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Paddy Cosgrave cumpriu entre quarta e sexta-feira a sua já habitual maratona anual de entrevistas a meios nacionais e internacionais para marcar o arranque da Web Summit (próxima terça-feira, 1 de novembro). O Dinheiro Vivo encontrou-o no NINHO, um espaço de cowork exclusivo de Lisboa, onde o irlandês falou sobre como o evento tem valorizado Lisboa e como a capital portuguesa tem alavancado a Web Summit. E este “casamento interessante” será para manter após 2028, ano em que termina o acordo com o governo, segundo o cofundador da cimeira tecnológica.
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Os bilhetes para a Web Summit (WS) esgotaram mais cedo do que nunca. Qual terá sido o motivo?
As conferências de tecnologia em 2022 parecem ter, na Europa e nos EUA, 30% do tamanho que tinham em 2019. Estes eventos estão a sofrer por muitas razões, há uma série de fatores. Temos a sorte de Lisboa se ter tornado na cidade mais procurada, não só na Europa mas no mundo, para a tecnologia, nómadas digitais, startups. Podemos discutir as razões, mas acho que a Web Summit (WS) beneficia disso. Espero que tenhamos uma boa conferência. A WS significa descobrir o futuro e as outras conferências concentram-se em colocar no palco os maiores nomes da atualidade. Nós também fazemos um pouco isso mas, na verdade, espero que nunca tenha ouvido falar da maioria dos oradores da WS e, agora, fique a conhecer alguns deles, porque eles farão as empresas de amanhã e creio que isso continua a ser o grande atrativo da WS.
A edição deste ano tem sido apresentada como a maior de sempre, mas o espaço continua a ser o mesmo. Ainda não é desta que a WS terá 100 mil participantes. Como pode, então, ser esta a maior edição de sempre?
Fomos criativos e aumentámos a área de cobertura do evento para mais de 200 mil metros quadrados. A quantidade de espaço para expositores aumentou quase 60%. Estamos a usar muito mais espaço ao ar livre. Por exemplo, o tamanho total de todo o evento em Dublin era de 22 mil metros quadrados e, agora, em Lisboa, a eficiente gestão só do espaço exterior permite-nos chegar aos 22 500 metros quadrados. Recorrendo a estruturas temporárias, a área de cobertura total do evento, em Lisboa, passa a ser efetivamente dez vezes maior do que o que organizávamos em Dublin. Há formas de criar mais espaço, como fizemos.
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Por falar em espaço, a expansão da Feira Internacional de Lisboa (FIL) faz parte do acordo [com o governo e autarquia para manter a WS em Lisboa], mas ainda não aconteceu. Isso pode ser um obstáculo para o futuro da WS no país?
Sim, mas quero dizer que neste momento esse é um tema para o futuro. Estamos muito focados na próxima semana, mas o diálogo tem sido permanente e estou muito otimista. O governo e a cidade têm sido fantásticos para trabalhar. Vamos ver o que o futuro reserva.
Este ano estamos a enfrentar problemas de inflação e o crescimento dos custos energéticos. A edição da WS deste ano é também a mais dispendiosa de sempre?
Oh sim, de longe.
Pode revelar alguns números, em que medida os custos cresceram?
Ainda estamos a lidar com os custos do evento, acho que só saberemos o valor quando recebermos a conta da luz daqui a umas semanas… Nós temos assistido na Irlanda e no Reino Unido, e tenho a certeza que acontece o mesmo em Portugal, a empresários a mostar como as contas cresceram. É totalmente de loucos. No entanto, parece que Portugal é um dos mercados mais singulares da Europa e que a estratégia energética seguida por Portugal é diversificar o risco energético – talvez mais do que qualquer outro país da Europa.
Haverá algum tipo de contenção nos gastos energéticos do evento?
Sim. Todos os anos produzimos um relatório sobre a pegada ambiental da WS e trabalhamos no duro para reduzi-la, sobretudo a pegada de carbono. Não penso que será preciso desligar as luzes e ficarmos às escuras e pedir a todos que usem as lanternas dos telemóveis, embora isso pudesse ser uma ideia. Tenho a certeza que há medidas específicas preparadas pela equipa de produção nesse sentido de poupar.
Que tópicos destaca como mais relevantes na edição deste ano?
Cibersegurança, Guerra Comercial, Ucrânia, Inteligência Artificial….
Há também esta questão da energia e sustentabilidade.
Sim, mas a WS é tão grande. São mais de mil oradores em cerca de 25 palcos, algo extraordinário. Por isso, não há um dou dois temas, há muitos temas. Temos personalidades das Nações Unidas, mas também de organizações não governamentais. Pessoalmente, estou muito interessado na guerra comercial em curso. Na maioria das vezes, são os EUA com alguma participação da Europa versus China – há uma tendência recente de restrições nos semicondutores e cadeias de abastecimento, acho que é o movimento mais recente e significativo dos EUA no que diz respeito à China. Por exemplo, vamos ter o CEO da ARM [Rene Haas], que é uma das mais importantes empresas de semicondutores do mundo, entre outras empresas, investidores e especialistas muito bem colocados para falar sobre como acham que tudo isto se vai desenrolar nos próximos anos.
Há um nome em particular que me chamou à atenção: Noam Chomsky. Porquê trazer Chomsky a um evento como a Web Summit?
Noam Chomsky é o pai da linguística moderna. É provavelmente o intelectual vivo mais citado e tem um enorme contributo em muitos campos diferentes, desde a ciência cognitiva, filosofia, processamento da linguagem natural e inteligência artificial. É um contributo profundo e o mais interessante sobre Chomsky é que, há pelo menos uma década, já ele falava de carros autónomos, por exemplo. Ele vem falar de inteligência artificial e sobre o que considera hype e onde vamos ver maior progresso nos próximos anos.
Quando a WS chegou a Lisboa, muitos se interrogavam “Porquê Lisboa?”. Depois, Lisboa tornou-se um foco de atenção para o setor tecnológico. Entretanto Rio de Janeiro e Tóquio captaram a atenção da WS. Há um acordo para a WS continuar em Lisboa até 2028. Lisboa continuará a acolher o evento depois de 2028?
É uma boa pergunta. Como diz, quando nos mudámos para cá havia um enorme ceticismo, críticas no Twitter. “Porquê ir para Lisboa”, agora, seis anos depois, a questão é “Como podes sair de Lisboa? Por que sairias de Lisboa? Isso seria uma loucura.” Não temos intenção de sair de Lisboa. Há sempre conversas de bastidores sobre ficar mais tempo. Acho que tem funcionado bem. A WS cresceu por causa de Lisboa e penso que Lisboa cresceu por causa da WS. É um casamento interessante. Nós vamos expandir o número de eventos regionais. A WS é dominada por europeus e norte-americanos, mas o mundo é global. Acreditamos que a participação a partir da América do Sul, de África, do Médio Oriente, Ásia, e em particular do Japão, deveria ser muito maior do que é. Desde que anunciámos o evento no Rio de Janeiro – o segundo anúncio de um evento regional, o primeiro foi Tóquio – a participação de startups brasileiras aumentou brutalmente em mais de 30% com dois mil participantes brasileiros a mais, o que é uma loucura considerando que ainda nem realizámos o evento no Brasil. Mas só de saberem da WS houve um crescimento exponencial [da procura] no Brasil e na América do Sul. E acho que vai acontecer o mesmo se formos para África e para o Médio Oriente.
Desde o ano passado que Lisboa tem um novo presidente de câmara. Carlos Moedas quer tornar Lisboa numa fábrica de startups, de unicórnios, empresas. Isso é algo que interessa à WS?
Sim, estamos bastante interessados. Pelo que sei, a localização da Fábrica de Unicórnios é no Beato e tenho conversado com Simon Schaefer, que gere a fábrica, sobre a possibilidade de nos instalarmos lá também. Acho que é uma visão ousada e incrível. Lisboa está a prosperar e talvez a criar uma versão lisboeta da Station F, que fica em Paris. Um enorme complexo para alojar startups de todo o mundo só pode ser uma coisa positiva. Conheço Carlos Moedas há muito tempo. Já foi comissário europeu, governante. Ele tem uma experiência incrível como político e acho que será um autarca incrível para Lisboa, assim como Fernando Medina o foi.
Quão diferente é a relação da WS com Moedas comparando com o que era com Medina?
São ambas relações muito boas. A WS tem conseguido gerar benefícios para a cidade e são ambos pessoas com quem é fácil falar. Quem se queixaria de algo que traz dezenas de milhares de jornalistas e CEO para a cidade?
É notório que há um antes e um depois da WS em Lisboa, e em Portugal. Neste momento, o governo quer criar uma lei das startups até ao fim do ano. O que deveria ser prioritário, na sua opinião?
Eu não sou um especialista, em primeiro lugar. Em segundo, não vou interferir na política interna. Portugal faz hoje inveja ao mundo, porque todos perguntam como é que Lisboa e Portugal passaram de uma criança esquecida da Europa, que ninguém falava, para ser literalmente o lugar do momento no mundo, de acordo com os diferentes rankings de nómadas digitais, de trabalho remoto… Outros países e cidades estão a tentar copiaras políticas de Portugal.
Mas terá uma ideia do que poderia ser feito.
Nem tenho a tenho a certeza de que políticas se tratam. Definitivamente, deviam passar pelas infraestruturas, para facilitar as deslocações por Portugal, mas também há algumas coisas sobre as quais não há nada a fazer – o clima é incrível e a gastronomia ótima. Portugal é um país incrivelmente seguro, muito cosmopolita. Há muitos países na Europa que têm problemas profundos com o racismo, a intolerância… Se virmos os rankings, Portugal não é apenas um dos lugares mais pacíficos do mundo, é também considerado uma das sociedades mais tolerantes e acolhedoras do mundo. Isso é cultural ou é determinado pelo tipo de política do governo? Não sei mesmo o que deve acontecer no futuro para manter esta posição extraordinária em que Portugal se colocou em tão pouco tempo. Não sei mesmo quais são as respostas. Durante décadas Lisboa era uma cidade em decadência, as pessoas estavam de saída. É uma das poucas capitais europeias, talvez a única capital europeia, em que a população estava a diminuir face à década de 1980. Uma cidade velha que estava a ser abandonada e quase da noite para o dia, em meia década, tornou-se completamente diferente. Estou sempre a conhecer portugueses que me dizem: “Saí em 2012, Lisboa era a minha cidade, amava-a; os meus pais moravam no Porto e eu não tinha voltado a Lisboa. Volto em 2022, dez anos depois, e fico… Que cidade é esta, não a reconheço?” É uma loucura. Então, quais são as políticas? Diria que todo este crescimento gera muito dinheiro e espera-se que o dinheiro resolva imprevistos, os problemas que são criados quando tantas pessoas com dinheiro entram na cidade e esse dinheiro provoca um aumento de preços. Agora também aumentam os salários porque, de repente, há muitos bons empregos em vez de não haver de todo. Por isso, as consequências de segunda ordem que se preveem podem ser resolvidas. Pergunto-me qual era o orçamento da cidade em 2012 comparado com o de hoje. Isto não responde à pergunta, mas é o que sinto.
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