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Muitos lugares icónicos sentem que têm que se modernizar quando na verdade celebrar a tradição e a sua identidade é o que os distingue e a razão pela qual as pessoas os procuram. É o caso do Peter Café Sport, fundado em 1918 por Henrique Azevedo, um apaixonado por desporto nos Açores. Durante a II Guerra Mundial, a Horta era um porto de paz para quem partia para o conflito e o Peter Café Sport tornou-se ponto de referência para todos os que passavam pela Horta.
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Na altura, para poderem vir a terra, era necessário que um médico fosse à embarcação verificar que estavam todos bem. Todavia, numa ilha pequena como o Faial, o número de médicos era reduzido e não havia mãos a medir… Henrique Azevedo e o filho José – mais conhecido por Peter – tornaram-se assim no ponto de ligação entre as embarcações e Terra, visitando os navios, verificando se estavam todos bem e transmitindo a mensagem aos médicos, que então permitiam que viessem a Terra.
Quando, em março de 2020, a pandemia fechou quase todas as marinas aos iatistas, a situação tornou-se desesperante para muitos. Vendo os tripulantes no meio do mar, isolados, com alimentos e água a escassear e sem possibilidade de voltar para trás – visto terem de fugir à época dos furações nas Caraíbas -, o neto de Henrique Azevedo não hesitou em recorrer ao método dos seus antecessores. “Continuar o trabalho do meu pai e do meu avô, fez-me sentir útil”, refere José Henrique Azevedo.
Conhecendo as suas origens, a atividade do Peter”s face à adversidade continuou autêntica, apesar de radicalmente diferente. Desta vez, o Peter”s não era elo de ligação entre médico e tripulações, mas continuava a ser um símbolo de amizade: água, comida, medicamentos e até testes de gravidez foram levados à tripulação de mais de 1500 embarcações ancoradas ao largo do porto da Horta. O passa-palavra fez o resto e em pouco tempo havia pequenos pedaços de papel com o número de telefone do Peter”s a circular nas Caraíbas para as tripulações telefonarem quando chegassem à Horta.
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Honrar a tradição e improvisar o necessário
Foi em março de 2020 que a Organização Mundial de Saúde decretou o surto de covid-19 como pandemia e dois anos depois, já contamos com mais de 334 milhões de casos confirmados e mais de 5,55 milhões de mortes causadas pelo coronavírus. Perante um cenário extremo como este, as empresas podem adotar uma posição mais conservadora e esperar para ver o que vai acontecer – tentando minimizar as perdas – ou improvisar. O conceito de improvisação organizacional foi inspirado no jazz e caracterizado pelo Professor Miguel Pina e Cunha como a definição da ação à medida que os eventos evoluem, por uma organização e/ou pelos seus membros, tendo como base os recursos materiais, cognitivos, afetivos e sociais disponíveis.
Aqueles que optam por improvisar, não podem esperar pelas circunstâncias ideais e têm de enfrentar os desafios propostos, com os recursos disponíveis no momento, o que não significa que a improvisação não seja deliberada ou intencional. Tal como o jazz, a linha melódica mantém-se, a harmonia continua presente, apesar de o músico estar constantemente a fazer escolhas em tempo real, a improvisar. A metáfora do jazz é das mais utilizadas em palestras sobre criatividade, visto tratar-se da criação espontânea de novas combinações ao longo da melodia, sem pôr em causa a harmonia musical.
A pandemia que o mundo atravessa aguçou o sentido de improvisação das organizações, fazendo que algumas adaptassem os seus produtos, criassem novos serviços, ou alterassem os seus processos de trabalho. Existem diferentes níveis e variações de improvisação. O “ponto zero” da improvisação, será aquele em que o plano inicialmente definido é adotado com rigor, seguindo-se situações onde ainda é possível reconhecer o plano base, mas com alterações.
O próximo nível será aquele no qual são introduzidas medidas novas, ainda que relacionadas com o plano base e finalmente chegamos ao ponto máximo, onde são necessárias alterações radicais ao que estava inicialmente planeado, como por exemplo reagir a uma pandemia mundial. Neste sentido, a improvisação não deve ser vista como um substituto do planeamento, mas antes como um complemento, que deve ser acionado em situações de emergência.
Independentemente do nível de improvisação adotado, existe um aspeto que é fundamental e que não pode ser esquecido: a autenticidade. Também na improvisação, a história pode ser fonte de inspiração para a resolução dos problemas. Saber como os nossos antepassados resolveram as crises dos seus tempos pode ajudar-nos a desenvolver soluções criativas para problemas atuais. A memória organizacional influencia coerência, originalidade e rapidez da resposta.
Conhecer a sua história, bem como um forte espírito de missão que não se alterou nos últimos 100 anos, permitiu ao Peter”s, através de um processo de improvisação organizacional, enriquecer a sua história com mais autenticidade.
PhD Candidate & teaching assistant Nova SBE
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