“Todos somos poucos” para assegurar uma Saúde de qualidade aos portugueses, é preciso reforçar o investimento sem ficar preso a ideologias, temos de nos unir pelo bem comum, em vez de discutir sobre questões ideológicas e “ninguém deve ficar afastado deste esforço comum de colocar as pessoas no centro dos cuidados de saúde, sem preconceitos”.
Duro mas certeiro, abrangente e tocando todas as feridas que se foram abrindo nos últimos anos, o discurso com o qual Salvador de Mello encerrou hoje na Nova de Lisboa o debate sobre a Saúde, Prioridade da Legislatura constitui um diagnóstico certeiro do estado do setor e das reais prioridades que têm de ser atacadas, sob pena de se destruir o sistema que garante a saúde dos portugueses.
E não esquece um dos temas que mais tem ocupado este governo, sublinhando mesmo que contar menos com o setor privado e social, sujeitando o país a uma Lei de Bases que sentencia as Parcerias Público-Privadas (PPP) e o setor social ao afastamento e morte, vai contribuir para piorar ainda mais o que já vai mal na saúde.
“Este é o tempo certo para o reforço do investimento, em geral, na área da Saúde – seja o investimento público ou privado – e é também o tempo para uma aposta decisiva na capacidade de gestão e de administração das unidades de saúde e em novos instrumentos que descentralizem a decisão e promovam a ação e a responsabilização”, afirmou o presidente da José de Mello Saúde, aqui discursando perante gestores hospitalares do setor público e do privado, farmacêuticas, bastonários e até deputados, enquanto presidente do Health Cluster Portugal.
Dirigindo-se a prestadores de Saúde mas também “políticos, empresários, gestores e especialistas nesta área, assim como a todos os profissionais do setor”, Salvador de Mello focou toda a sua intervenção precisamente na urgência de entender que todos têm de trabalhar em conjunto. “Se existe uma questão que nos deve unir é a de podermos proporcionar um acesso universal aos cuidados de Saúde, com uma prática médica aliada a uma investigação clínica virada para as doenças do presente e do futuro, com uma exigência permanente de procura da excelência.” O que obriga a ultrapassar limitações e obstáculos que são reconhecidos por todos e que afetam sobretudo os mais desprotegidos, sublinhou, referindo-se a uma população cada vez mais envelhecida e muitas vezes empobrecida.
A desigualdade no acesso aos cuidados de saúde, esta manhã referida pelo presidente do Health Cluster Portugal, foi um dos temas de preocupação sobre os quais se debruçou o relatório da primavera do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, onde se salientava que “o SNS está pior porque a procura é muito superior à sua capacidade de resposta”, as listas de espera aumentam em número e tempo porque o aumento de diagnósticos não é acompanhado pelo número crescente de médicos e capacidade, os hospitais, sobretudo os de serviço diferenciado, são poucos e estão ultrapassados.
Salvador de Mello citou ainda outros relatórios, incluindo o da Organização Mundial de Saúde sobre a equidade na saúde (que conclui que Portugal é um de quatro entre 34 países onde a despesa em saúde pública caiu desde 2000) e o Health at a Glance 2019 da OCDE (que deixa igualmente alertas sobre dificuldades no acesso aos cuidados de saúde e ao deficiente investimento público na saúde), para traçar um cenário ofuscado por nuvens negras.
Subfinanciamento, morte das PPP e ventos políticos
“As medidas que têm sido adotadas não ajudam a resolver o problema de subfinanciamento crónico. Bem pelo contrário. Medidas como a morte anunciada das Parcerias Público-Privadas ou a redução do recurso à iniciativa privada e ao setor social na prestação de cuidados, como prevê a nova Lei de Bases da Saúde, apenas aumentam a despesa e reduzem os recursos disponíveis”, sublinhou, destacando a urgência de se apostar num sistema de saúde “com maior qualidade, centrado no doente e nas suas necessidades”.
É tendo em conta o diagnóstico apresentado que Salvador de Mello considera essencial a transição de uma saúde “que está hoje focada no diagnóstico e no tratamento casuístico para uma outra, virada para a prevenção, assente no conceito de value based healthcare e de corresponsabilização do cidadão”, numa altura em que lidamos com uma sociedade envelhecida, sedentária e em que a doença crónica cresce. A ideia defendida pelo líder do Health Cluster segue a tendência internacional de “se caminhar para modelos de financiamento e de pagamento baseados nos resultados e na qualidade de vida do doente”, antecipando-se que o novo paradigma serve ainda o objetivo de reduzir cirurgias e consultas.
“Por tudo isto, é prioritário termos um Serviço Nacional de Saúde com um propósito, uma estratégia definida a médio e longo prazo, que não resulte de decisões conjunturais, navegando sem bússola, ao sabor dos ventos políticos e das mudanças de governo”, concluiu o responsável, garantindo que o pólo de competitividade da Saúde, o Health Cluster Portugal, vai continuar a trabalhar para que o setor seja “cada vez mais um motor do desenvolvimento económico”.
A Saúde representa hoje para o país um volume de negócios anual na ordem dos 27 mil milhões de euros e um valor acrescentado bruto de cerca de 8,7 mil milhões, números avançados pelo presidente do Health Cluster Portugal, que acrescenta que há perto de 89 mil empresas e 279 mil trabalhadores na área, com as exportações portuguesas de bens de saúde a atingir, em 2018, os 1 291 milhões de euros, mais do que duplicando o valor de há uma década. “A Saúde representa hoje 27% da produção científica total de Portugal, sendo a área em que o país mais publica, e o número de novos doutoramentos ultrapassa os 600 por ano, estimando-se que cerca de metade dos doutorados a trabalhar em empresas em Portugal fazem-no na área da Saúde.”
O investimento em I&D nesta área atingiu, em 2017, os 462 milhões de euros, e o setor representa 10,5% do total de investimento empresarial em I&D em Portugal, tendo o país uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil do mundo e estando “no grupo da frente dos países com maior esperança média de vida à nascença”.
“Mas os números só têm verdadeira importância enquanto servirem Portugal e os portugueses”, lembrou Salvador de Mello, apelando por fim à urgência de um “Acordo Nacional para a Saúde em Portugal, que tenha a capacidade de olhar para o sistema como um todo, com valor económico e social, e que consiga aproveitar e gerir com eficácia toda a capacidade instalada e todos os recursos disponíveis, no público, como no privado e no setor social”.
Deixe um comentário