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O choque foi total. A aprovação no parlamento da anulação de novas transferências de fundos públicos para o Fundo de Resolução fazer injeções de capital no Novo Banco causou uma onda de choque sentida em várias frentes. Além do próprio Novo Banco, o sistema bancário português pode ser afetado negativamente pela decisão confirmada ontem. Segundo o secretário de Estado das Finanças, também começaram a chegar ao ministério perguntas sobre o futuro do Novo Banco. “Portugal assumiu compromissos perante a Comissão Europeia e já estamos a receber questões sobre a transferência ser menor do que o previsto, vamos gerar incerteza no Banco Central Europeu sobre a possibilidade real de o Novo Banco incumprir os rácios”, disse João Nuno Mendes no Parlamento.
Também o Banco de Portugal foi questionado sobre o tema. E a agência de notação financeira DBRS Morningstar está a seguir o assunto com atenção. “A DBRS Morningstar continuará a acompanhar a evolução legislativa em Portugal e as implicações para o NB e para o sistema bancário português no seu todo. A DBRS Morningstar atualmente avalia a dívida de longo prazo do NB em B (alto) com uma tendência negativa”, indicou numa análise divulgada ontem ao início da noite.
“Esta notícia foi inesperada e representa desafios para o Novo Banco, pois cria incerteza para o capital do banco e o plano de redução de riscos em andamento, além de aumentar o potencial de litígio”, adiantou.
Para Pedro Lino, presidente executivo da Optimize Investment Partners, “este é um jogo perigoso, numa altura em que Portugal precisava de medidas de longo prazo que ajudassem a captar investimento estrangeiro para os próximos anos”.
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Tempestade inesperada
No centro da polémica está a proposta apresentada pelo Bloco de Esquerda, que acabou por ser aprovada, que recomenda que o Governo “não mobilize mais recursos públicos para o Fundo de Resolução no âmbito do financiamento do Novo Banco sem que sejam conhecidos e devidamente analisados, inclusive pelo Parlamento, os resultados da auditoria à gestão do Novo Banco”.
A proposta foi viabilizada também com o voto favorável do PSD, o maior partido da oposição. Tanto o BE como o PSD deram garantias de que estarão disponíveis para viabilizar uma proposta de Orçamento do Estado Rectificativo em 2021 para ser efetuada a transferência de fundos públicos para o Fundo de Resolução.
O primeiro-ministro, António Costa, garantiu que os contratos assinados pela República irão ser cumpridos. “Não vou estar aqui a discutir as tecnicalidades jurídicas e só há uma coisa que digo: Contrato assinado é contrato que tem de ser honrado, lei que existe é lei que tem de ser respeitada, e a legalidade será seguramente assegurada num país que se honra de ser um Estado de Direito”, frisou.
No setor da banca, o choque desta medida foi recebido com inquietação e silêncio. Além de inesperada, veio colocar o sistema bancário português na mira de investidores internacionais, já que aumentou a incerteza no setor financeiro português.
Contactado pelo DN/Dinheiro Vivo, o Banco Central Europeu respondeu que não comenta a decisão do parlamento português.
Contas em risco
No centro da polémica está o acordo de capital contingente que esteve na base da aprovação pela Comissão Europeia (CE), ao abrigo das regras da UE em matéria de auxílios estatais, do auxílio português à venda do Novo Banco em 2017. No âmbito do acordo, o Fundo de Resolução concordou em compensar o Novo Banco até ao limite de 3,89 mil milhões de euros por perdas reconhecidas numa carteira predefinida de ativos, caso os rácios de capital do banco desçam abaixo de um determinado limite, lembrou a DBRS na sua análise.
No Orçamento do Estado para 2021, o Governo previa a transferência de um montante de 476 milhões de euros para o Novo Banco, através do Fundo de Resolução. Este valor seria parcialmente financiado por receitas próprias do Fundo, e também através de um empréstimo da banca ao próprio Fundo de Resolução, que está em negociação. O empréstimo dos bancos chegaria aos 275 milhões de euros.
A Caixa Geral de Depósitos (CGD) deverá ser o banco que irá fazer a maior contribuição para o empréstimo ao Fundo de Resolução. Mas tudo irá depender de haver garantias públicas a este empréstimo. Sem elas, os bancos dificilmente avançarão com a operação. “Mas os bancos poderão ainda negociar com o Banco Central Europeu um empréstimo com condições mais vantajosas, não tendo, por exemplo, implicações para os rácios dos bancos”, disse Pedro Lino, presidente-executivo da Optimize Investment Partners.
Até à data, foram injetados 2.976 milhões de euros no Novo Banco, dos quais 2.130 milhões de euros provenientes de empréstimos do Estado. Assim, segundo o contrato, poderão ser transferidos mais 900 milhões de euros nos próximos anos. Só no primeiro semestre de 2020, o Novo Banco previa que irá precisar de 176 milhões de euros de capital. O montante final será superior e ficará definido quando o ano acabar.
Incerteza política
“Há um jogo político que é perigoso. São jogos para criar pressão sobre o próprio Governo”. É assim que Pedro Lino encara a aprovação da proposta do BE. “Há a possibilidade de haver eleições antecipadas. Este acontecimento é um indicador de que não vai ser possível ao Governo gerir” um conjunto de dossiers, disse o CEO da Optimize.
Para os investidores, também é um sinal amarelo. “Este tipo de medidas não ajuda à captação de investimento estrangeiro para Portugal”, alertou Pedro Lino, acrescentando que se esta medida tivesse surgido noutra altura “seria gravíssimo para o país”. “Podíamos ter problemas para o financiamento do Estado e do setor financeiro”, avisou. Atualmente, o facto de o BCE comprar títulos de dívida no mercado cria uma almofada de proteção que “anestesia os investidores”.
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