“Todas as arrogâncias são inúteis quando se gere no desconhecido” e esta crise obriga-nos precisamente a fazer um esforço de adaptação e recuperação no escuro – com a agravante de a pandemia ter, ao contrário do que tem sido dito, grandes assimetrias. São palavras do ex-vice-primeiro-ministro, que traçou um quadro do desafio que a economia mundial enfrenta neste contexto de covid e apontou caminhos para Portugal conseguir sobreviver melhor, inclusivamente na agricultura.
Num debate sobre Geopolítica e Geoeconomia: Tendências, Riscos e Oportunidades da Agricultura no Mundo Pós-Covid, promovido pela Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) nesta tarde, Paulo Portas expôs uma reflexão sobre os efeitos globais da pandemia e analisou os seus impactos e consequências o setor. O encontro digital, que contou com apresentação de Mira Amaral e encerramento pelo presidente da CAP, Eduardo Oliveira e Sousa, insere-se na iniciativa “A Agricultura num Mundo em Mudança”, que terá seguimento a 8 de junho (das 15h00 às 16h30, através da plataforma Zoom), com Elisa Ferreira como convidada.
“Esta pandemia parece simétrica, por grosso, porque impacta em todos, mas a verdade é que é apenas mais global e rápida do que outras que conhecemos. A gripe espanhola – assim chamada por acidente reputacional – também foi global, simplesmente foi mais lenta porque viajou de barco e agora propagou-se por avião.” Foi desta forma que Paulo Portas começou por explicar que se outras pandemias podem ter tido contornos diferentes ou níveis de expansão distintos – sendo a covid mais rápida do que o SARS em 2003 e o MERS em 2012 e mais extensa – as assimetrias são a característica mais determinante nesta pandemia.
Sobretudo pela forma distinta como cada região lhe reage, destaca o especialista, comparando a reação europeia com a americana. “Mesmo tendo chegado um mês mais tarde às Américas do que à Europa, as soluções económicas foram decididas e empreendidas muito mais depressa naquele continente do que aqui”, sublinhou Paulo Portas, lamentando que ainda estejamos por cá à espera de “um plano europeu de recuperação quando os apoios da Fed já estão a animar as empresas americanas, nomeadamente através de custos de financiamento reduzidos”.
A forma escolhida para reanimar a economia no pós confinamento foi outro tema focado neste debate digital, com Portas a realçar como os diferentes formatos dos apoios podem influenciar a recuperação das economias (mais uma assimetria): “O helicopter money defendido por Friedman funciona; nós continuamos a preferir créditos e a rejeitar o que muitas empresas já entenderam, que aumentar o endividamento não é a melhor solução”.
Encontrando na agricultura um setor fundamental e que ganha particular relevância neste contexto de covid e de consequente crise, Paulo Portas lembrou o problema reputacional que a China tem pela frente – e como Portugal, adotando políticas distintivas dos restantes países da União Europeia (UE) e capazes de captar investimento estrangeiro pode capitalizar nesse reequilíbrio de forças na reconfiguração económica e industrial mundial, assim se apresse a definir um plano de ação cujas vantagens não podem limitar-se a fórmulas antigas, como benefícios fiscais, mas antes configurar-se como verdadeiramente disruptivas, capazes de despertar interesse nos investidores.
Agricultura lembra papel único do setor
“O setor agrícola conta consigo há muito tempo”, sublinhou, no encerramento da apresentação, o líder da CAP, Eduardo Oliveira e Sousa. “Não conheço outro governante que se tenha interessado com igual veemência” como Paulo Portas, pelo que a intervenção do ex-governante fez ainda mais sentido, destacou, para vincar que há que pôr a agricultura no lugar merecido. A começar por apoios sérios ao setor, porque os que existem, se demonstram “boa vontade”, estão muito longe de ser suficientes.
“A agricultura não quer nem pode parar, mas não é imune ao tombo que sofre toda a economia”, vinca Eduardo Oliveira e Sousa, antes de pedir a ajuda necessária para sobreviver, antes de se reencontrar o equilíbrio. “Das medidas tomadas sucessivamente, algumas ainda não chegaram”, lamentou, para vincar as diferenças de ação em países como Holanda, França ou Espanha, cujos Estados, “por insuficiência da PAC, avançaram recursos próprios para apoiar as suas principais produções, respetivamente as flores, a batata, o borrego; alguns, como Madrid e Paris, também aboliram o pagamento da taxa de potência na eletricidade no regadio”, exemplificou o responsável.
Por cá, existe boa vontade, mas “boa vontade não paga ordenados, como os incentivos não resolvem os problemas”, diz, para defender que o governo inclua no orçamento retificativo ou suplementar em estudo uma antecipação de medidas de apoio para julho/agosto – que deverá receber mais tarde de fundos europeus. “Deve ainda insistir com Bruxelas para que intervenha no mercado e atue nos preços, travando as quebra verificadas”, afirma Oliveira e Sousa, de forma a salvar o setor agrícola, essencial no futuro. “É a agricultura que alimenta a população e a máquina agrícola de se manter ativa.”
Para dia 8 de junho está já agendado novo webinar promovido pela CAP, desta vez com a eurodeputada Elisa Ferreira em destaque para olhar para a coesão territorial e como evitar o abandono.
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