//Pedrógão Grande: um retrato das comunicações no interior do país

Pedrógão Grande: um retrato das comunicações no interior do país

Acompanhámos a Anacom numa visita ao concelho mais fustigado pelos incêndios de 2017. Uma em cada 18 chamadas falha e só a fibra da Altice vinga. Região reflete assimetrias do território interior de Portugal.

Pouco passava depois das 10h30 de dia 11, uma quinta-feira, quando o Dinheiro Vivo (DV) se encontrou com o presidente da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), João Cadete de Matos, na nova sede da entidade. O edifício na Ramalho Ortigão, em Lisboa, foi ponto de encontro antes de partirmos rumo a Pedrógão Grande, onde o regulador apresentou um estudo sobre o desempenho e qualidade dos serviços móveis e cobertura de rede na região.

Cadete de Matos fazia-se acompanhar por Manuel Cabugueira, o mais recente vogal nomeado para o conselho de administração do regulador, por Vítor Rabuge, diretor-geral de supervisão, e por Ilda Matos, responsável pela comunicação da Anacom. De Lisboa ao concelho pedroguense foram pouco mais de duas horas de carro. Ao longo da viagem – que decorreu um dia depois dos líderes da Altice Portugal, da NOS e da Vodafone Portugal terem apelado a que a próxima liderança da Anacom seja mais dialogante, no congresso das comunicações da APDC – o gravador permaneceu desligado. O regulador ainda não estava a par de tudo que fora dito.

Pedrógão Grande fica no distrito de Leiria, mas, sendo uma região limítrofe ao distrito de Castelo Branco, a vida no concelho, que tem cerca de 3400 habitantes, está mais marcada pela interioridade do país do que pelo quotidiano urbano do litoral. A avaliação da Anacom à qualidade das telecomunicações na região foi pedida pela câmara.

Chegados à sede do concelho, a comitiva da Anacom e a equipa do DV são recebidas pelo presidente da Câmara, António Lopes (PSD), e pelo primeiro secretário da Assembleia Municipal de Pedrógão Grande, Luís Filipe Antunes. Ao ouvir os dois eleitos municipais, depreende-se a necessidade do diagnóstico às comunicações. “Temos tido uma grande procura por estrangeiros que querem viver cá”, contou o chefe do executivo camarário ao presidente da Anacom. De seguida Luís Filipe Antunes disse que não só a avaliação pedida “tem um significado especial”, tendo em conta os efeitos dos trágicos incêndios de 2017, como é útil face à falta de alternativas à rede de fibra ótica da Altice na região. “Se quiser trocar [de operador] ou se procurarem aumentar preços, pouco posso fazer”, referiu.

De acordo com João Cadete de Matos, a presença da Anacom no terreno, visitando as autarquias, tem utilidade para falar, precisamente, daquele tipo de preocupações. Pedrógão Grande foi o 67.º concelho que o regulador avaliou em três anos. O primeiro estudo foi apresentado em julho de 2020 e focou-se nas comunicações na zona de Porto de Mós, também no distrito de Leiria, mas numa área mais perto do litoral.

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Uma em cada 18 chamadas falha

A apresentação do estudo foi responsabilidade de Vítor Rabuge. Perante uma audiência de cerca de 20 pessoas, na Casa Municipal da Cultura de Pedrógão Grande, o diretor-geral de supervisão da Anacom começou por esclarecer que o resultado do estudo parte de uma amostra de 987 chamadas de voz, 961 sessões de dados e 79 770 registos de sinal de rádio, efetuados entre os dias 8 e 9 de fevereiro, tendo sido utilizado um sistema “desenvolvido pela Anacom, pensado para este objetivo concreto”. Para testar os serviços móveis e a rede, os técnicos recorreram a nove telemóveis: três comunicam com outros três e os restantes são utilizados para testar a rede. Foram percorridos mais de 300 quilómetros nas estradas municipais e nacionais do concelho para o estudo.

Conclusões? Exceto a NOS (95,4%), verificou-se sinal de rede da Meo e da Vodafone em mais de 99% das medições. A Vodafone ganhou à Meo em algumas décimas nas medições e, por isso, o operador liderado por Luís Lopes tem a melhor cobertura de rede. Já a NOS tem a cobertura “mais deficiente”, segundo o estudo.

Contudo, “ter rede não significa, necessariamente, ter um bom serviço de voz e bom serviço de dados”, de acordo com o diretor-geral de supervisão, que indicou que as “zonas mais dramáticas localizam-se nos extremos do concelho”. Em 36,7% dos casos, a qualidade da rede da Meo (Altice) obteve a classificação de “inexistente”, “muito má” ou “má”. Para a NOS isso verificou-se em 45,9% dos testes e no caso da Vodafone essas classificações foram registadas em 23,8% das situações.

No serviço de voz, mesmo assim, foram estabelecidas chamadas com sucesso em 99,4% dos casos para a rede Meo, em 98,3% dos testes para a rede NOS e em 99,4% das situações para a rede Vodafone. O rácio de terminação bem-sucedida de chamadas – ou seja, as que se concretizaram e se concluíram com sucesso – foi de 98,2% para a Meo, 95,1% para a NOS e de 97,9% para a Vodafone.

Os resultados para o serviço de voz são “relativamente satisfatórios” para a Anacom. Porquê? “Se juntarmos todas as chamadas feitas, uma em cada 18 falha. É a realidade, e significa que 5,5% das chamadas falharam, entre tentativas que nem se concretizaram e tentativas em que a chamada começa mas cai”, explicou Vítor Rabuge, no auditório da Casa Municipal da Cultura de Pedrógão Grande.

De acordo com o diretor-geral de supervisão, se houvesse hoje acordos de roaming nacional entre os operadores, o cenário poderia ser melhor.

“Não existe a possibilidade de um cliente, por exemplo, da Meo ligar-se a antenas da NOS ou da Vodafone. Se tivéssemos roaming nacional, passaríamos a ter uma cobertura agregada aceitável em 86,7% do concelho. Isto é, no pior caso, que é o da NOS, que só tem uma cobertura aceitável em 54,1%, o roaming nacional faria com que em seis dos nove locais onde a NOS não tinha cobertura aceitável passaria a ter”, afirmou. Isto é um cenário hipotético, mas o responsável realçou que se verificou uma “correspondência entre os níveis de menor qualidade e o fenómeno onde as chamadas mais falharam”.

Quanto aos serviços de dados, o estudo da Anacom diagnosticou “muitos testes não concluídos e baixas velocidades”. Ou seja, “identificaram-se falhas em zonas com pior nível de sinal [de rede], promovendo baixas velocidades de transferência de dados”.

Segundo o estudo, as velocidades médias de transferência de dados em download e upload foram, respetivamente, 17 e 4 megabits por segundo (Mbps) na Meo, 12 e 3 Mbps na NOS e 8 e 5 Mbps na Vodafone. Os técnicos do regulador verificaram uma grande variação dos valores, “fortemente dependente dos locais onde foram realizados os testes”, sendo que, relativamente ao tempo de resposta (latência), observaram-se valores inferiores a 60 milissegundos (ms) em 89,8% dos testes na rede Meo, em 75,9% dos testes à NOS, e em 94,4% dos testes à Vodafone.

“Défice muito elevado de redes de alta velocidade”

Diagnóstico feito, Vítor Rabuge passou a palavra a Ilda Matos, responsável da comunicação do regulador, que, numa segunda parte da sessão, interveio para informar que os problemas detetados com as telecomunicações em Pedrógão Grande estão relacionados com uma elevada percentagem de áreas sem qualquer cobertura de rede, vulgo zonas brancas, em diferentes pontos do concelho.

As zonas brancas são áreas do território onde não existe cobertura de rede alta velocidade, como fibra ótica, ou a cobertura que há é inferior a 10% dos alojamentos existentes e em que existe apenas um operador. Ora, o governo tem um plano para levar fibra ótica às regiões onde os operadores privados não investiram nessa matéria.

A responsável reiterou que a Anacom tem coadjuvado o governo nessa matéria, para ser possível levar internet de banda larga fixa “a todos os alojamentos [de Portugal, sobretudo no interior] num horizonte de três anos”. “No primeiro ano, pretende-se a cobertura de 50% dos alojamentos seja conseguida. Esse valor deverá subir depois para 80%, no final do segundo ano, e, no final do terceiro ano, a totalidade dos alojamentos devem estar cobertos por redes de muito alta capacidade”, disse.

Esse plano aguarda a aprovação da Comissão Europeia para começar, visto que falta ter o luz verde quanto à utilização de fundos europeus. Levar fibra ótica onde os operadores não levam representa um investimento global de 300 milhões de euros – os fundos representam metade do valor, segundo o o governo confirmou ao DV em abril.

De acordo com o levantamento feito pelo supervisor das comunicações, a pedido do governo, no total, foram identificadas 37 173 subsecções estatísticas como áreas brancas em 1 837 freguesias de 283 concelhos de Portugal. Quer isto dizer que há no país cerca de 455 mil edifícios que não têm cobertura de fibra ótica e cerca de 474 mil alojamentos e edifícios relativos a indústria, comércio e instalações agrícolas.

No caso da região pedroguense, há 1031 casas que “carecem de cobertura de fibra ótica, uma situação que poderá ser corrigida no futuro”, de acordo com a responsável da Anacom. Daquele total, 526 localizam-se na freguesia de Pedrógão Grande, 486 na freguesia de Graça e outros 20 na freguesia de Vila Facaia.

Esta é uma “situação que poderá ser corrigida”, sendo o acesso à fibra ótica um “fator importantissimo da coesão social, economica e territorial” e de “valorização do interior”. “Não existindo internet é mais difícil reter populações, atrair e fixar pessoas, captar investimento e empresas” e o país tem “um défice muito elevado de redes de alta velocidade, sobretudo nas regiões do interior e do sul que têm “uma mancha branca muitíssimo elevada”.

Neste sentido, Ilda Matos afirmou mesmo que Pedrógão Grande “é um bocadinho o retrato do que existe no resto do país – algumas áreas cobertas por rede de fibra ótica e grandes manchas brancas, o que significa que existe uma lacuna neste território”.

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Cadete de Matos sugere que se exijam respostas às autoridades

Feita a apresentação do estudo, e antes de tomar a palavra, o presidente da Anacom quis ouvir os munícipes. Foram apresentadas algumas queixas, desde a inexistência de roaming nacional – houve quem admitisse desconhecer o conceito e ficasse incrédulo por não haver acordos entre operadores, considerando a ineficiência do serviço móvel na regiã. Houve quem questionasse pelo SIRESP, mas o tema mais premente foi a falta de fibra ótica na região.

“Onde não há [rede e fibra], não há, e onde há não dá para ligar”, queixou-se o presidente da junta de freguesia da Graça, Custódio Rosa.

João Cadete de Matos, presidente da Anacom, cujo mandato termina em agosto deste ano, começou por responder: “Não podemos ficar satisfeitos em dizer que grande parte da população tem cobertura de rede móvel ou acesso à internet”. Lembrando, que cobertura de população é diferente de cobertura do território, o regulador garantiu: “Enquanto houver portugueses e populações que não têm acesso à rede móvel e à internet temos que trabalhar para corrigir essa situação”.

Por isso, sugeriu aos autarcas presentes e a quem assistia que “exijam às autoridades que cumpram as suas missões”, inlcuindo a Anacom.

Sobre o SIRESP, que hoje está nas mãos do Estado e cujos serviços são assegurados pela Motorola, NOS, OMTEL, No Limits, Moreme e Altice Labs, Cadete de Matos lembrou que o concelho de Pedrógão Grande “foi martirizado pelos incêndios de 2017, que deixaram meio milhão de pessoas da zona centro sem comunicações”. Por isso, afirmou que as comunicações “não deviam falhar em situações de emergência”.

Defendeu que o país se atrasou “bastante” a tomar decisões recentes para capacitar o SIRESP “de meios, recursos e autonomia”. “Se há área que o Estado não pode demitir-se é esta área da segurança e da proteção civil”, salientou.

Relativamente ao roaming nacional, reiterou que, por determinação das regras do leilão do 5G, há acordos que estão a ser negociados. Mas ainda não são uma realidade, ao contrário do que “ocorre já em 60% dos países da União Europeia”.

“Vemos tanta publicidade nas televisões ao 5G, que ficamos surpreendidos que parte do país ainda está no 2G. Verificámos no concelho de Pedrógão Grande que, mesmo conjugando as antenas dos três operadores, a percentagem de cobertura aceitável é inferior a 90%, o que significa que 10% nem para o 112 consegue ligar”, realçou.

A “urgência” da fibra ótica e a alternativa que é o satélite

Nesse sentido, e perante as conclusões do estudo, referiu que Portugal é “um país com grandes contrastes”, notando que o diagnóstico seria ainda “muito pior” se a avaliação incluísse as comunicações indoor (dentro das habitações). “Aí Portugal precisa de fazer um esforço grande de melhoria da conectividade dentro das casas, porque comparamos mal em termos internacionais. Mesmo nos meios urbanos, Portugal está mal servido nas comunicações móveis dentro das habitações”, disse.

Foi nesse argumentou ser “urgente” o tema da fibra ótica. Pedrógão Grande – e grande parte da região centro do país – é uma “zona de intervenção” da Fibroglobal (detida pelo grupo Altice) que, segundo o regulador “ganhou fundos europeus para ter uma rede que fosse utilizada pela Meo, pela NOS e pela Vodafone, mas que só é utilizada pela Meo num total desvirtuar das regras europeias”. Segundo Cadete de Matos, na zona norte e zona sul o cenário é diferente, porque “uma outra empresa, a DST Telecom, teve um comportamento distinto”.

“Isto quer dizer que alguém que vive em Vinhais pode negociar com quatro empresas, mas em Pedrógão Grande só têm uma empresa para bater à porta”, criticou.

Cadete de Matos lembrou, por isso, a decisão da autoridade em impor à dona da Meo o acesso à sua rede de fibra ótica em 612 freguesias”, incluindo na região de Pedrógão Grande. A medida ainda está em consulta pública, mas mereceu o elogio do presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande

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“Há no país falhas de mercado – situações em que as empresas que estão no mercado não resolvem o problema. Não resolvem porque acham que não é rentável investir nestas zonas, entendem que não há um número de clientes que justifique estar a levar fibra ótica ou colocar antenas porque não se justifica o investimento. É claro que esta falha tem a ver com a capacidade de investimento destas empresas, que poderão não ter os fundos necessários. Este argumento vale o que vale. Em Portugal, como na generalidade dos países do mundo, estamos a falar de um setor [das telecomunicações] altamente rentável. O facto de haver 17 milhões de cartões SIM [cartões que se introduzem no telemóvel para ter acesso à rede do operador] em Portugal… É fácil de fazer as contas para ver o que cada cartão pode dar de rendimento. A prova de que [o setor] é rentável é que no leilão do 5G tivemos uma grande procura de espetro. Esse leilão rendeu 567 milhões ao Estado – não porque nenhuma das empresas fosse benemérita – mas porque viram uma oportunidade de negócio”, argumentou.

Sessão concluída. Antes de dar por terminada a visita e regressar à capital, os responsáveis da Anacom fizeram uma demonstração de um serviço via satélite. Neste caso, a Anacom mostrou como funciona a rede da Starlink, de Elon Musk, fornecida graças a constelações de satélites de baixa órbita que permitem uma transmissão de sinal. Este tipo de serviço é diferente do serviço satélite que os operadores históricos fornecem, pois esse serviço tem por base satélites geoestacionários. De acordo com Cadete de Matos, serviços como o Starlink podem ser uma alternativa nas regiões onde a cobertura de rede e a qualidade dos serviços móveis, bem como o acesso à fibra ótica, são deficitários. “Na Ucrânia, o acesso às comunicações está a mantido graças a este tipo de solução”, argumentou. Em Portugal, ainda só está disponível a rede do Starlink, mas antevê-se a entrada no mercado nacional da One Web e do Kuiper, da Amazon, possivelmente em 2024. Também a União Europeia pretende lançar o IRIS em 2027.

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