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Vindo da Food and Drug Administration (FDA), a entidade que regula a segurança dos medicamentos e produtos biológicos nos Estados Unidos, o médico Taha Kass-Hout está a liderar os esforços da Amazon Web Services (AWS) para aplicar machine learning à saúde. A empresa da gigante Amazon tem investido substancialmente nesta área, fornecendo ferramentas específicas e trabalhando com hospitais, farmacêuticas e académicos para refinar as ofertas.
Entre as várias iniciativas relacionadas com a saúde contam-se a Amazon Comprehend Medical, Amazon Care, Haven, e a novíssima Amazon HealthLake, que foi anunciada durante o evento anual re:Invent, que decorre virtualmente até 17 de dezembro. O médico Taha Kass-Hout acredita que não só o machine learning pode ajudar com a pandemia de covid-19 mas também com todo o sistema de saúde, permitindo antecipar doenças, melhorar a eficiência e tomar melhores políticas públicas.
A AWS tem inclusive vários casos de estudo com hospitais, incluindo um em Portugal, a Unidade de Saúde Familiar da Cova da Piedade, que implementou a solução Amazon Connect para alterar o protocolo de acompanhamento dos pacientes e resolver os problemas de contacto gerados pela pandemia de covid-19.
A solução, em nuvem, faz chamadas para os doentes em todos os telefones de médicos e enfermeiros, eliminando o que era até então uma tarefa dantesca – a de ligar manualmente através de apenas três linhas a todos os pacientes, independentemente da gravidade dos sintomas. O sistema permitiu que os clínicos pudessem deixar de ligar a milhares de pessoas para identificar potencialmente 2 ou 3 casos de doença.
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Como este exemplo há vários e é por isso que Taha Kass-Hout se mostra otimista. Falámos com o veterano da indústria sobre o impacto destas tecnologias na saúde e na mitigação da pandemia.
Quais os objetivos da nova estratégia da Amazon Web Services (AWS) no sector da saúde?
A iniciativa mais recente que lançámos é o Amazon HealthLake, um serviço para empresas da área da saúde, seguradoras e farmacêuticas, que permitirá ingerir, armazenar, transformar e analisar, mesmo à escala de petabytes. O serviço usa modelos de machine learning (aprendizagem de máquina) treinados para estruturar automaticamente e extrair dados médicos relevantes de uma grande variedade de formatos que são típicos na indústria da saúde e costumam estar dispersos em muitos sistemas, como medicação, procedimentos e diagnósticos.
Vai revolucionar um processo que era feito manualmente, dado a erros e dispendioso.
Esta capacidade de etiquetar todas as peças de informação médica, indexá-las para pesquisa usando termos médicos, e depois estruturar tudo no padrão da indústria FHIR (fast healthcare interoperability resources) permitirá às organizações terem uma visão 360º sobre todos os doentes.
Dá para integrar com outros serviços AWS Machine Learning, por exemplo, com o SageMaker, será possível fazer previsões ou identificar tendências e anomalias na saúde de uma pessoa.
A solução foi pensada por causa do que está a acontecer, com a pandemia de covid-19?
Sim. O Amazon HealthLake veio da necessidade de lidar com a complexidade da informação que temos agora, montanhas dela. Não apenas o que está a ser recolhido nas novas formas de atendimento, como teleconsultas, mas também reconhecimento de voz, dispositivos médicos e tudo isso. É importante organizar esta informação em escala de uma forma segura num repositório central encriptado, sendo possível comunicar com outros fornecedores de serviços de saúde e com os doentes. E poder tomar decisões com base em dados e não apenas em casos aqui e ali. E depois prever coisas, como por exemplo, qual o segmento da população que poderá desenvolver hipertensão.
Como é que o machine learning e a inteligência artificial podem ajudar na pandemia?
Sou um otimista e acredito que a tecnologia IA pode ser democratizada nas mãos de muitos inovadores e programadores de software pelo mundo fora. A IA é incrível a lidar com o reconhecimento de padrões e como podemos lidar com dados sequenciais não estruturados e em contexto, como conversas entre médico e doente.
Pode ajudar a extrair os significados certos no contexto e estruturar a informação para aprendermos com ela. Olhemos para a Moderna, que em 42 dias conseguiu aprender a sequência do coronavírus para o entender, com base na plataforma que construiu em cima da AWS usando o nosso machine learning. Fizeram um processo que pode demorar dois ou três anos em cerca de cinco semanas. Isto é realmente incrível. Temos visto um grande valor no machine learning.
No início do ano, notámos que havia muita literatura específica a sair. Uma das coisas positivas da covid tem sido a partilha de descobertas científicas mesmo antes de serem publicadas. Como fazer quando há 300 novos artigos científicos disponíveis todos os dias? Aplicámos Amazon Kendra com Amazon Comprehend Medical para resumir e indexar essas informações, para o público em geral e os investigadores.
Outra coisa em que o machine learning está a ajudar é com previsões. A covid tem muito desconhecido e todos os dias aprendemos algo, desde a incubação ao comportamento do vírus e mutações, por isso fazer previsões é difícil. Construímos um simulador covid-19 para ajudar entidades e organizações a tomarem decisões. Por exemplo, para prever o que acontecerá se uma certa medida for tomada num certo código postal.
Podemos dizer que o tempo recorde desta vacina se deve, em parte, a estas tecnologias?
É uma ferramenta na caixa de ferramentas. Não queremos exagerar a sua utilidade.
A razão pela qual temos estado a democratizar o acesso a estas ferramentas é que elas são incríveis em escala, em especial a lidar com o aumento dos dados, num mundo em que há poucos especialistas em machine learning e ciência de dados. Queremos que o ML seja o mais aborrecido possível, para que qualquer pessoa possa pegar e construir algo que os entusiasma.
Não consigo imaginar um mundo em que possamos operar com esta quantidade de informação, poucos especialistas disponíveis e sem machine learning.
Será possível usar ML e IA para prevenir ou prever a próxima pandemia?
Olhando para a minha experiência como médico e como oficial de saúde pública no passado, não consigo imaginar um mundo em que não utilizamos estas tecnologias. São muito úteis para decifrar a informação e ter melhores previsões. O deep learning, por exemplo, existe há bastante tempo. Mas com a nuvem que a Amazon inventou e com a escala que fornecemos podemos retirar a caixa negra da equação e saber como foi feito, quais os preconceitos introduzidos, etc. São ferramentas que estão mesmo a ajudar os programadores. Acredito que numa futura crise ou pandemia serão excelentes ferramentas para ter.
Acredita que, com o que está a ser desenvolvido por causa da pandemia, haverá um acesso mais equitativo a cuidados de saúde?
Estou otimista e acredito que democratizar as ferramentas para poder agregar as informações e torná-las confiáveis, analisáveis, partilháveis e seguras ajudará a diminuir ainda mais a lacuna no atendimento.
É isso que estamos a ouvir de clientes como a Orion Health, que está muito otimista em relação às “portas digitais” e a disponibilização de serviços em qualquer parte do mundo. No Amazon HealthLake há um grande potencial para reduzir lacunas no atendimento, reduzir o desperdício para que o sistema seja mais eficiente.
Há uns anos, um dos hospitais mais pequenos do mundo com académicos de elite, em Boston, foi capaz de usar o nosso ML para lidar com uma quantidade enorme de informações não estruturadas para melhorar a eficiência da unidade de cuidados intensivos em 30%, o que não só se traduziu numa redução de custos, mas também numa melhor experiência para cirurgiões e pacientes.
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