Depois de ter vindo a somar inúmeras críticas já desde sábado passado, primeiro por parte da APREN e depois da EDP, o relatório preliminar de 200 páginas redigido pelo deputado relator da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade, Jorge Costa (do Bloco de Esquerda), foi esta quarta-feira dissecado ao pormenor pelos deputados das várias bancadas parlamentares, dividindo opiniões à direita e à esquerda.
O documento, que é ainda a versão preliminar do relatório final, e ao qual o Dinheiro Vivo teve acesso, foi enviado no sábado, 6 de abril, por e-mail ao presidente da comissão, o deputado do Emídio Guerreiro. Depois do primeiro debate realizado hoje, os deputados têm agora até domingo para apresentarem as suas propostas de alteração ao documento, reunindo-se depois na terça-feira, 16 de abril, para mais um debate, seguido da votação final, no dia seguinte, ponto a ponto, de todas as propostas e recomendações da versão final do relatório.
Já a versão preliminar, afirma sem dúvidas que há rendas excessivas de muitas centenas de milhões de euros a serem pagas a várias entidades produtoras de energia elétrica há vários anos (e até décadas), e que as mesmas têm de ser corrigidas. E apresenta as principais recomendações para essa correção.
Jorge Costa esclareceu hoje que, sobre os CMEC, há medidas legislativas em falta para corrigir problemas do passado e rever rentabilidades futuras, até 2027. O deputado avisou também que vai pedir à Assembleia da República para notificar de novo a Comissão Europeia sobre a existência de alegadas ajudas de Estado à EDP, entre muitas outras medidas muito pouco populares para empresas como a EDP ou a REN, e para o setor das renováveis.
O último deputado a intervir, mas o que mais defendeu a obra produzida por Jorge Costa, Bruno Dias, do PCP, foi ainda mais longe nas suas conclusões e falou mesmo em “receitas indevidas” recebidas ao longo dos anos por parte dos produtores de energia elétrica, além das já famosas “rendas excessivas”. “Não há qualquer dúvida: sim, há rendas excessivas para este setor e essa realidade ficou demonstrada”, disse o deputado, saindo em defesa do relator e acusando o PSD e o CDS de ainda duvidarem que existem de facto estas rendas excessivas.
Sobre as renováveis, o deputado comunista lembrou que “este não é um debate sobre a bondade das energia renováveis” para Portugal, mas sim sobre “o que lucraram em euros” ao longo dos anos. Já sobre a EDP, a grande visada no relatório preliminar, Bruno Dias referiu-se à privatização da empresa como o “pecado original”, sem o qual “não estaríamos aqui a esta hora”.
Mais críticos e incisivos foram Jorge Paulo Oliveira, deputado do PSD, e Hélder Amaral, do CDS, com ambos a sublinhar um tema novo que a comissão de inquérito descobriu: o benefício de mais sete anos que os acionistas privados da REN (entre eles a própria EDP) tiveram em 2007 em relação ao prazo da concessão da rede nacional de transporte. “Essa foi uma novidade. Merecia um capítulo independente porque foi algo de novo que surgiu e que pode conter uma renda excessiva não explicada, disse Hélder Amaral. Jorge Costa mostrou abertura para incorporar as propostas dos deputados no relatório final.
“Este é um relatório muito denso e muito completo, mas ainda vamos a tempo de o corrigir. Mas é verdade que peca por ter visão que é a do relator. Estávamos à espera que fosse um pouco mais fatual”, disse Hélder Amaral, acrescentando: “Faz tábua rasa de tudo o que ouvimos nesta comissão e falta-lhe contraditório sobre vários temas”. O deputado do CDS diz que falta também no relatório um apontar e dedo mais forte à ERSE no seu papel de regulador ao longo doa anos e acusa mesmo a presidente, Maria Cristina Portugal, de ter sonegado informação à comissão e omitido no seu currículo a participação num grupo de trabalho do PS para definir políticas para o atual governo.
Quando aos polémicos CMEC, o deputado diz que os “os possíveis ganhos da transição dos CAE não interferiram nos ganhos da EDP, e como tal acho difícil chegar à conclusão que há rendas excessivas. Nenhum dos especialistas que vieram à comissão (nem um) identificaram uma renda excessiva que fosse”.
Sobre as renováveis, “pior ainda”: “Têm ganhos para o Sistema Elétrico Nacional e têm custos que foram pagos consumidores, mas não se confirma a tese de monstro elétrico. São úteis”. O deputado diz ainda que” o relator é livre de aceitar as nossas propostas de melhoria ao documento, mas não me parece que tal como está nos merece um voto favorável. Queremos uma versão mais verdadeira”.
Jorge Paulo Oliveira, deputado do PSD, “cilindrou” por completo o relatório preliminar, que diz ter uma fraqueza estrutural, uma análise pouco aprofundada, ser marcado pela visão política do relator, com depoimentos desconsiderados, gráficos e cálculos não verificados e opiniões tendenciosas. E dá um exemplo: o branqueamento da responsabilidade de José Sócrates e Manuel Pinho nos CMEC. O deputado propõe dois capítulos separados, um para CAE e outros para CMEC, e quer que o documento final identifique inequivocamente o valor das rendas excessivas para ambos.
Hugo Costa, do PS, referiu que o seu partido concorda em grande parte com as conclusões do relatório preliminar, “mas considera que as recomendações não devem onerar os consumidores no futuro”. “Não aceitaremos tentativas de reescrever a História, frisou. Concordou com as rendas excessivas criada pelos CAE e perpetuada pelos CMEC, para “valorizar a EDP”. Quanto às renováveis, o deputado afirmou que são pagas em excesso (74 euros MWh), mas que “qualquer alteração deva ser feita sem onerar os consumidores e sem mais litigâncias com o Estado”.
Além dos deputados, também a APREN já confirmou ao Dinheiro Vivo que vai apresentar aos deputados “um documento a rejeitar o relatório preliminar e contribuir para a redação final do relatório”. “Queremos que a versão final seja revista e seja proposta uma redação mais fidedigna”, disse Pedro Amaral Jorge, o novo presidente da APREN, em entrevista ao Dinheiro Vivo
Por seu lado, a EDP repudiou as “conclusões distorcidas e as recomendações inaceitáveis” do documento”, reafirmando a inexistência das chamadas “rendas excessivas”. E aponta diretamente o dedo a Jorge Costa: “Reflete apenas as opiniões do seu relator e não o que se passou na comissão. As conclusões do relatório poderiam ter sido produzidas antes mesmo dos trabalhos se terem iniciado”.
O secretário de Estado da Energia, João Galamba, já disse estar disponível para “considerar” todas as recomendações que surjam no relatório da comissão parlamentar de inquérito às rendas na energia, “desde que não rasguem contratos ou não tentem reescrever o passado”
No total, a comissão parlamentar de inquérito decorreu durante mais de 200 horas e ouviu mais de 55 personalidades.
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