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Um ano depois da Huawei, da Universidade de Aveiro (UA) e do Instituto de Telecomunicações (IT) terem anunciado uma parceria para a criação de um laboratório de 5G e inteligência artificial (IA), eis que o 5G+AI Networks Reliability Center (5GAIner) foi oficialmente inaugurado. O Dinheiro Vivo entrevistou Rui Aguiar, professor universitário, investigador e especialista em telecomunicações que lidera o projeto.
Que laboratório dedicado ao 5G e à IA é este, o que poderá naquele fazer?
O laboratório é muita coisa, não é só aquele espaço. Nós estamos a trabalhar no 5G há muito tempo – não é nenhuma inconfidência, neste momento já estamos a olhar para os planos no 6G, porque estas coisas das tecnologias olham-se com uma timeline de oito a dez anos. Mas o facto de estarmos a trabalhar com o 5G há tantos anos faz com que tenhamos já uma experiência muito grande numa tecnologia que ainda não há em Portugal.
Mas o que é que vai poder ser feito quando chegar?
O 5G é uma tecnologia muito plástica, porque não há um 5G, há várias formas que o 5G pode tomar. E algumas são particularmente adequadas para cenários industriais. Portanto, com base na nossa experiência europeia, começamos a compreender que havia uma necessidade de facilitar a transição digital das empresas, usando a tecnologia 5G. A transição digital está em cima da mesa, mas está a ser tratada de uma forma um pouco empolada por pessoas que não têm a tecnologia associada. Por outro lado, está a ser tratada de uma forma muito centrada nas tecnologias do passado. Pode haver uma transformação de todo o nosso ecossistema económico a partir do momento em que temos um dos tais potenciais 5G, só que as empresas têm muito pouca noção disso.
Como assim?
Quando digo que há várias possíveis visões do 5G quero dizer que saber exatamente qual é a melhor visão para as empresas não é absolutamente irreal. Posso dizer que fazer 5G numa fábrica pode significar coisas incrivelmente diferentes – e umas [visões] não vão servir para as outras.
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Está a descrever o contexto…
… E nesse contexto a inovação e a investigação já existiam, mas não tínhamos grandes condições de poder aproximar-nos daquilo que estará disponível no mercado. Isto é, já conseguimos fazer umas brincadeiras muito sérias há algum tempo, mas que não são comerciais. Há um caminho muito grande entre aquilo que [o 5G] pode fazer na parte de inovação e aquilo que depois poderá fazer, ou pode esperar-se fazer, quando se estiver a preparar um produto para o mercado. E nós não tínhamos condições de fazer isso. Esta associação [Huawei, IT e UA] permitiu capitalizar a nossa experiência de desenvolvimento fundamental e nas nossas ferramentas que temos para isso, mas complementá-las de uma forma, radicalmente, diferente com o que poderão ser as características dos potenciais serviços 5G a médio prazo. Não estou a falar do que vai aparecer agora. O que temos no laboratório é tecnologia comercial doada pela Huawei que não será comercializada no país em menos de dois anos.
De certa forma já têm acesso ao futuro.
Nós já temos acesso ao futuro [da rede 5G], a algo que os operadores não irão colocar no mercado antes de 2023. O primeiro 5G que vai ser montado – salvo se com este atraso os operadores mudarem de ideias – é o 5G non-standalone. É o 4G com rádio 5G. Não permite, realmente, fazer muitas das coisas que o 5G permitirá fazer.
Por que razão é esse tipo de 5G a chegar primeiro ao mercado?
Porque é mais barato mudar metade do sistema [de telecomunicações] de cada vez. É mais barato fazer uma evolução da rede que os operadores têm do que montar uma rede completamente nova. Nós já temos [neste laboratório] a rede completamente nova, porque a Huawei entregou-nos o que poderá ser a primeira versão que os operadores irão implementar, depois deste primeiro passo que vão dar. Isto permite que nos aproximemos das empresas e sejamos capazes de discutir o que é realista, ou não é realista. Portanto, sairemos da torre da investigação e seremos capazes de ter uma intervenção no que vai ser o tecido produtivo do país. Isto para dizer que a sua primeira pergunta estava errada quando disse ‘neste local’. Isto vai além do local.
Isso leva-me à seguinte questão: que projetos vai este laboratório desenvolver?
Neste momento, já temos uma implementação 5G numa fábrica da Bosch, em Aveiro, e já temos cobertura no Porto de Aveiro. Também queremos aumentar a cobertura de rede no Porto de Aveiro e está nos nossos planos levar o 5G também para a fábrica de Ovar da Bosch. E depois haverá outras fábricas que nós pretendemos vir a suportar com 5G. Portanto, o laboratório não esteve parado à espera da inauguração com o senhor ministro [Manuel Heitor]. Não tivemos as máquinas desligadas este tempo todo – somos engenheiros, se aquilo está lá nós brincamos com aquilo. No outro dia li que um operador nacional [a NOS] fez um acordo com uma fábrica [da Sumol+Compal de Almeirim] e disse ser aquela a primeira fábrica 5G. Fico muito satisfeito com isso, mas a primeira fábrica 5G do país é a da Bosch, em Aveiro, que tem uma prensa de sete ou dez toneladas, sensorizada, permitindo ver o que faz e qual o comportamento dinâmico da mesma usando rede 5G. Isto já está a funcionar, só não temos uma fotografia bonita no jornal com uma placa a dizer “primeira fábrica 5G”. Outro exemplo é a primeira passagem de nível 5G do país, com o apoio da Efacec: temos um comboio a aproximar-se da passagem de nível, a sinalização passa de verde para vermelho e vice-versa. Não é isto que é especial, o que há de especial é que não há ligação [física], é tudo feito por 5G. Podemos fazer a sinalização da passagem sem 5G, com todos os constrangimentos dos cabos. Mas com 5G coloca-se um sensor num lado, um controlador na cancela e não há qualquer componente física. Depois, podemos ter uma câmara na passagem de nível e transmite-se o vídeo para o maquinista – coisa que não se faz com infraestrutura de cabo por razões óbvias.
Como vai funcionar o laboratório, a sua equipa é que vai decidir por onde ir ou uma empresa poderá bater à porta e desafiá-los a desenvolver uma ideia?
Claro que temos um grupo de investigação que vai explorar o laboratório para isso. Mas é preciso pensar que este não é um brinquedo para nós, o objetivo é sermos uma estrutura de serviço à transição digital nacional e internacional. Isso implica que a nossa missão e a forma como olhamos para isto é: quando uma empresa olhar para este problema e precisar de apoio a perceber a transição digital, explorando o 5G de uma forma efetiva, a questão é como? E nós pretendemos ser uma one stop solution. Por alguma razão temos o apoio da Huawei, IT e UA. Estas três peças foram casadas de forma a conseguirmos responder às solicitações que nos têm chegado das mais diferentes empresas.
Normalmente, falamos deste tipo de projeto quando o Governo resolve financiar algo. Este projeto apareceu sem dinheiro do Governo – claro que iremos tentar, agora, o máximo de fontes de financiamento possíveis, é natural. Mas temos de agradecer à associação das três entidades, mas também à Altice que suporta as ligações de e para o laboratório a custo zero. A Bosch, graciosamente, disponibilizou a entrada na fábrica deles, o Porto de Aveiro disponibilizou a sua infraestrutura…
… Há vontade das empresas em explorar o 5G…
… Há efetivamente um interesse por parte do ecossistema nacional. E quando as empresas começam a perguntar “o que conseguimos fazer com isto [5G]” é aí que nós queremos estar. Outra coisa que – já estamos e – vamos [continuar a] fazer é divulgação de experiências que já decorrem no estrangeiro, ou seja, importar uma experiência internacional, para que as empresas não comecem do zero, de forma a poupar um ou dois anos às empresas nacionais. Como sabe estamos um bocadinho atrasados no 5G, qualquer mecanismo de aceleração que consigamos é extremamente necessário, senão vamos ficar atrasados. Isto é bocado adivinhação, mas há números que indicam que a introdução do 5G, em Portugal, vai dar qualquer coisa como 17 mil milhões de euros à nossa economia.
Mas isso com o pressuposto que há um pulo para o 5G.
Se a nossa economia não o fizer serão menos 17 mil milhões de euros, e nestas áreas tecnológicas, quanto mais lentos formos mais os outros vão estar à nossa frente e mais difícil vai ser.
Terminou recentemente o leilão do 5G. Como é que vê o setor de telecomunicações, atualmente?
Em Portugal, vivemos um problema de compreensão do que é o mercado das telecomunicações. E esse problema existe pelo facto do 5G ser uma tecnologia completamente transformativa. Com muita facilidade, neste momento, é possível advogar-se uma visão do que é o setor das telecomunicações diferente do que existia há quatro anos. Todos os atores envolvidos têm noção disto. Agora, estamos sempre a falar um pouco de futurologia porque dizer que vamos ter um setor substancialmente diferenciado face ao passado é uma questão de opinião. Entre as diferentes entidades envolvidas no processo [do leilão] há esta diferença sobre o que será, ou o que deve ser, o futuro das telecomunicações. Não é só uma questão política, é uma questão também com aspetos económicos e que tem impacto estruturante sobre toda a economia nacional. O que vai ser o setor prende-se com o que a economia – a forma como Portugal – se vai posicionar nesta plasticidade do 5G.
Mas que fase atravessa o setor?
Como país temos de ter uma atitude positiva no sentido de tentar evitar ou minimizar todos os problemas que existiam até agora. Portanto, tentar compreender como é que globalmente todos podemos caminhar para explorar o 5G numa situação em que todos ganham [economia, operadores, fabricantes, consumidor final]. E é possível fazer isso.
É isso que está a acontecer?
Há um diferencial de opiniões muito forte dentro do setor. Tenho esperanças que esse diferencial se vá atenuando nos próximos meses.
Já li que há quem considera o 5G uma oportunidade perdida devido ao atraso do leilão…
Ui! Estamos muito longe disso.
Mas acha que o setor vai aproveitar a oportunidade ou, de facto, o famoso atraso é irrecuperável?
Gosta de Fórmula 1?
Gosto.
No último fim de semana [dias 13 a 14, no Grande Prémio de São Paulo], numa sprint race, Lewis Hamilton partiu do último lugar e terminou em quinto. Mas teve uma segunda penalização e partiu na corrida final em décimo e ganhou-a. Isto para dizer que quando digo que o 5G é muito plástico, ou seja, é uma tecnologia ainda em evolução. O 5G vai ter sucessivas versões até 2030.
Onde é que estamos mais atrasados?
No primeiro passo, mas o primeiro passo é o mais fácil. É o menos disruptivo – o tal 5G com 4G. É basicamente uma internet mais rápida.
É uma questão de velocidade.
Embora a velocidade seja importante, porque já se pode fazer muitas outras coisas. Mas o 5G é muito mais que isso e não é só a parte da velocidade. E a parte que não é velocidade não é agora, vem a seguir.
O país, que em muitas dimensões se debate com assimetrias, está preparado, tem infraestruturas para receber o primeiro passo do 5G?
Costuma ir para o interior do Alentejo ou para Trás-os-Montes, tem lá 4G?
Não tenho.
Porque é que se acha que só por lhe chamarmos 5G ia passar a haver rede? Há alguma razão pela qual aquilo [a rede 4G] não existe [nas referidas regiões].
O que os operadores dizem é que algumas regiões do interior não são rentáveis, do ponto de vista do negócio. Por isso, dizem que não se justifica o investimento em áreas onde a procura pela rede não se justifica.
É verdade, é mesmo verdade. E não tem nada a ver com os operadores portugueses. O problema que acabou de levantar surge também em todos os outros países. Há certas zonas da Alemanha em que tenho menos qualidade de rede do que a que tenho em Portugal. Se pensarmos que o 2G cobre o país todo, o 3G cobre 80% e o 4G chega a 60% – estamos a falar em termos de áreas de cobertura. Os números não são precisos, é uma ilustração. Porque é que o 5G deveria cobrir mais do que 60%? Vai cobrir é menos. O 5G é de tal forma plástico que a rede até poderá chegar a mais áreas, mas será um 5G de muito baixa velocidade – e não é disso que estamos a falar quando falamos de 5G. O problema da divisão digital é grave na Europa, em geral, e em Portugal não é diferente. Assiste-se é, de forma geral, a uma maior concentração das pessoas nas cidades deixando o interior com muito menos população. O resultado final é que os operadores não investem porque não têm clientes lá que o justifique. Uma rede – qualquer que seja – é cara. Podemos é discutir se os operadores estão a ganhar dinheiro suficiente ou se querem ganhar muito mais, mas essa discussão ocorre em todas as áreas.
Mas transformar digitalmente o país não passa também por ter todo o território preparado?
E tanto quanto sei o Governo está a preparar uma iniciativa para cobrir as zonas não privilegiadas, além de que o caderno de encargos do leilão já tinha algumas linhas que começavam a colmatar a questão da cobertura e da divisão digital. E há obrigações impostas aos operadores relativamente a isso. Diria que quer nessas obrigações, quer num conjunto de iniciativas [do Governo] – não tenho os dados – parece-me que esse é um assunto em cima da mesa que está a ser analisado, felizmente.
Sobre o resultado do leilão do 5G, parece-lhe que o espetro que estava disponível ficou bem dividido entre os operadores?
Não vi nada que impedisse os incumbentes [Altice, NOS e Vodafone] de continuarem a ser operadores muito fortes no futuro. Quanto aos novos operadores, é preciso compreender qual vai ser o modelo de negócio deles, porque o 5G dá para muita coisa, quer para seguirem o estilo dos que já existem, quer para serem profundamente diferenciados.
Entre os que não têm atividade, a Dense Air fez saber já que vai ser um operador grossista, focada na densificação da rede.
A Dense Air quando diz que vai ser grossista surge a questão ‘qual é o ecossistema a que nos adaptamos?’. Dizer que vamos trabalhar para o consumidor final é fácil – todos nós somos consumidores e há uma ideia do que vai ser. Mas se disser que vou trabalhar business to business [para empresas]… Ok, ‘eu vou vender, mas quem é que vão ser os meus clientes?’. É isso que vai afetar as vendas, a forma como se vende. Ora, isso faz parte de todo o processo de mudança estrutural do ecossistema a que vamos assistir. As visões quanto a isso são as que mais afastam os players nacionais no assunto. Não é muito fácil saber qual é que vai ser, como é que vai ser. E pessoas diferentes têm visões diferentes, inclusive em termos económicos do que pode ou não ser feito.
Nesta questão do 5G, Portugal tem capacidade para assumir um papel geoestratégico importante nas telecomunicações, tendo em conta os cabos submarinos intercontinentais que passam por Portugal?
Há vários cabos intercontinentais a amarar em Portugal. Isso dá-nos uma vantagem estrutural porque é o primeiro sítio onde batem à porta. Sim, Portugal tem a possibilidade de ter um papel a esse nível, mas é um papel à nossa dimensão. Há um conjunto de coisas que podemos ambicionar que tem de ser relativo. Somos muito bons para a nossa dimensão e, nesse contexto, temos condições. Mas temos de ser realistas.
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