Partilhareste artigo
A transformação digital da banca é uma tendência incontornável e o setor está cada vez mais alerta para a mudança. Para Paulo Garcia, managing partner financial services da consultora portuguesa Unipartner, a inovação tecnológica, além de representar uma oportunidade para os bancos oferecerem serviços mais convenientes e acessíveis aos clientes, é também uma arma para estas instituições se manterem competitivas, num mercado que considera extremamente concorrencial.
Ao que se prende a necessidade de os bancos evoluírem digitalmente?
A transformação digital representa uma oportunidade para os próprios bancos se reinventarem e prepararem para o futuro. A inovação tecnológica acaba por ser um motor não só para a diferenciação destas instituições, que operam num mercado extremamente concorrencial, como também para o incremento da sua própria resiliência.
Relacionados
Como é que o setor tem olhado para esta ideia?
Nos últimos anos, as instituições bancárias têm vindo a reconhecer cada vez mais o impacto que a tecnologia tem na sua forma de operar. A digitalização não é vista pelos bancos apenas como um meio de proporcionarem serviços mais convenientes e acessíveis aos consumidores finais, mas também como uma oportunidade para melhorar os níveis de eficiência e reduzir custos. No fundo, uma forma de permanecerem competitivos neste setor, que está em constante mudança.
Qual foi o papel que a pandemia desempenhou no processo de transformação digital da banca?
A pandemia teve, sem dúvida, um efeito acelerador neste processo, levando muitas organizações, no geral, a implementarem os seus projetos de transformação digital. No caso dos bancos, em concreto, os clientes ficaram impedidos de ir aos balcões físicos, o que levou a que as instituições revissem os seus canais de distribuição, de modo a proporcionar o acesso aos seus serviços e a permitir aos clientes subscrever produtos ou fazer contratações de forma remota.
Onde é que a digitalização já é notória?
Diria que, sobretudo, nos canais de distribuição presenciais e não presenciais.
A longo prazo, as agências físicas vão deixar de existir?
Acreditamos que o balcão físico vai continuar a ter um papel de destaque, mas, a partir de agora, com outro propósito, ou seja, não tanto para desempenhar aquelas que antigamente eram as suas funções habituais, como transações, já que hoje temos os serviços de homebanking, que nos permitem fazer grande parte das operações, mas para nos ajudar, dando-nos acesso a especialistas para aconselhamento financeiro e venda de produtos complexos – principalmente agora, que as prestações estão a aumentar e os clientes precisam de aconselhamento para rever os créditos. Nestes tempos de incerteza, um serviço mais humanizado, desempenhado pelos colaboradores das agências, assegura uma maior estabilidade e níveis mais elevados de retenção de clientes.
“A banca tem muita informação armazenada e tem feito um trabalho notável no sentido de fortalecer uma cultura de dados. A personalização da experiência dos clientes é a grande tendência para 2023.”
Que outros canais estão em causa?
As aplicações de homebanking, que todos temos disponíveis, são um exemplo. Vão deixar de ser apenas uma ferramenta que nos permite executar um conjunto de transações em modo self-service, para assumirem forma de assistentes digitais inteligentes, com capacidade para analisar o nosso comportamento financeiro, os produtos que subscrevemos e, em função disso, entender quais as nossas preferências e propor um conjunto de ações e notificações inteligentes. A título de exemplo: quando um cartão pré-pago de um cliente que faz compras online recorrentemente chegar a zeros, será enviada automaticamente uma notificação inteligente a propor uma nova operação para carregamento. Ou seja, além de ser um sítio onde faço operações, passo a receber notificações e recomendações de ações.
Subscrever newsletter
O serviço telefónico, também está incluído neste pacote?
Sim, acreditamos que a banca telefónica vai evoluir para um conceito de remote banking, em que a voz e a imagem vão alterar aquilo que é o papel dos contact centers tradicionais. As ferramentas de comunicação unificadas possibilitam que as vendas remotas sejam hoje feitas por um colaborador numa agência ou num departamento de operações.
Qual a grande tendência para 2023 quando falamos em digitalização dos bancos?
A personalização da experiência dos clientes. A banca tem muita informação armazenada e tem feito um trabalho notável no sentido de fortalecer uma cultura de dados. Basicamente, consiste em tirar toda a informação do contexto e aplicar sobre ela tecnologias como inteligência artificial e machine learning, de modo a conseguir retirar insights que permitam aos bancos conhecer melhor os seus clientes, por exemplo, e oferecer ofertas muito mais personalizadas e propostas de valor que são realmente relevantes, considerando as suas necessidades.
E a segurança desses dados, passa a ser também uma prioridade?
Claramente. À medida que os serviços bancários se tornam cada vez mais digitais, a segurança dos dados dos clientes passa também a ser uma prioridade cada vez maior.
Porque há um maior risco?
Há. Costumo dizer que os assaltos já não são feitos durante a noite, pessoalmente, nas agências, mas sim, no digital. A cibersegurança é agora um imperativo para os bancos, até porque as ameaças cresceram em volume e severidade.
Torna-se imprescindível, assim, um maior investimento nesta vertente?
Sim, as ameaças cibernéticas obrigam os bancos a fazerem alguns investimentos e alterações tecnológicas, como, por exemplo, em ferramentas que permitam detetar vulnerabilidades no sistema e prevenir intrusões, bem como em soluções de cloud, que garantem às organizações níveis de monitorização, segurança e conformidade difíceis de igualar. Outro aspeto fundamental ao nível da segurança tem que ver com a própria sensibilização e educação dos colaboradores e dos clientes, através de ações de formação e partilha de boas práticas, porque, muitas vezes, a fraude entra pelo elo mais fraco – o elo humano, seja ele interno, colaborador do próprio banco ou externo. É essencial que todos estejam cientes das ameaças e saibam como mitigá-las. Esta é uma área na qual a banca tem vindo e vai continuar a investir no futuro.
Quais é que poderão ser as consequências de não atualizar para esta nova versão da banca? Nota relutância por parte do setor?
Diria que não. As instituições financeiras olham para este tema como uma necessidade, até porque há efetivamente um imperativo de mudança, porque aqueles que não se transformarem correm o risco de ficar para trás e de perder quota de mercado mais do que nunca. Encaramos este momento como uma oportunidade para os bancos se diferenciarem, reinventarem e modernizarem os seus sistemas, sob pena de se tornarem irrelevantes. Daqui em diante, haverá certamente um investimento crescente em projetos de transformação e digitalização.
Podemos associar, de alguma forma, a transformação digital à liderança?
Sem dúvida, as instituições bancárias líderes vão ser aquelas que se posicionarem como empresas de tecnologia, que dispuserem de recursos avançados de dados e modelos operacionais ágeis.
O que é que envolve os bancos passarem a operar como uma “empresa de tecnologia”?
Operar como uma empresa de tecnologia não se trata apenas adotar tecnologias digitais, envolve uma mudança não só do modelo de negócio, como também da cultura organizacional, dos processos internos e da forma de operar. Os bancos têm de adotar uma abordagem mais ágil e interativa para o lançamento de soluções aplicacionais (refiro-me aos departamentos de desenvolvimento), de modo a conseguirem testar rapidamente e lançarem novos produtos e serviços com um time-to-market mais curto – o que implica que passem a fazer uso de tecnologias low-code. Por outro lado, operar como uma empresa de tecnologia passa também por acelerar o próprio processo de transformação organizacional e tecnológico das próprias instituições financeiras.
E por onde é que os bancos podem ou devem começar esse processo?
Por reposicionar a função de IT dentro da própria estrutura organizacional do banco, injetando uma maior eficiência operativa entre este departamento e as outras unidades de negócio. Podem fazê-lo através da concentração de competências, racionalização de meios, revisão dos procedimentos, tendo, claro, sempre em consideração parâmetros de segurança, qualidade e custos controlado. No fundo, fazer do departamento de IT um facilitador de negócio. Outro aspeto importante tem que ver com os bancos fomentarem uma cultura de inovação e experimentação, onde o próprio fracasso é aceite como parte do processo de criação e no qual as pessoas se sintam seguras e não tenham medo de falhar. Isto, aliás, é particularmente importante para a banca, que tem um problema de atração e retenção de talento nas mãos. Uma abordagem mais interativa torna a banca num sítio mais atrativo para se poder trabalhar e evoluir.
A banca portuguesa está tão capacitada quanto a internacional para se transformar digitalmente?
Acredito que o que se faz na banca em Portugal está perfeitamente alinhado com o que de melhor se faz na banca internacional. Do ponto de vista tecnológico, existem as mesmas facilidades e a mesma capacidade. Muitas vezes o que acontece é que os orçamentos são distintos. O que nós fazemos, fazemos bem. Às vezes os programas de transformação têm é de ter uma ambição mais comedida, face às restrições orçamentais.
“O balcão físico vai continuar a ter um papel de destaque, mas, a partir de agora, com outro propósito: dar acesso a especilistas para aconselhamento financeiro e vendas mais complexas.”
Como é que diria que estará o setor financeiro daqui a cinco anos?
É muito difícil fazer previsões, principalmente com horizonte temporal tão grande. Um fator que vemos como importante, que vai marcar a banca é o tema da sustentabilidade, que já está a ser trabalhado no curto e médio prazo. Sendo a banca um setor com impacto direto para os cidadãos, a sustentabilidade tem de estar no centro da transformação e não apenas na ação desempenhada enquanto agente económico. Tem de estar naquilo que a sua própria atuação. Já temos vindo a assistir à introdução de alguns conceitos de sustentabilidade financeira. Os bancos já têm, inclusive, a capacidade de influenciar a sustentabilidade através de atividades de investimento e financiamento, isto é, podem discriminar positivamente, concedendo melhores condições a empresas que adotem práticas sustentáveis, que se queiram transformar digitalmente, reduzir a pegada ecológica e melhorar a eficiência energética.
Os próprios bancos também podem trabalhar na sustentabilidade interna?
Claro, os bancos têm também a responsabilidade de minimizar o seu próprio impacto e pegada ecológica, adotando práticas sustentáveis nas operações e processos, como por exemplo, ao nível das tecnologias de cloud, trabalho remoto, virtualização dos postos de trabalho e transição dos data centers. Os próprios consumidores vão começar a premiar ou penalizar as instituições financeiras que não tenham esta preocupação, sobretudo as camadas mais jovens, onde este é o mindset predominante. Diria que o sucesso de cada banco será impactado pela forma como integrará o tema da sustentabilidade na sua missão, nos seus valores e na forma como atua no mercado concorrencial.
Percebemos que transformação digital da banca é incontornável. Mas, onde ficam as pessoas no futuro?
Apesar de termos vindo a assistir a uma redução dos trabalhadores nas agências, não creio que o futuro da banca passe pela extinção da mão-de-obra humana. Acredito, sim, que haverá um reposicionamento do colaborador, até porque nos dias que correm é possível abrir uma conta, transferir dinheiro e fazer pagamentos de serviços através de uma aplicação no telemóvel – e antes, todas as pessoas que trabalhavam no balcão estavam ali precisamente para executar esse conjunto de transações. Os colaboradores passarão certamente a assumir forma de agentes de aconselhamento e de apoio à venda, uma vez que é impossível haver uma total substituição do contacto humano por elementos puramente digitais, nomeadamente em tempos mais complexas, como aquele que estamos a viver. No entanto, será inevitável que algumas tarefas diminuam por força da digitalização e da robotização de processos.
Deixe um comentário