Sobreviveu à monarquia, a duas guerras mundiais, à ditadura e à revolução, e a crises económicas profundas diversas, mas hoje, século e meio depois, a Corticeira Amorim está do lado certo da história e de um futuro que se quer cada vez mais verde. Ou como diz a presidente da Amorim Investimentos e Participações, “estamos com o mundo a nosso favor”. Paula Amorim acredita que “não há produto mais trend no mundo do que a cortiça”, sobretudo numa altura em que os temas da sustentabilidade estão na “ordem do dia” de governos e da sociedade. “O futuro só pode ser seguramente melhor do que o passado” e o grupo tem o “material certo” para o enfrentar. E que, além de natural, “é nobre, é português e é único”.
Na cerimónia de lançamento das comemorações dos 150 anos, Paula Amorim lembrou que o grupo esteve na origem e fundação de “grandes empresas”, como o BCP ou a Telecel, atual Vodafone, além de outras no turismo, no imobiliário, na agroindústria e até nos têxteis. Muito devido ao entusiasmo do seu pai, Américo Amorim, pessoa de “grande visão”, que “não tinha medo e que gostava de assumir riscos”. Por “consenso entre os acionistas”, o grupo recentrou-se no seu core business, a cortiça, deixando que cada elemento da família desenvolva atividades noutras áreas “de forma privada”. E, por isso, a Amorim Investimentos e Participações “está tão focada no negócio histórico da família”, explicou, encarando o futuro “com a mesma ambição” dos seus antepassados e a “mesma vontade de criar e de deixar obra feita”. António Rios Amorim, CEO da Corticeira Amorim, é “indiscutivelmente o gestor certo desta geração do grupo”, sublinhou Paula Amorim, elogiando a “persistência” e a “positiva obstinação” do primo.
“Portugal quer ser neutro em emissões de carbono em 2050, a Corticeira Amorim já é negativa em 2020”, António Rios Amorim, CEO da Corticeira Amorim
Já António Rios Amorim garante que “o melhor ainda está para vir”. E a ambição da líder mundial na transformação de cortiça não esmoreceu, ao fim de século e meio de existência. Porque há um “mundo a conquistar” nos pavimentos e materiais de construção e nas novas aplicações, em segmentos tão distintos como o desporto, o lazer, o design ou a aeronáutica. “Temos 34% dos lançamentos de satélites, temos que ganhar mais quota de mercado. São aplicações de altíssimo valor acrescentado, para a qual temos uma unidade nos EUA”, diz Rios Amorim.
Nos pavimentos, o maior mercado do grupo é a Alemanha e a cortiça representa apenas 1% do total dos revestimentos vendidos na Alemanha. “Temos tudo para conquistar e oferecemos uma proposta de valor única, com conforto, isolamento térmico e acústico e visuais apelativos”. E, depois, há todas as novas aplicações para substituir produtos compósitos alternativos, como a borracha, na relva artificial, nos pisos para parques infantis ou nos pavimentos para barcos de cruzeiros.
“A Amorim Cork Composite será a unidade que mais inovação, em termos de aplicações, aportará à Corticeira Amorim”, vaticina, sublinhado que, dos 100 milhões de euros gerados em 2018, 13 milhões vieram de produtos que não existiam dois anos antes. Uma área em que pretende apostar, essencialmente, em parceria com os detentores do know how de cada nova aplicação, a exemplo das duas joint ventures que realizou em 2019 para a área dos parques infantis e dos relvados artificiais. Ou a parceria que tem n’As Portuguesas, os flip flop de cortiça criados por Pedro Abrantes, que hoje detém 25% do capital da empresa, em conjunto com a Corticeira Amorim, estando os restantes 50% na mão da Kyaia, o maior grupo de calçado nacional. Um investimento que a Corticeira realizou “numa lógica de shark tank” e que é um “retumbante sucesso”, com uma faturação acima dos 1,5 milhões de euros e “resultados muito interessantes” para todos os parceiros.
“Queremos levar o sistema de remuneração variável ao chão de fábrica para motivar os trabalhadores”, António Rios Amorim, CEO da Corticeira Amorim
A terceira área estratégica de desenvolvimento é a rolha. Sempre a rolha, que assegura 72,5% dos 763 milhões de euros de vendas do grupo. Tudo isto só será possível com investimentos significativos a montante, no montado, e a Corticeira quer incentivar os produtores florestais a plantarem 50 mil hectares de sobreiros na próxima década. E está disposta a custear parte desse investimento, em parceria, ajudando, também, a aumentar a rentabilidade do produtor.
“O sobreiro é a espécie florestal mais amada em Portugal, mas tem que ter uma rentabilidade adequada. É muito difícil para qualquer produtor, individualmente, a partir do seu orçamento doméstico, fazer investimentos em projetos que vão ter um retorno a muito longo prazo (três a quatro décadas). Nós compreendemos que essa limitação existe e a Corticeira Amorim deve superá-la, investindo no aumento do conhecimento relevante que possa ser utilizado pelo produtor florestal para que a sua exploração no futuro venha a ser economicamente rentável”, explica António Rios Amorim.
A estratégia passa por aumentar a densidade de plantação, com 350 a 400 árvores por hectare em vez do rácio atual de 50 a 60 árvores, e por instalar sistema de rega gota a gota para assegurar o correto desenvolvimento dos sobreiros durante os primeiros 10 anos de vida da árvore. O que permitirá, acredita a Amorim, antecipar de 25 para 10 anos a primeira extração de cortiça.
Dos 50 mil hectares de montado intensivo que pretende que surjam em Portugal na próxima década, a Corticeira está disposta a investir em cinco mil hectares, em terras próprias ou arrendadas a “muito longo prazo”. Os primeiros 250 hectares foram já plantados numa propriedade em Alcácer do Sal, num investimento de 1,5 milhões de euros, em regime de parceria. O objetivo é continuar a replicar o projeto e há já novos terrenos em vista. Quanto ao investimento associado, dependerá sempre se a terra será comprada ou alugada, mas admite que a parceria será o “modelo mais importante” a ser seguido. Os primeiros 1.500 hectares deverão obrigar a um investimento de sete a 10 milhões de euros, valor que “terá de ser multiplicado para se chegar aos cinco mil hectares” e mais, ainda, para chegar à meta dos 50 mil numa década.
Com 10 unidades de preparação de cortiça em Portugal, Espanha e Norte de África, 19 unidades industriais de transformação, 10 joint-ventures e 50 empresas de distribuição, a Corticeira Amorim está presente em 100 países, empregando 4.431 pessoas. Destas, 1200 estão fora de Portugal. E é esta dimensão global que lhe permite gerir melhor a instabilidade criada pela guerra comercial entre os dois maiores consumidores de vinho do mundo, os EUA e a China.
Questionados pelo Dinheiro Vivo sobre os efeitos desta instabilidade, Paula Amorim acredita que o desenvolvimento e a abertura da China é “imparável” e que tudo acabará por se resolver de forma sustentável. O grupo “continua a fazer o seu trabalho” e a seguir “o seu caminho”. Já António Rios Amorim considera “mais gravosas” as ameaças dos EUA de duplicarem as tarifas sobre os vinhos e os queijos franceses e reconhece que tudo isso irá, de alguma forma, “afetar o negócio”. No entanto, a Amorim está bem posicionada para enfrentar esta situação. “Se os EUA não consumirem vinho francês vão consumir chileno, argentino ou australiano, e nós também lá estamos. A presença global que temos deve minimizar esses impactos que, no curto prazo podem fazer mossa, mas que, com o passar do tempo, irão ser superados”, diz, sublinhando: “Estamos atentos, mas podemos fazer pouco”. Igual princípio se aplica ao brexit.
Dos novos investimentos anunciados pelo grupo, destaque precisamente para a construção de novas fábricas na Austrália e no Chile, num investimento global de oito milhões de euros. A primeira está já em construção e será inaugurada em abril, a segunda, a realizar em parceria com a Concha y Toro, a maior vitivinícola chilena. Na Austrália vai, ainda, fabricar musselets, os arames que vão sobre a rolha na garrafa de espumante, uma parceria com uma companhia italiana.
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