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Formado em Gestão na Católica, com um master em Business Administration e especialização em Hotelaria, Pedro Capitão juntou-se à Sonae em 2000, tendo entrado para o turismo em 2010. É há oito anos CEO para a área de hospitality e acaba de inaugurar o The Editory Riverside Hotel, que veio dar nova vida a Santa Apolónia, em Lisboa.
O novo hotel Sonae abriu segunda-feira. Tem muitas reservas?
Não temos ainda muitas, estamos a constituir a carteira, porque só abrimos há dias e em simultâneo estamos a viver estes dois meses de quase ausência de movimento devido à covid. É um período particular. Ainda assim, temos expectativas de recuperação relativamente rápida após estes meses, e em função das metas definidas para o ano, com a recuperação de 70% do tráfego aéreo em relação ao de 2019.
No primeiro ano de pandemia, a faturação do grupo caiu 60%. Como foi o último ano?
Fizemos 15,5 milhões de euros de volume de negócios, mais 40% do que em 2020 – mas é pouco. Foi mais procura nacional e conseguimos, nas cidades, no Porto, ter uma operação relativamente estável.
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E para este ano prevê já alguma recuperação? O anunciado alívio às restrições para quem chega a Portugal, ajuda?
Estou convencido que sim. Tudo o que não complique – há sempre incerteza sobre exigências nos aeroportos, etc. – contribuirá para aumentar tráfego.
E qual é a vossa expectativa para este ano?
Tendo em conta as perspetivas, prevemos recuperar 70% do tráfego de 2019 neste ano. Em 2021 ficámos nos 50%, por isso é um crescimento interessante, que já dará para uma rentabilidade positiva.
Sendo hotéis de cidade, os clientes são sobretudo estrangeiros, mas em pandemia conquistou turistas portugueses?
Por norma, dois terços dos turistas do país são internacionais e o grupo não foge a isso. Nas cidades até talvez seja mais intenso: no Porto, a nossa experiência anda pelos 85%. Mas é verdade que o turismo nacional compensou parte da quebra nestes dois anos – o internacional está a um terço do que era e o nacional nos 80%, por isso ajudou. Estamos de forma positiva dependentes do mercado europeu.
No ano passado, o grupo apontava a recuperação a níveis de 2019 para 2024 e tinha planeado aberturas, prevendo chegar a 12 hotéis em Portugal. Esta nova vaga que veio no outono teve efeitos nos investimentos e calendário?
Não, por um conjunto de coincidências: por um lado tivemos parte da operação fechada no ano passado e estamos agora em abertura faseada, incluindo dois novos hotéis – Editory em Lisboa e Boulevard no Porto – até abril; as operações sazonais voltam entre abril e junho;… por isso o impacto no primeiro trimestre não foi brutal e nem na renovação prevista em Troia houve necessidade de alterar objetivos. Espero que não venha a ser. Hoje a nossa carteira de reservas estará no dobro do que tínhamos por esta altura no ano passado e isso é um sinal positivo de crescimento relevante.
Que permite ser mais otimista na recuperação?
Isso não. Baseando-me nos estudos de tráfego, a recuperação será em 2023/2024, como o plano para reativar o turismo. Poderemos – e certamente vamos – ter uma recuperação diferente nos negócios e no lazer, nas cidades e no sol e praia, mas o efeito combinado será para 2024.
E tiveram dificuldades no recrutamento para os novos hotéis?
A falta de mão-de-obra é uma realidade dos últimos três ou quatro anos, que vimos sentindo com intensidade e todos os anos, até porque temos equipas sazonais. Mas conseguimos a equipa do Riverside nos timings planeados. O mercado está mais esticado, é mais difícil recrutar, há pressão nos custos…
Tiveram de pagar mais?
Dentro do que tínhamos previsto – mercado por mercado, Lisboa é uma cidade mais cara, mas ficou no orçamento. E é positivo termos conseguido fazê-lo dentro do prazo. E precisamos ainda de recrutar 300 pessoas neste ano.
300 pessoas a mais?
Sim, posições definitivas para novas aberturas, para reconstituir equipas nas que vamos reabrir e posições sazonais em Troia e Algarve.
E estão a fazer algum esforço especial para atrair pessoas?
O fator remuneração, certamente, conta, mas também a formação e antecipar a contratação. Depois há aspetos de remuneração emocional que nos preocupam e temos de trabalhar sobre essas realidades.
Portugal continua a ser o centro da aposta do grupo?
Exclusivamente mercado nacional. Temos sete unidades, três em pipeline, no Porto e Algarve, e a ambição de mais duas até 2026, sempre a criar massa crítica em Portugal.
Temos um PRR para aplicar e um volume generoso de fundos europeus que são uma oportunidade. Mas a inflação e o fim dos apoios geram receios para países com uma dívida enorme, como a nossa. Em que é que temos de focar-nos agora que a maioria absoluta trouxe nova estabilidade?
A inflação é de facto um risco, sobretudo pelo impacto no custo do financiamento do Estado e na meta incontornável de médio prazo da redução de dívida pública para um patamar confortável, abaixo dos 100% do PIB. Mas também há as empresas. Nos últimos dois anos, particularmente neste setor, pelos défices de exploração, gerou-se mais dívida e a situação para quem já vivia dificuldades complica-se com aumento do custo do financiamento. Tendo em conta a estabilidade, devemos perseguir de forma séria o objetivo de reduzir dívida. Sabemos que há temas de aumento do rendimento disponível e estamos todos de acordo que são necessários, mas temos de temperar com a produtividade. Esse aspeto é relevante: que estas duas realidades joguem. O país tem de ter mais competitividade e crescer acima da média europeia – nos últimos anos divergimos no crescimento e a produtividade do país reduziu-se em relação à média. Com estas linhas não é possível. Há muitas frentes onde temos de trabalhar e a tarefa é complexa para estes quatro anos.
Com a bazuca à porta e os fundos para a nova geração digital, a Sonae envolveu-se num consórcio europeu com 47 parceiros de 15 países para criar laboratórios de sustentabilidade. Um projeto avaliado em 25 milhões e que pode transformar a sede da Maia num laboratório de inovação. Como pode este projeto ajudar a área de hotelaria do grupo?
Temos uma visão da necessidade de digitalizar a experiência do cliente, sem tirar o fator humano que é crucial na hotelaria para uma boa experiência; por outro lado, há que trabalhar na eficiência de processos de backoffice, de suporte. Temos trabalhado e identificado oportunidades de melhoria para sermos mais eficientes e um projeto com 2 a 3 milhões para desenvolver nos próximos dois anos nesse âmbito.
O PRR aposta muito na ferrovia. É fundamental para o país se desenvolver e captar mais turistas?
A ferrovia nunca conseguirá competir com o avião na longa distância. Eu gosto de usar o comboio no Porto-Lisboa, faço-o com frequência, mas poderemos talvez ir até Madrid, fazer as ligações a Espanha, não mais. Mas há objetivos interessantes de transição climática, a eletrificação da rede contribui para isso e traz integração do ponto de vista logístico, ligação a infraestruturas portuárias e aeroportuárias… tudo isso me parece mais benéfico.
O grupo está a apostar na transição energética, por exemplo com autogeração?
Temos projetos em curso e tudo o que envolva redução da fatura energética é para nos uma prioridade. O custo da energia é hoje três ou quatro vezes maior do que há 6 meses e isto é incomportável para a sustentabilidade a longo prazo. E não se vê tendências capazes de o voltar a baixar. A única forma de compensar é apostar na eficiência energética: substituição de equipamentos, instalação de painéis fotovoltaicos, etc. Estamos a avaliar a transformação ativo a ativo. Naturalmente, ativos mais pequenos não serão tão problemáticos, mas um Porto Palácio ou Troia, sim.
Teme que a TAP, mais pequena e mais magra, possa prejudicar-nos enquanto destino turístico?
Espero que não… É uma boa pergunta. A TAP tem uma quota de mercado significativa em Lisboa, em torno dos 50%, e de 20% no Porto (com redução a metade na pandemia, mas que pode ser circunstancial), de 30% na Madeira dos, mas no Algarve tem 6%… Por outro lado, 60% dos passageiros da TAP passam mas não ficam em Lisboa, por isso o impacto poderá ser limitado. O ativo interessante da TAP que toda a gente cobiça são os slots.
Que vão reduzir-se…
Exato, mas creio que qualquer companhia quererá ocupar esse lugar.
Será então pior para a TAP do que para o turismo?
Provavelmente.
E o atraso na decisão sobre o novo aeroporto de Lisboa?
Estes dois anos ajudaram a comprar tempo, na medida em que o aeroporto tinha 30 milhões de passageiros em 2019 e passou a 9 milhões em 2020, mas três ou quatro anos ganhos não chegarão para desenvolver um projeto desta dimensão, com a agravante de não ter sequer a decisão tomada.
Os destinos de praia têm conseguido captar turistas domésticos, além dos estrangeiros, mas os de cidade sofreram especialmente com a pandemia – e mantêm-se muitas restrições nas discotecas, na oferta cultural, nos eventos… Devíamos aliviar restrições e investir na cultura para captar mais turistas, até nacionais?
Sim, naturalmente. Hoje a exigência já se encurtou para entrar num hotel, mas em função do que vemos nestes dois meses na pandemia – menos gravidade e internamentos, apesar da explosão de casos – todos os especialistas o apontam. Devia apostar-se na cultura e particularmente para clientes nacionais.
Os níveis de turismo deste ano vão obrigar a manter apoios?
Há apoios que já não fazem sentido – o layoff terminou em setembro e se as operações estiverem em continuidade não fará sentido. Preocupa-me porém o tema da capitalização. Em função do endividamento pré-pandemia, agravado nestes dois anos, com o fim de moratórias e provavelmente mais dois de arranque até gerar cash flow positivo nas operações, torna-se importante alguma atenção a esse nível.
Tem-se debatido por estes dias a ideia de testar a semana de quatro dias de trabalho. Faz sentido ter este debate em Portugal, quando temos uma crónica falta de pessoas – que tende a piorar com a crise demográfica?
O timing é totalmente errado. Acredito que seja uma tendência de médio-longo prazo, todos queremos trabalhar menos. Mas a combinação de menos tempo e mesma recuperação criará uma pressão no custo salarial que se adiciona ao crescimento do SMN e do salário médio para as empresas… Quando faltam 15 mil pessoas na hotelaria, 70 mil na construção, etc. e temos este aspeto demográfico, não sei onde vamos buscar as pessoas necessárias se se reduzir em 20% o trabalho.
Seria melhor que procurássemos formas de dar impulso ao crescimento e à produtividade?
Claro! Com menos impostos para as empresas, criando condições de investimento e inovação, subindo o rendimento disponível das famílias e gerando condições de competitividade para indústrias. E é muito relevante a incorporação de valor nacional no investimento que se vai fazer no PRR. Porque comprar painéis fora para vender dentro, só isso não faz sentido. O PRR pode ser uma grande oportunidade; que não seja uma oportunidade perdida.
E pode o PRR dificultar mais esta questão dos recursos humanos, aumentando a competição?
Admito que sim. O país tem excelentes condições para atrair talento e mão-de-obra mais ou menos qualificada… não sei porque não abrimos as fronteiras. Somos um país e um povo aberto ao mundo e não vejo dificuldades nisso.
Qual é para si a prioridade absoluta para recuperar Portugal?
A meta de médio e longo prazo de redução da dívida pública. É a ameaça permanente que teremos sem um ritmo de crescimento sustentado acima da média europeia, em torno de 3% a 5%, recuperando os níveis pré-pandemia. Vemos países da dimensão do nosso a crescer de forma muito mais significativa. A prioridade é crescer e garantir a sustentabilidade das finanças públicas para não deixar uma herança desagradável às gerações futuras.
E o maior risco que se enfrenta?
O custo do financiamento. E também há riscos geoestratégicos, com a guerra de palavras sobre Ucrânia e o conflito NATO-Rússia a ameaçar o próprio modo de vida atual. Depois, há o risco energético: estamos a forçar a luta contra as alterações climáticas e é um desígnio que temos no médio prazo, mas os efeitos no curto prazo preocupam-me.
Seria importante apostar por exemplo no lítio com a mais-valia de o transformar aqui, além de explorar?
A fazer-se a exploração, pelo menos que se incorpore o mais possível o valor nacional. É preciso criar valor dentro de portas e ter elevada exposição a exportações. Só assim se consegue criar riqueza.
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