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As quase 38 mil empresas criadas em 2020 não têm direito a qualquer apoio do Estado no âmbito da pandemia, visto que não têm histórico de comparação de quebra. A situação foi denunciada pela Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), que fala em “situações inconcebíveis” e pede medidas contra a discriminação.
“São empresas que não têm histórico, mas houve todo um investimento e um esforço dos empresários que deveria ser apoiado”, defende o presidente da CPPME. Jorge Pisco não tem dúvidas que há muitas a viverem “situações dramáticas”, já que, “de repente, se veem confrontadas com uma série de custos, como as rendas, os juros, os empréstimos bancários, entre outros, mas sem qualquer apoio”.
A confederação admite não dispor dos dados exatos, mas não tem dúvidas que se trata de um universo vasto. “Basta ter em conta os últimos números avançados pelo senhor ministro da Economia, quando anunciou as últimas medidas do Apoiar, quando disse esperar 40 mil candidaturas ao novo concurso do programa. Só micro empresas em Portugal temos 1,2 milhões”, diz Jorge Pisco.
Para o responsável, a “enorme burocracia” associada a estes programas é uma das principais razões que ajudam a explicar a pouca adesão das micro e pequenas empresas às medidas. “Toda a regulamentação tem sido uma imensa confusão. Só os três avisos que saíram na sexta-feira destes apoios têm 16 páginas cada um, é intragável do ponto de vista da leitura, não há empresário que consiga fazer a tradução daquilo, nem as microempresas têm estrutura de recursos humanos ou jurídica para esse fim. Acabam por se suportar nos contabilistas certificados, que têm sido o braço direito, a muleta, e tudo e mais alguma coisa”, diz. Jorge Pisco garante que os empresários estão “desacreditados e desmotivados” e que a situação, mais tarde ou mais cedo, vai levar a “milhares” de falências e de desempregados. “Somos dos países que menos apoios tem dado. E o que vai acontecer é que os apoios que o Governo não dá agora vai ser obrigado, depois, a dar através da Segurança Social, suportando o crescimento do desemprego”, defende Jorge Pisco.
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Revisão das medidas
Sobre os números de novas empresas, os dados da Informa DB mostram que, em 2020, nasceram 37 959 entidades. Serão, pelo menos, estas as que estão arredadas das medidas. Mas há, também, empresas criadas em 2019 – nasceram 49 529 no total – que não terão começado logo a laborar e, portanto, têm um histórico curto para as contas de extrapolação para cálculos dos apoios, ou até que só terão começado a funcionar em 2020 (ver texto secundário).
A CPPME critica ainda o facto de muitos negócios economicamente circundantes das atividades que, por decreto, foram obrigadas a encerrar terem deixado de ter a quem fornecer os seus produtos ou serviços, mas como o seu CAE não consta nos que o Governo elencou como elegíveis para o programa Apoiar não têm direito a apoio. É o caso das entidades que fornecem materiais didáticos para as escolas de condução. A confederação reclama a “rápida reformulação” dos programas para “eliminar as exclusões e distorções” verificadas, bem como que o lay-off simplificado seja “mais abrangente”, de modo a admitir a sua extensão às empresas que encerrem atividade, sem a limitação dos atuais CAE em vigor.
Filipa Oliveira é uma das jovens empresárias que sofre com a falta de turismo no país e que não poupa críticas à estratégia do Governo no que aos apoios à covid diz respeito. “Numa fase inicial, o que o Governo aprovou foram linhas de crédito, ora créditos não são apoios e é surreal que se abra a porta a mais endividamento”, refere. Por outro lado, aponta a questão burocrática já destacada pela própria CPPME: “Os novos diplomas sobre os apoios anunciados há pouco mais de 10 dias, ainda estamos a descodifica-los com a nossa contabilidade”, frisa.
Filipa Oliveira fundou, em 2013, a Alfacinha Lx, empresa de visitas culturais e eventos que contava com 15 fornecedores, entre guias, motoristas, etc. Teve uma quebra de vendas de 90%, em 2020, e recebeu os apoios criados para os sócios-gerentes, que foi interrompido e reposto em fevereiro. “Estivemos quatro meses sem rede, mas continuamos a ter todos os custos fixos associados à empresa, como a TSU, o contabilista ou os seguros”, diz.
No seu caso procurou tentar passar alguns dos eventos para o ambiente digital, mas admite que não é fácil. “Uma coisa é certa, o primeiro trimestre já passou e este ano, do ponto de vista económico e financeiro, já está perdido. Se as grandes empresas pedem ajuda ao Estado e vão para Lay-off, imagine como estão as micro, pequenas e médias empresas que afinal até são o maior empregador em Portugal”, lamenta.
Rúben e Joaquim Gonçalves desesperam para obter ajudas
– O encerramento das escolas de condução veio trazer grandes dificuldades a muitos negócios a elas ligadas
Rúben Gonçalves é o exemplo perfeito do jovem empreendedor que criou a sua empresa em 2019, mas que só em 2020 teve condições para começar a operar. Não tem, por isso, histórico de faturação. “O único apoio que tenho é o que foi dado aos sócios-gerentes, a título individual, pela Segurança Social, mas, em termos de empresas, não tive nada e continuo a ter de pagar água e luz, rendas e impostos. É muito difícil”.
Já Rúben Gonçalves criou a Drive In em abril de 2019, com a intenção de abrir uma escola de condução que só começou a funcionar em fevereiro de 2020, no Porto, junto à Faculdade de Farmácia e ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Nem dois meses trabalhou e foi apanhado pelo primeiro confinamento. Recorreu a uma das linhas de crédito de apoio à tesouraria das empresas, então lançadas, com a consciência que se estava a endividar, mas sem alternativa.
Com o avolumar das despesas, acabou por fechar no Porto e transferir-se para Aveiro, onde vive. “O rombo era muito grande e em Aveiro sempre temos rendas mais acessíveis”, diz. Acabou a montar duas escolas, uma em Esgueira e outra em Águeda. As duas escolas “arrancaram bem” e foi esse pé de meia que criou, até ser decretado novo confinamento, que o está a aguentar agora, com as escolas fechadas “e sem saber bem, ainda”, quando poderão reabrir. “Não tive direito ao Apoiar, nem ao Apoiar Rendas, porque não havia histórico de faturação. E o problema é que só sai dinheiro, não entra nenhum, o pé de meia já começa a ficar limitado. Ainda nem sabemos se abrimos a 5 ou a 19”, diz, lamentando que não haja apoios diretos aos pequenos negócios, independentemente da data em que foram criados.
Discriminação
Tal como Rúben, também o seu pai, Joaquim Gonçalves, se debate com a falta de apoios. A Código Supremo dedica-se à distribuição de manuais do ensino da condução. Mas, com as escolas de condução fechadas, a empresa deixou de ter a quem vender. “Estamos há três meses em casa, sem poder vender. Mas, como foi entendido que os livros se podiam vender de outra forma (online), não fomos contemplados com apoios, embora tenhamos de pagar Segurança Social todos os meses e IRC e tudo isso”, diz Joaquim Gonçalves, que explica: “Tive prejuízos de mais de 35% no 3.º trimestre de 2020, mas como recuperei no último, os apoios já nos foram negados”.
O empresário não poupa críticas à decisão de fechar as escolas de condução. “Não aconteceu em mais nenhum país, que sentido é que isso tem? Num carro anda o aluno e o instrutor, num táxi andam 3 ou 4 pessoas, a covid não ataca nos táxis?”.
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