E ao terceiro dia, depois de ser tornado público o relatório preliminar de 200 páginas redigido pelo deputado relator da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade, Jorge Costa (do Bloco de Esquerda), a EDP – principal visada no documento – reagiu ao mesmo num comunicado com 10 pontos.
Nele, a empresa “repudia” e rebate as “conclusões distorcidas e recomendações inaceitáveis” do documento que será apresentado e debatido já amanhã, quarta-feira, à tarde, no Parlamento.
De acordo com o relatório de Jorge Costa, há de facto rendas excessivas de muitas centenas de milhões de euros a serem pagas a várias entidades produtoras de energia elétrica há vários anos (e até décadas), que têm de ser corrigidas. O documento, que é ainda a versão preliminar do relatório final, e ao qual o Dinheiro Vivo teve acesso, foi enviado este sábado, 6 de abril, por e-mail ao presidente da comissão, o deputado do Emídio Guerreiro. Terá agora de ser aprovado pela comissão, que irá debater o documento esta quarta e sexta-feira.
“A EDP repudia as várias recomendações e conclusões que o relatório preliminar apresenta, e que a esta empresa dizem respeito, e reafirma a inexistência das chamadas “rendas excessivas”, refere o documento enviado às redações. E aponta diretamente o dedo a Jorge Costa: “Reflete apenas as opiniões do seu relator e não o que se passou na comissão. As conclusões do relatório poderiam ter sido produzidas antes mesmo dos trabalhos se terem iniciado.
Para a EDP, é “inaceitável” alterar as leis do passado. “O relatório preliminar recomenda várias alterações ao quadro legal existente, que implicariam efeitos retroativos, ao arrepio dos deveres e obrigações de um Estado de Direito. O documento não tem em conta que foi no contexto e com o enquadramento em vigor em cada momento que os agentes económicos tomaram as suas decisões, nomeadamente de investimento. Querer alterar as condições com efeitos retroativos é inaceitável, coloca em causa a confiança dos investidores, em particular dos que participaram nas várias fases de privatização da EDP, e a credibilidade de Portugal, que é fundamental no esforço necessário para a indispensável transição energética em curso”.
A EDP, que no fim de semana começou por recusar comentar o relatório por ser ainda preliminar, revela agora que “tomou conhecimento pela comunicação social do relatório preliminar da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade, disponível no site da RTP”.
Horas antes, em Berlim, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, disse à Lusa que ainda não leu o relatório em detalhe, mas garantiu que o Governo está disponível para “considerar” todas as recomendações que surjam no relatório da comissão parlamentar de inquérito às rendas na energia, “desde que não rasguem contratos”, numa clara alusão aos contratos de aquisição de energia (CAE), que deram depois origem aos polémicos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC) da EDP.
“A posição do Governo já foi transmitida, desde que não rasguem contratos ou não tentem reescrever o passado, tudo o resto que não viole estas premissas, temos abertura para considerar”, declarou João Galamba, colocando-se ao lado da EDP e também da Associação Portuguesa de Energias Renováveis, que hoje contestou duramente o mesmo relatório, que também visa o setor das renováveis e recomenda “a reposição do equilíbrio económico do regime anterior ao decreto-lei 35/2013, que prolongou o período de tarifas protegidas às centrais eólicas por cinco a sete anos, mediante o pagamento de uma contribuição para o sistema elétrico”. O secretário de Estado da Energia remeteu comentários detalhados para quando o relatório final for aprovado.
No relatório de Jorge Costa, o relator destaca que “a opção política pela atribuição à EDP desta renda por 20 anos [contratos de aquisição de energia] teve em vista o robustecimento financeiro da empresa e a oferta de garantias de rentabilidade futura que dinamizassem o processo da sua privatização”. Ou seja, a empresa foi beneficiada por vários governos PS e PSD, de António Guterres a António Costa.
A visão da elétrica é bem diferente: “A conclusão só poderá ser a de que a EDP não foi beneficiada nem favorecida, limitando-se a cumprir o enquadramento legal e contratual existente em cada momento”.
Continuando na “linha do tempo”, o relatório preliminar conclui ainda que a extinção dos CAE, imposta pela UE por causa da liberalização do mercado ibérico de eletricidade, originou a criação do mecanismo CMEC, com o intuito “de manter o equilíbrio contratual”. Mas o documento acusa no entanto o Estado, que na altura era acionista da EDP, de ter atribuído uma ajuda de Estado encapotada para “manter os elevados níveis de rentabilidade anteriores”, omitindo alguns pormenores importantes a Bruxelas.
“O relatório preliminar situa adequadamente em 1995 e 1996 as bases e o enquadramento da legislação do Setor Elétrico Nacional que, em particular, viabilizaram as sucessivas fases de privatização da EDP cujas receitas reverteram integralmente para o Estado. No entanto, desconsidera o contexto económico e acionista em que as sucessivas decisões políticas determinantes para o setor foram tomadas, ao longo de mais de duas décadas, o que leva a conclusões distorcidas e recomendações inaceitáveis”, diz o comunicado da EDP.
A empresa salienta ainda que o relatório preliminar “não retira as devidas consequências do facto de o Estado ter sido sempre o maior acionista da EDP (detendo em 1995 100% do capital e em 2012 mais de 25%) e, simultaneamente, legislador, fixando as regras para o setor em geral e para a empresa em particular”.
Por outro lado, diz a EDP, “o documento coloca em causa a aplicação da legislação comunitária por parte da Comissão Europeia que, pelo menos em três ocasiões (2004, 2013 e 2017), analisou e considerou adequado o modelo de transição de CAE para CMEC. A Comissão Europeia também considerou adequado o montante pago pela EDP relativo ao Domínio Público Hídrico e rejeitou, de forma inequívoca, o estudo que considerava esse montante insuficiente. O facto de o relatório preliminar afirmar que a Comissão Europeia não respeitou o Direito Europeu é, no mínimo, descredibilizante”
Numa nota final, a EDP espera “que o relatório final será objetivo, bem fundamentado, isento de preconceitos e baseado no que os diversos intervenientes levaram de forma sustentada à comissão, evitará juízos meramente opinativos, totalmente demagógicos, e recomendações sem qualquer fundamento legal”.
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