 61 milhões de euros positivos, compensando em mais 50% o prejuízo gerado no primeiro semestre.

Tendência que David Neeleman garante que se manteve até fevereiro deste ano, que apresentou mesmo uma performance operacional melhor do que a obtida no período homólogo de 2019, com o número de passageiros a aumentar 14% e as receitas a crescer 17%. “Felizmente, investimos muito nos últimos anos na renovação da frota e hoje temos uma das frotas mais jovens e eficientes do mundo, o que nos permite estarmos preparados para o futuro quando o mercado reabrir e para enfrentar a nossa concorrência.”

Antes disso, há que sobreviver aos “profundos desafios” de curto prazo, mas quanto a esses o acionista privado parece estar de certa forma descansado pela forma como o governo tem enfrentado os efeitos da pandemia. “Tenho seguido atentamente a evolução da covid-19 em todo o mundo e também aqui, e de acordo com a informação disponível, Portugal está a reagir muito bem graças às medidas sanitárias e económicas definidas e implementadas em tempo útil pelo governo, seguidas por toda a população e empresas.” O empresário não poupa elogios ao Executivo de Costa pela forma como tem liderado este processo, “não só se preocupando com o tema da saúde como desde cedo lançando incentivos à economia, com a garantia estatal a revelar-se uma das principais medidas de apoio às PME, a par do lay-off simplificado, de que a própria TAP beneficiou”.

Quanto ao futuro, os resultados alcançados na transformação da transportadora, “fruto do trabalho que temos desenvolvemos em conjunto com o acionista Estado e com a dedicação dos nossos 10 mil trabalhadores” dão a Neeleman a confiança de que esse mesmo trabalho conjunto garantirá “que a TAP continue o seu projeto de crescimento em rota segura”.

Veja abaixo como têm sido decididos os apoios às transportadoras aéreas

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