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Quando no próximo mês de julho o Banco Central Europeu (BCE) exigir aos maiores bancos os habituais testes de stress, desta vez, já vai incluir cenários, nomeadamente, de aumento extremo da temperatura, de ondas de calor e preços do carbono, para ver o que acontece ao portfólio de crédito de cada instituição bancária, assinala Sofia Santos, fundadora e líder da Systemic, empresa que ajuda organizações a desenvolver estratégias para a sustentabilidade.
O que se vai passar na banca é apenas um exemplo das mudanças nos critérios adotados na Europa para condicionar as organizações (empresas ou entidades como universidades, municípios ou associações) no acesso a empréstimos, a concursos públicos ou a investimentos, tendo em conta o primado da sustentabilidade, na prossecução dos objetivos ambientais da Comissão Europeia (CE), que incluem aspetos sociais.
A introdução dos novos critérios nos testes de stress dos bancos vai avançar, porque “o BCE já assume que o clima é um risco financeiro na concessão de crédito. Um banco pode continuar a financiar uma empresa poluidora, mas isso aumenta o seu risco e os rácios de requisitos de capital, o que não será bom para o banco”, explica a gestora.
Em Portugal, já há instituições bancárias a aplicar os novos critérios para a atribuição de crédito a empresas. Sofia Santos dá o caso do Crédito Agrícola a quem a Systemic ajudou na elaboração de um questionário que permite ao banco atribuir uma notação de sustentabilidade à empresa e ao projeto candidatos ao financiamento.
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Sofia Santos adianta que já existe um inquérito específico para as empresas agrícolas, mas estão em preparação outros para setores como o imobiliário ou o turismo.
Para a Comissão Europeia, a taxonomia ambiental de uma atividade sustentável implica que tenha de ter critérios mínimos ambientais, sociais e de governação.
Em concreto, a CE definiu seis objetivos ambientais: mitigação das alterações climáticas; adaptação às alterações climáticas; uso e proteção dos recursos marinhos; prevenção e controlo da poluição; e proteção de ecossistemas saudáveis.
Além da componente ambiental, a CE entendeu que a sustentabilidade só ficará cumprida se cada atividade não causar danos significativos em nenhum dos seis objetivos referidos; e têm de ser cumpridos critérios mínimos sociais, de acordo com os direitos humanos estipulados pelas Nações Unidas.
Para este ano, nota Sofia Santos, deverá sair também a taxonomia social (critérios mínimos para que uma atividade seja considerada socialmente sustentável), bem como a Diretiva de Governação para a Sustentabilidade, da qual se espera o reforço da importância de alguns membros dos conselhos de administração terem conhecimento específico sobre esta temática.
Ao nível dos mercados bolsistas, a gestora refere que também já há mudanças em curso, com as cotadas a poderem aderir ao rating ESG (sigla inglesa para as palavras Ambiente, Social e Governação/ética), atribuído pelas agências clássicas de notação financeira, mas também por outras que se criaram para o efeito.
“Há fundos que já só investem em empresas cotadas que têm determinadas práticas ESG”, destaca Sofia Santos, para ilustrar a premência da adoção dos novos critérios comunitários.
E as novidades são para aplicar já neste ano, pelo menos, em dois segmentos alargados: as grandes empresas (mais de 250 trabalhadores) terão de reportar o volume de vendas verde (assegurado por bens e serviços que cumprem as obrigações da CE), ainda numa ótica qualitativa. Além disso, no setor financeiro, a banca terá a obrigação de reportar, também apenas de forma qualitativa, se os empréstimos cumprem os objetivos da CE.
Em 2023, os fundos terão de declarar se os ativos que têm sob gestão estão enquadrados nos novos critérios europeus.
Neste contexto de mudança, a gestora considera essencial “que as empresas conheçam os compromissos do país nestas matérias, dominem as regras que estão em causa e saibam avaliar a pressão do mercado em relação ao seu negócio”.
Na prática, uma empresa que queira aderir aos novos critérios, no plano social, por exemplo, precisa de ver qual a presença de homens e mulheres na sua organização e a diferença salarial, ou se há queixas de incumprimento dos diretos humanos.
Quanto à eficiência energética, precisa de avaliar qual a percentagem de combustível fóssil que usa e como tenciona reforçar a componente das energias renováveis.
Em relação ao impacto que o clima pode ter na sua atividade, Sofia Santos entende que é relevante a empresa ou o setor verem o que terão de fazer para se poderem adaptar. Citou o exemplo do setor do vinho como um dos que já estão a fazer estudos para ver o que têm de fazer agora, para poderem sobreviver num contexto de temperaturas mais elevadas no futuro.
Mas alertou que há outras atividades onde o efeito do aquecimento do clima também pode ser preocupante, como a agricultura (possível escassez de água), a energia (mais cara) ou o imobiliário (mais inundações, menos oferta).
Já a gestão dos resíduos poderá valorizar as empresas que os consigam reutilizar ou encaminhar como matérias-primas de outras atividades, em detrimento do envio para aterro, conclui a empresária.
Para operar numa área cada vez mais determinante, a Systemic, fundada em Lisboa em 2013, dispõe de uma equipa multidisciplinar de dez elementos oriundos das Finanças, Economia, biodiversidade, arquitetura e engenharia do ambiente.
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