Arranca, neste domingo, mais uma edição da Micam, a maior feira de calçado do mundo, onde são esperados 1400 expositores, de 30 países. A grande incógnita é como irá a ameaça do coronavírus afetar o certame. Sendo certo que a Micam não conta, habitualmente, com expositores asiáticos, este é, no entanto, um espaço de encontro com compradores de todas as geografias.
A própria organização da feira admite que, este ano, não deverá haver visitantes chineses no certame, embora o atribua à proximidade de datas com as comemorações do ano novo chinês. Mas o cancelamento de voos de e para a China por parte da maioria das companhias aéreas por causa do coronavírus não será, obviamente, alheio a este facto. A preocupação dos expositores com o tema levou mesmo a Micam a emitir um comunicado, no início do mês, a dar conta que o certame se iria realizar-se como previsto e que, para assegurar a segurança de visitantes e expositores, iriam ser tomadas “as medidas adicionais preventivas recomendadas pelas autoridades de saúde”.
Contactada pelo DN/Dinheiro Vivo, a organização da feira explicou que só emitiu este comunicado por causa do “excessivo alarmismo criado pelos media” em relação ao coronavírus. As precauções adicionais referidas contemplam a distribuição de desinfetantes no recinto da feira. Quanto ao número de visitantes aisáticos, a Micam desvaloriza a sua ausência, adiantando que, habitualmente, rondam os 500 num universo de mais de 54 mil pessoas.
Do lado dos empresários, o clima é de tranquilidade. E há, até, quem brinque com o tema. À chegada ao aeroporto de Malpensa, em Milão, todos foram surpreendidos por um controlo de saúde, com a monitorização da temperatura corporal. “Olha se eu não tivesse vindo a arrefecer a testa com gelo”, ouviu-se, em jeito de brincadeira. E há, até, quem admita que a desgraça de uns pode ser o benefício de outros. “Com o coronavirus, o mercado americano terá mais resistência em ir à China fazer as coleções porque se recusará a viajar para lá. Isto pode-nos abrir algumas portas”, diz um empresário ouvido pelo Dinheiro Vivo. Outros pensarão o mesmo, mas não se atrevem a verbalizá-lo, talvez pensando na recente polémica em que a ministra da Agricultura se viu recentemente envolvida precisamente por dizer o mesmo.
A associação do calçado, a APICCAPS, fala que a questão gera preocupação. “É um tema que acrescenta incerteza ao nosso negócio e todas as incertezas são prejudiciais. Se isso vai levar a uma redução ou a um aumento das exportações veremos. E cá estamos para lidar com isso”, diz o diretor-geral. João Maia admite que a indústria portuguesa está, por natureza, melhor preparada que alguns dos seus concorrentes para responder “de uma forma flexível às solicitações do mercado”, mas reconhece que ninguém consegue, para já, antecipar o que se irá passar.
Menos expositores portugueses
Portugal faz-se representar nesta 89ª edição da Micam com 69 expositores, a que se somam mais dois de malas e carteiras, na Mipel, o certame de artigos de pele, que decorre em simultâneo. Esta é a participação nacional mais baixa em Milão, nos últimos 14 anos, equivalente à edição de março de 2006, altura em que Portugal se fez representar por 69 expositores também. Há um ano eram 89, há dois 101. Números da própria Micam, e que incluem as empresas que participam a título individual, sem qualquer apoio da APICCAPS.
O recorde é de 106 expositores, obtido em setembro de 2016 e em fevereiro do ano seguinte, bem longe dos 13 participantes registados no início da década. O facto de 2017 ter sido o último ano de crescimento das exportações de calçado terá, com certeza, algo a ver com o assunto. Em 2018 as exportações deslizaram 2,96%, mas em 2019 a quebra já foi de 5,7%. No conjunto dos dois anos, o sector exportou menos 165 milhões de euros, no total.
A associação tem vindo a lembrar que a economia é feita de ciclos e que “ninguém cresce eternamente”, e desdramatiza a redução no número de presenças na Micam. “Não se trata de uma desmobilização [das empresas], mas de uma mudança na tipologia de investimento em matéria de promoção comercial externa”, diz o diretor de comunicação da APICCAPS.
Paulo Gonçalves sublinha que, a par do plano de promoção estruturado para este ano e que prevê a participação de 180 empresas em certames profissionais em todo o mundo, a associação tem vindo a “diversificar a aposta” em matéria de valorização da oferta. “Em 2019 duplicamos os investimentos nos domínios do marketing digital e produção de conteúdos, que ascendem já a dois milhões no total. E embora estejamos apenas em fevereiro, os valores que temos previstos para esta nova tipologia de investimentos estão já esgotados”, garante.
Em causa estão 2,5 milhões de euros que a APICCAPS admite poder vir a reforçar. “Temos já mais de 70 empresas com investimentos previstos (ou em execução) nestes domínios. E, no total, entre a participação em certames no exterior e na valorização da oferta, investiremos cerca de 10 milhões de euros em promoção externa este ano”, reforça Paulo Gonçalves ao DN/Dinheiro Vivo. E não falta interesse dos industriais, assegura. “No habitual inquérito que efetuamos, no final do ano, às empresas, 92% manifestaram interesse em participar em ações promocionais do sector em 2020”, diz.
E há muitas empresas que, com menos dinheiro disponível, estão a procurar outras formas de chegarem diretamente ao seus clientes. “A Micam é uma feira que fica muito, muito cara. É mais fácil pegar nesse dinheiro e por os meus agentes a visitar cliente a cliente, nos diversos países, e fazer uma abordagem muito mais direcionada”, admitiu ao Dinheiro Vivo o representante de uma das marcas habituais em Milão e que, este ano, não se faz representar.
Quem também decidiu não marcar presença na feira foi o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, que, ao contrário do que estava previsto, será substituído amanhã pelo secretário de Estado Adjunto e da Economia, João Neves.
* A jornalista viajou a Milão a convite da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS)
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