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O golpe inesperado do surto pandémico colocou um travão no crescimento do mercado residencial português. Em 2020, o investimento em habitação deverá totalizar 22,5 mil milhões de euros, uma quebra de 10% face aos mais de 25 mil milhões gerados em 2019 – um ano recorde para o setor. A quebra reflete sobretudo a quase inatividade do país durante o confinamento e o abrandamento da procura que se começou a sentir no último trimestre do ano. A resiliência dos preços das casas, que continuaram a aumentar embora o ritmo tenha desacelerado, segurou o negócio, até porque o número de casas vendidas deve ter caído cerca de 15%.
Para o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), Luís Lima, os primeiros nove meses do ano, quando a venda de casas atingiu os 18,6 mil milhões de euros, valor semelhante ao verificado no homólogo de 2019, “são reveladores da resiliência do mercado imobiliário nacional”. No entanto, e escusando-se a antecipar previsões sobre o fecho do exercício, nota que o último trimestre “irá refletir o impacto que a crise pandémica e consequente instabilidade económica e laboral terá na procura imobiliária, que terá começado já a arrefecer desde setembro”. Certo é que já entre janeiro e setembro verificou-se uma quebra de 7,7% no número de casas vendidas no país.
Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, estima “uma redução do volume de vendas inferior a 10%” em 2020, justificada em grande medida pelo confinamento de março, abril e maio. Para o gestor, este período “provocou um adiamento de transações imobiliárias, tanto nacionais como internacionais que, só na segunda metade do ano, foi possível recuperar, mas não o suficiente para compensar o abrandamento registado no primeiro semestre”. Na sua opinião, 2020 deverá apresentar “uma quebra de 15% a 10% no número de transações de venda”.
Já o presidente da Associação dos Mediadores do Imobiliário de Portugal (ASMIP), Francisco Bacelar, estima que 2020 feche “com uma quebra acima dos 20%” ao nível do volume de transações, projeção que, a concretizar-se, colocaria o investimento em habitação nos 20 mil milhões de euros. Ainda assim, realça, o valor é “bem menor do que se chegou a temer”, o que dá a “esperança de que o mercado imobiliário passe um pouco ao lado dos piores efeitos económicos da pandemia”.
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Incertezas de 2021
Patrícia Barão, responsável pela área residencial da JLL, lembra que 2019 “foi um ano recorde” para o mercado residencial e, por isso, acredita que 2020 traga “uma correção em baixa”. Como sublinha, o setor registou, neste ano, “o melhor primeiro trimestre de sempre” em valor, atingindo vendas de 6,7 mil milhões de euros. Já o segundo trimestre foi marcado pelos “impactos do confinamento e da insegurança causada pelo vírus”, tendo o mercado residencial registado uma quebra de 21% no número de casas vendidas nesse período e de 15% no volume de transações. O fim do confinamento deu alento ao negócio, mas “a sombra da pandemia não desapareceu – continua e traz consigo alguma incerteza e limitações que se refletem na atividade”, diz a responsável.
Os agentes do setor reconhecem que 2021 é um ano de enormes desafios, muito dependente da evolução do surto pandémico e da eficácia da vacinação, sendo que há ainda a contar com o fim das moratórias de crédito e com o impacto da pandemia nas empresas e no mercado laboral. Ainda assim, não perspetivam uma quebra nos preços das casas, que no terceiro trimestre de 2020 apresentaram uma subida de 7,1%. Segundo Ricardo Sousa, a performance deve-se à elevada procura de casas pelos portugueses, que se associa a uma escassez de oferta quer em imóveis novos quer em usados, e à disponibilidade dos bancos em financiar o crédito à habitação. E, neste cenário, o CEO da Century 21 admite que os indicadores para o mercado residencial “são moderadamente positivos para 2021”, com os preços a manterem-se estáveis. Como sublinha, “a procura permanece forte e com o abrandamento da construção no setor turístico e de serviços é expectável que se verifique um aumento significativo da capacidade produtiva de novas habitações”.
Beatriz Rubio, CEO da RE/MAX Portugal, admite “uma estabilização dos preços” em 2021, mas afasta a possibilidade de uma quebra generalizada. Como sublinha, “mesmo nos meses mais difíceis, como os do segundo trimestre de 2020, os preços mostraram-se resilientes”. A responsável lembra que as casas são um bem de primeira necessidade e que “persiste um certo desajustamento entre a oferta e a procura”, fatores que seguram o valor dos imóveis. Beatriz Rubio frisa que os imóveis residenciais são avaliados por parâmetros como “a localização, o estado de conservação, as acessibilidades, as áreas, mais do que pelo único critério de crise pandémica”.
Já Cristina Arouca, diretora de research da CBRE Portugal, estima que “o preço das casas reduza ligeiramente”, sendo que “a existência de um decréscimo mais significativo vai depender do que o governo, com a ajuda da União Europeia, conseguirem fazer” para segurar a economia. Como realça, o maior desafio para o ano que agora se inicia “prende-se com a conjuntura económica e social e a consequente manutenção do emprego e do poder de compra do mercado doméstico”. Mas há outros. As alterações legislativas fiscais, como as dos vistos gold, “criam uma enorme incerteza” no setor.
Neste ponto, há um consenso alargado entre os vários intervenientes no ramo imobiliário. Para Luís Lima, as alterações ao regime dos vistos gold previstas no Orçamento do Estado para 2020, “já seriam negativas antes da situação pandémica” e, agora, “sê-lo-ão ainda mais, num período em que a atração de investimento seria absolutamente fundamental num plano estratégico de recuperação”. Patrícia Barão sublinha que “é essencial passarmos a imagem de que somos um país seguro e estável, cujos governantes não mudam de ideias ano sim, ano não, pois o ciclo de negócio no setor imobiliário é longo, logo os investidores precisam de estabilidade”.
Segundo a responsável, “os programas de captação de investimento estrangeiro são completamente decisórios para os investidores e diferenciadores na hora de escolher Portugal como destino de investimento e de residência”, não sendo suficiente “o facto de sermos um país seguro, de falarmos várias línguas, ou de sermos um dos países mais hospitaleiros do planeta”. Também Francisco Bacelar defende a reversão das alterações aos vistos gold. Na sua opinião, essas entradas de capital “serão perdidas para outros países”, que mantêm regimes semelhantes e que os tornarão possivelmente mais apelativos para contornar a crise.
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