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Nas torres de 18 pisos onde há duas décadas o histórico hotel Penta se fez Marriott, com entradas e saídas constantes de tripulações das maiores companhias aéreas do mundo, congressos de farmacêuticas, passagens de homens de negócios e altas figuras do Estado que ali se juntavam para gizar estratégias e acordos à mesa de almoço, nunca houve espaço para desperdícios e o planeamento era feito ao detalhe nas reuniões semanais em que se adaptava o serviço à ocupação esperada.
Com mais de 80% dos quase 600 quartos que dele fazem o maior hotel de Portugal ocupados na maior parte do ano, e uma estada média de um dia e meio por hóspede, a estrutura funcionava como um relógio suíço. Se um relógio suíço tivesse lavandarias a trabalhar 24 horas por dia, servisse mais de mil pequenos-almoços por manhã e trabalhasse com toneladas de encomendas para garantir o serviço premium esperado por clientes que há anos escolhiam aquele hotel para acolhê-los nas passagens por Lisboa, para receber festas e casamentos, para organizar reuniões, conferências e colóquios numa das 18 salas que se estendem por 2 mil metros quadrados.
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Elmar Derkitsch – diretor geral do hotel Lisboa Marriott.
© Paulo Alexandrino/Global Imagens
Em abril de 2020, o tempo ficou suspenso, as torres silenciaram-se. E quando, três meses depois, o hotel saiu desse coma, parecia que tudo se movia em câmara lenta. É esse ainda o sentimento que perpassa nas conversas com quem tem a vida cosida ao Marriott Lisboa. A par da carolice que faz cada um deles andar para a frente, empurrados pela certeza de que o pior ficou para trás. “São momentos difíceis mas também desafiantes e que nos dão uma experiência diferente. Tivemos de aprender a viver com isto, de adaptar-nos, fizemos muitas coisas e algumas são boas mesmo sem pandemia e vão ficar nos nossos hábitos”, diz Elmar Derkitsch, o dinamarquês que há sete anos lidera as tropas do hotel.
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Em passo acelerado, vai apontando a sinalética que organiza as áreas comuns, as medidas de segurança exigidas em tempos de covid – não é possível dar mais de dez passos sem encontrar um dispensador de álcoolgel e todos mudam de máscara a cada quatro horas ou menos – e as inovações introduzidas no Marriott Lisboa para que os clientes e também os trabalhadores sintam que estão de facto seguros naquele espaço. Como as máquinas de desinfeção de canetas e telemóveis, à disposição de quem as queira usar, os mecanismos touchless para abrir portas para o exterior, ou os cubos de acrílico do lado de cá das proteções instaladas nos balcões da receção, onde os cartões-chave de entrada nos quartos são depositados para quarentena de sete dias antes de serem limpos e recodificados para voltarem a ser usados.
Pelo lobby onde antes enxameavam hóspedes entre a receção e o bar, passam por nós dois clientes solitários para pedir assistência na sala de conferências onde está reunida uma dezena de participantes de um encontro de treinadores de futebol. Em breve passará por ali a equipa de limpezas que, agora a cada hora e meia, corre todos os espaços públicos. Os sofás onde antes se fechavam negócios e acordos políticos foram-se, à espera de poderem voltar a áreas bem recheadas – resta apenas um terço das mesas que servem o bar. DGS oblige.
Mas mesmo com uma torre fechada há um ano, metade dos trabalhadores ainda em lay-off, e os 18 pisos desta a meio gás, há sinais de alguma recuperação. E é essa energia que move Elmar e a sua equipa.
Novas rotinas, mais limpeza
Construção dos anos 70, inaugurado como Penta a 15 de maio de 1975, de um projeto assinado pelo arquiteto e pintor Frederico Henrique George, passou para a gestão do grupo Marriott (o maior do mundo, com 7 mil hotéis de 30 marcas, incluindo Ritz-Carlton, Sheraton e Meridien) a 1 de outubro de 1999, na sequência do acordo assinado com a dona da unidade, Soteis, do iraquiano Fares Albaker. Com os seus 577 quartos, incluindo 12 suítes e uma suíte presidencial, é o maior do país, quase paredes-meias com a Universidade Católica e o Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
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António Alexandre, chef executivo do hotel Lisboa Marriott.
© Paulo Alexandrino/Global Imagens
Conhecer os bastidores de um hotel desta dimensão é privilégio raro. Pela frente abrem-se corredores largos, fruto da época de edificação, traço que se alarga às imensas cozinhas – quentes, frios, pastelaria, copa -, onde o chef António Alexandre se azafama com metade da sua habitual legião de 32 pessoas. Nem por isso tem menos trabalho – é apenas diferente. “Trabalhamos durante 18 horas, divididos por turnos, para responder aos clientes que temos e com ainda mais cuidados do que era habitual. O clean as you go tornou-se muito mais frequente, ninguém deixa uma bancada sem a desinfetar e levámos essas regras também para os nossos refeitórios. E não sendo obrigatório, usamos máscara mesmo no bloco quente”, conta, trocada a supervisão da pastelaria onde se enfeitam brownies com precisão para virar as costeletas de borrego que se adivinham deliciosas a libertar sucos sobre as chamas da grelha.
Move-se com a calma de quem conhece a casa há 11 anos e os processos há mais duas décadas. E se a adaptação à pandemia lhe trouxe desafios, lida com eles como com uma peça de carne que lhe chega às mãos para desmontar, com a perícia e a prática de quem está certo de que não há impossíveis e nada dura para sempre.
Gerir encomendas e equipas ao momento
O pequeno-almoço, que agora exige marcação, a cada dez minutos para evitar filas – o buffet levado ao prato pelos seis funcionários destacados para manusear omeletas feitas ao momento, carnes frias, queijos, pães e bolos -, acabou de ser servido e as mesas interiores e da esplanada à beira da piscina, dispostas em círculos marcados na relva para assegurar as regras de distanciamento, são montadas para os almoços. O que, nos tempos que correm, significa desinfetar, limpar, higienizar, sob o olhar atento da águia Gama, que repousa no braço do treinador, Diogo, à espera de entrar em ação para afugentar os pombos.
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Thiago Murcia, diretor de food and beverage do hotel Lisboa Marriott.
© Paulo Alexandrino/Global Imagens
Planear, sem saber muito bem o que esperar, é agora uma das tarefas mais importantes no hotel. “É quase impossível prever do que vamos precisar quando lidamos com números baixos relativamente aos que tínhamos e sobretudo com esta instabilidade”, diz Thiago Murcia, que há 12 anos saiu do Rio de Janeiro para se intrincar nos corredores do food and beverage (F&B) da hotelaria, há um terço desse tempo no Marriott Lisboa. Tem uma equipa de 60 funcionários para gerir, entre hóspedes, restaurante, bar, piscina e catering de conferências e garante que era muito mais simples quando tinha uma média diária de 1200 refeições para planear. Agora, as encomendas têm de ser feitas diariamente, tal como a planificação dos funcionários. E há dias em que têm de se ajustar quantidades e pessoas da manhã para a tarde.
“Numa quarta-feira contávamos com 100 pessoas para o fim de semana; sexta à noite duplicaram as reservas para esses dias e no sábado acabaram por chegar 450”, relata, um exemplo do pesadelo logístico com que tem de lidar. Nada que o faça perder a tranquilidade carioca. “Vamos gerindo, chamamos fornecedores, deixamos funcionários de prevenção e resolvemos ao momento.” O que sobra é entregue a instituições de solidariedade, como a Refood, para ajudar quem precisa.
A criatividade do chef António Alexandre também não se perdeu na pandemia e na instabilidade que ela trouxe a reboque. Antes a aguçou, planeando menus de verão, pratos e brunches de fim de semana, pensados para quem prefere um dia de piscina no jardim tropical do Marriott às praias cheias da linha.
Foi uma das novidades que o hotel abraçou para responder ao baixo número de hóspedes. Recreativas, como os piqueniques temáticos em fins de tarde de primavera, mas também mais presos ao ADN do hotel, como os sete quartos totalmente transformados de forma a que se tornassem escritórios de luxo para quem precisava de um sítio para trabalhar, reunir-se com parceiros, desenvolver projetos.
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© Luís Stoffel
Solidariedade em crise
“Quando a pandemia se abateu sobre o país, sentimos que tínhamos de fazer qualquer coisa – não só pelos hóspedes, pela comunidade”, conta o diretor-geral do Marriott. “Estamos mesmo aqui ao lado do Hospital de Santa Maria e víamos o sofrimento que eram para muitos médicos e enfermeiros as longas horas e o medo de ao fim do turno levarem a doença para a família – ainda se sabia muito pouco sobre a covid… E tomámos então a decisão de abrir dois pisos para poderem aqui ficar em vez de irem para casa.”
A ajuda não se ficou pelos profissionais de saúde nesse pico da primeira vaga; alargou-se aos voluntários dos lares da Junta de Freguesia de São Domingues, a cujos prestadores de cuidados, médicos e enfermeiros também foram abertos quartos. Materializou-se, em conjunto com empresas e marcas nacionais e internacionais, na plataforma Serve 360, para ajudar a Aldeia das Crianças e o Centro de Alojamento Temporário de Tercena. Além dos habituais programas de integração na comunidade, que dão sempre atenção especial para com os mais frágeis. Na manutenção do hotel, há funcionários que chegaram através de parcerias de requalificação e integração estabelecidas entre o Marriott e a associação de ajuda aos sem-abrigo Cais, outros vêm de programas de reinserção social para ex-presidiários.
Cuidados e comunicação imprescindíveis
Os desafios destes tempos trouxeram mais engenho ao planeamento e à gestão, mas também desafios inesperados. Como terem de lidar com casos de hóspedes infetados com covid. Criaram um piso de isolamento, separado dos demais e onde apenas sete quartos, dos 16, chegaram a ser ocupados. “Mesmo o staff só ia a esse piso deixar roupa, comida e recolher os tabuleiros; ia totalmente protegido com equipamento de proteção individual completo, deixava o que o cliente pedia por telefone à porta e avisava depois por telefone que o cliente podia recolher o saco ou tabuleiro; deixava depois o fato numa zona fechada, onde fazia desinfeção e higienização e só então voltava ao serviço”, descreve Ana Simão, governanta do hotel há sete anos.
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Ana Beatriz Simão, governanta do hotel Lisboa Marriott.
© Paulo Alexandrino/Global Imagens
Não houve surtos, não houve sequer mais do que quatro casos de clientes e três de funcionários. Os procedimentos de limpeza e arrumação de quartos foram todos revistos e intensificados à medida do que os tempos exigem.
“Sempre que um cliente deixa o hotel, o quarto é encerrado por 24 a 48 horas e só depois entram as equipas.” As 20 pessoas com que conta hoje no house keeping, estão repartidas em grupos de três, incluindo funcionários de sujos e de limpos. “A equipa de sujos começa por abrir as janelas, retirar o lixo, fechar as roupas de cama e casa de banho em sacos”, conta. Levam também copos, garrafas, canetas, ammenities, qualquer coisa que possa ter sido tocada e seja descartável, lavável ou higienizável. Só quatro horas depois é chamada à ação a equipa de limpos para fazer camas, desinfetar e limpar todas as superfícies e repor o quarto nas condições necessárias para que possa receber o hóspede seguinte. Sem riscos.
“São tempos stressantes, mas também desafiantes e interessantes”, assegura Ana Caetano, Relações Públicas do Marriott Lisboa, que teve de aprender a comunicar uma empresa que, entre os tempos de encerramento forçado e as restrições brutais com que o setor turístico e hoteleiro ainda tem de lidar, pouca atividade tinha.
Com 32 anos de casa – ainda a casa era Penta -, conhece-lhe todos os cantos e histórias. Como a razão pela qual não se encontra Coca-Cola em nenhuma unidade do grupo. Em tempos, “a marca recusou o pedido de ajuda ao fundador, J. Willard Marriott, que passava tempos financeiramente desafiantes – a Pepsi acedeu e desde então os hotéis do grupo, o maior do mundo, só vendem Pepsi”.
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Ana Caetano, Public Relations Manager do hotel Lisboa Marriott.
© Paulo Alexandrino/Global Imagens
Ana Caetano também já ali passou momentos difíceis, ainda que nenhum da dimensão do atual, e assegura que há sempre trabalho a fazer na sua área. “E nestas alturas é ainda mais importante estabelecer pontes e manter contactos, mostrar que a marca está viva e a trabalhar para manter os padrões elevados de qualidade”, sublinha. Nem sempre é fácil passar a mensagem nestas condições, mas garante que o mais difícil foi mesmo o “isolamento social” que as pessoas se impuseram, a par do distanciamento físico.
Habituada a gerir os melhores dos tempos e os piores dos tempos – é sua criação do programa Spirit to Serve e da gala solidária de Natal patrocinada pelo Marriott para ajudar crianças institucionalizadas a ter um futuro melhor e algo de seu, com as parcerias estabelecidas com marcas e pessoas que doam dinheiro, todo o tipo de produtos, até obras de arte, partilham experiência e know how – , abraçou a tarefa de criar soluções e comunicar as ideias postas em prática para captar clientes e mostrar que ali “a segurança de todos é levada mesmo muito a sério”.
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