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Os preços nas telecomunicações subiram 3,6% em fevereiro, comparativamente com o mesmo mês de 2022, segundo os dados desagregados do Índice de Preços no Consumidor (IPC), indicador que mede a inflação, que o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou na sexta-feira.
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Esta variação homóloga em fevereiro verificou-se após o aumento de preços praticado por Meo e NOS (a Vodafone atualizou os preços apenas em março), em linha com variação média de 2022 do IPC (7,8%). A variação homóloga do IPC em fevereiro deste ano foi de 8,2%.
Em janeiro deste ano, em comparação com o mesmo mês de 2022, os preços das telecomunicações tinham decrescido 1,2%. A atualização de preços no setor ainda não se refletia nesse momento. Segundo a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), entre o final de 2009 e janeiro de 2023, os preços em Portugal subiram 8% enquanto na União Europeia diminuíram 9,1%.
A evolução dos preços nas telecomunicações levou a Anacom a propor ao governo a alteração do regime de fidelizações para evitar agravamentos futuros, mas o executivo rejeitou a ideia. Segundo explicou João Galamba, ministro das Infraestruturas, no Parlamento, mexer nas fidelizações implicaria alterar a atual Lei das Comunicações Eletrónicas, que vigora “há menos de quatro meses”. Por isso, o governo considera “prudente” deixar o mercado funcionar e só atuar quando e se “identificar eventuais alterações que fundamentalmente se possam justificar”.
Entretanto, a tutela aguarda que a Anacom esteja vigilante e atue, “nomeadamente no sancionamento de práticas abusivas que tenha identificado por parte dos operadores”. Galamba admitiu existir “algum tipo de cartelização” nesta área, mas tal tem de ser “investigado e analisado” pelo regulador.
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Subida de preços justifica-se?
O DN/Dinheiro Vivo questionou dois economistas para perceber melhor esta evolução de preços.
Steffen Hoernig, professor da Nova SBE especialista em telecomunicações, afirmou que “não é claro”que na atual situação que o país atravessa, com “as dificuldades que muitas pessoas sentem” com o aumento dos preços, e sem haver um acompanhamento na mesma medida dos salários, “um aumento de custo dos operadores se tenha de repercutir a 100% nos preços cobrados”.
“Pode-se argumentar que em tempos de crise não só todas as empresas (e os seus acionistas) têm de viver com menores margens, como até, pelo menos os grandes grupos, têm alguma responsabilidade de não piorar a situação”, notou.
Facto é que os preços aumentaram. Para Hoernig, deve-se levar em consideração a estratégia dos operadores em aumentar a receita média por cliente (ARPU), medida “seguida há muitos anos” pelos operadores como forma de evitar perder quota de mercado para os concorrentes. “Em parte”, os operadores têm conseguido isso com “aumentos simultâneos e coordenados no tempo dos preços”, frisou.
Aliás, segundo o professor da Nova SBE, essa estratégia dos operadores é, em teoria, investigada regularmente pela Autoridade da Concorrência (AdC), mas este especialista desconhece quaisquer conclusões da AdC nesta matéria.
“Ora, justificar os aumentos desta vez com o IPC do consumidor é uma desculpa fácil, mas não passa disso”, realçou. Para Hoerning, se é para justificar aumentos com a evolução do IPC, os operadores deveriam “pôr os numeros em cima da mesa”.
“Qanto aumentou a energia que estas empresas compram? – têm contratos à parte evidentemente -; os preços ainda estão a esse nível ou já baixaram como parece? Quanto aumentaram os preços dos equipamentos?”, interrogou-se, notando que o custo do financiamento aumentou “para todos, ainda mais para as famílias”. Desta forma, Hoerning mostrou-se cético quanto ao argumento de que o aumento dos custos para os operadores foi elevado.
Teriam os operadores margem para atualizar os preços a valores mais em conta ou isso, como já alegaram, penalizaria a rentabilidade do negócio? “Cobrar preços mais altos para um serviço de que as pessoas necessitam, como este, aumenta a receita e a rentabilidade. Só não aumentaria se muitos consumidores desistissem”, respondeu.
Questionado sobre a proposta do regulador de reduzir o período máximo das fidelizações de 24 para seis meses, como forma de baixar preços, o professor da Nova SBE foi perentório na resposta: “Só haverá preços mais baixos se houver concorrência para atrair clientes dos concorrentes”.
Steffen Hoernig explicou que os operadores “precisam que os clientes fiquem um certo tempo para [os operadores] rentabilizarem o investimento”. No entanto, defendeu ser desejável que os consumidores fiquem fidelizados por “se sentirem bem tratados” com o serviço e preços e não por estarem “acorrentados contra a vontade, expostos a aumentos de preços numa ordem que não eram imagináveis quando assinaram os contratos”. Por isso, este especialista acredita “que seria melhor mudar a lei no sentido de permitir o cancelamento depois de cada aumento”, considerando existir um conflito entre fidelizações superiores a um ano e a atualização anual de preço. “É a combinação entre fidelizações longas e aumentos a consumidores presos que tem de acabar”, ressalvou.
Não obstante, para haver uma redução de preços, “é preciso haver pelo menos um concorrente que queira arriscar e investir seriamente em crescimento”. “Sem haver esta concorrência de fidelizações mais curtas, que a Anacom defende há muito tempo, [uma redução dos períodos máximos] não terá grande efeito nos preços”, complementou.
Por sua vez, António Mendonça, professor catedrático do ISEG e bastonário da Ordem dos Economistas, explicou que “em contexto inflacionário é normal que as empresas procurem salvaguardar-se do aumento dos custos ou da quebra prevista da procura”. Defendeu também que não se coloca aqui a questão da razoabilidade quanto à proporção dos aumentos, “porque as leis económicas impõem-se e as empresas procuram salvaguardar os seus interesses”.
Mendonça disse que o setor em causa é “muito dinâmico, fortemente impulsionado pelo desenvolvimento tecnológico interno e envolvente e pelas dinâmicas económicas e culturais da sociedade, que cada vez mais incorporam a utilização da informação e comunicação”.
Nesse sentido, afirmou que os operadores “têm estratégias de médio e longo prazo e são coerentes com isso, para a sua própria sobrevivência”. Será nesse quadro que “está, obviamente, a concertação com as outras empresas do setor que pode assumir diversas dimensões, não necessariamente negativas em termos do utilizador final”. Caberá – acrescentou – aos reguladores e legisladores encontrar “as fórmulas de contrariar os efeitos considerados negativos da concertação destas empresas, tendo em conta os objetivos económicos e sociais definidos pelo governo”.
Não obstante, “a dinâmica de atualização de preços em Portugal tem sido superior à média europeia”. “O próprio nível de preços é elevado, o que, comparado com o nível de rendimento médio do país, não pode deixar de ser considerado preocupante”, disse.
“De acordo com as previsões das diversas instituições nacionais e internacionais, a inflação parece ter atingido um ponto de inflexão”, sublinhou, reiterando que cabe ao regulador e governo “acompanhar a evolução da situação e tomar as medidas adequadas ao equilíbrio económico e social do país”.
No caso das telecomunicações, os operadores justificaram a atualização de preços – e consequente evolução dos preços – com o aumento dos custos energéticos e os investimentos em 5G e fibra ótica, que estão associados à relação euro-dólar e ao preço de matérias-primas como o aço. Outra justificação apresentada por Meo, NOS e Vodafone é que os aumentos de custos durante o ano de 2022 foram incorporados nas estruturas de custo das empresas, pelo que em 2023 decidiram transferir parte desse peso para os consumidores.
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