Ver a bagagem ficar para trás ou, simplesmente, sofrer um cancelamento de voo há muito que deixou de ser um enigma. As regras europeias protegem os viajantes portugueses e garantem compensações em caso de imprevistos. Mas, e se tiver reservado um alojamento local e, sem aviso, se vir confrontado com um cancelamento em cima da hora ou, no limite, ninguém aparecer para lhe abrir a porta?
Foi o que aconteceu com Sara Quina. No final de janeiro, acabara de aterrar em Paris quando o telefone tocou. Era o serviço de clientes da Booking a avisar que o apartamento que reservara e pagara vários meses antes, afinal, não estava disponível. A expressão utilizada foi a de sempre: overbooking. Sara ficou sem quarto.
Antes de percebermos o que aconteceu com Sara e a família, importa dizer que não existe uma legislação específica do alojamento local que funcione como mecanismo de salvaguarda dos clientes em caso de cancelamento por parte dos proprietários de um alojamento. Em todo o caso, ser-se confrontado com um overbooking, ou cancelamento de uma reserva por parte do proprietário, em cima da hora, não tem de ser sinónimo de impunidade.
“Os mecanismos de tutela dos direitos dos hóspedes terão, para cada caso, de ser encontrados nas normas relativas aos contratos de locação e/ou de prestação de serviços, bem assim como nas práticas que têm vindo a ser adotadas pelos empreendimentos turísticos (as quais, por seu turno, estão, na sua maioria, em consonância com a tutela prevista no direito civil para as situações de incumprimento contratual por parte do obrigado à prestação)”, refere ao Dinheiro Vivo, Leonor Martins Machado, advogada da Morais Leitão e Associados.
Os especialistas lembram que as unidades de alojamento “foram legalmente autonomizadas do conceito de empreendimentos turísticos, embora nos pareça que as referidas práticas possam ser aplicadas às unidades de alojamento local dada a similitude da atividade comercial desenvolvida pelos empreendimentos turísticos e pelas unidades de alojamento local (pelo menos quando exista uma exploração comercial com caráter de regularidade e quando, para além do uso do imóvel, estejam associados outros serviços típicos de hotelaria, como a limpeza de quartos, serviço de transporte, etc)”.
Quais as opções? A legislação mostra que caso não haja disponibilidade no alojamento escolhido, por overbooking ou outra razão alegada pelo ‘host’, este tem a responsabilidade de encontrar uma alternativa ao cliente.
Esta alternativa tem de ser de valor material igual à escolha inicial do cliente e, caso esta opção não seja facultada, o turista tem direito a exigir uma compensação, explica o Centro de Apoio ao Consumidor, que disponibiliza uma linha telefónica com aconselhamento jurídico que pode ser utilizada por qualquer consumidor nacional.
Leonor Martins Machado completa: “Se não lhe for concedido um quarto alternativo, ou a alternativa for de qualidade inferior à do alojamento inicialmente reservado, o hóspede terá, em princípio, direito a uma compensação pelos danos sofridos. Em linha com o que foi dito anteriormente, parece-nos que, em princípio, o hóspede de uma unidade de alojamento local poderá exigir o mesmo tipo de tutela numa situação de overbooking”.
Foi o que aconteceu com Sara Quina. O centro de apoio ao cliente da Booking encaminhou-a para um hotel próximo do alojamento que tinha escolhido inicialmente. A turista portuguesa teve de assumir a nova despesa mas, um par de semanas após o regresso, foi-lhe devolvido o valor tendo sido oferecida uma de duas opções: um crédito na plataforma para futuras reservas ou devolução para a conta bancária. Sara escolheu a segunda opção.
Neste caso, foi a Booking, a central de reservas que assumiu as rédeas desta questão. Mas a responsabilidade pela quebra de contrato é, em primeira instância, do proprietário do alojamento.
O Centro Europeu do Consumidor sugere que o cliente imprima sempre as informações sobre a reserva, e que o cliente leve sempre consigo o comprovativo do pagamento e da reserva.
Se não forem apresentadas alternativas, ou a situação não seja resolvida ‘a bem’, o caso por ser exposto nos Centros de Arbitragem de Conflitos, onde um júri vai apreciar a situação.
Há ainda uma outra nota que deve ser tida em conta: “Caso o hóspede tenha recorrido a uma agência de viagens ou operador turístico para reserva da unidade de alojamento local, disporá, em princípio, dos meios de tutela especificamente previstos no Decreto-Lei n.º 17/2018 de 8 de março, que estabelece e o regime de acesso e de exercício da atividade das agências de viagens e turismo, e que, entre outros mecanismos de tutela, consagra a possibilidade de os viajantes acionarem o fundo de garantia de viagens e turismo para ressarcimento de danos resultantes do incumprimento contratual por parte das agências de viagens, nos termos e condições ali previstos”, completa a advogada da Morais Leitão e Associados.
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