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A Secil está a investir 86 milhões de euros para modernizar a sua fábrica do Outão, em Setúbal, para a transformar na cimenteira “mais sustentável da Europa”. Uma alteração que lhe permitirá reduzir em 20% as emissões de CO2 e aumentar em igual percentagem a eficiência energética. A recuperação de calor “perdido” no forno vai ainda permitir gerar 30% das necessidades de energia elétrica da fábrica. “Temos a ambição de atingir a neutralidade carbónica em 2050 e este projeto é um passo nesse sentido. Outros se seguirão”, diz Carlos Abreu, administrador da Secil.
O investimento, classificado de PIN-Projeto de Interesse Nacional pela AICEP, foi financiado em cerca de 14,5 milhões de euros pelo Portugal2020 e está já em marcha. Entrará em funcionamento a 1 de novembro de 2022. “A Secil foi aqui uma empresa bem corajosa. O projeto foi decidido em 2019, quando a pandemia estava para ser anunciada, e muita gente recuou nos seus investimentos. Nós mantivemo-lo, apesar de sabermos que a pandemia ia ser – e está a ser – muito difícil, mas acreditamos que não tínhamos outra alternativa”, defende Carlos Abreu.
Patentes registadas
O projeto, denominado de Clean Cement Line, tem a particularidade de “juntar tecnologias maduras com outras que não existiam ou estavam ainda num nível de evolução muito baixo”, resultando no desenvolvimento de sete novas patentes, cinco das quais estão já registadas – e, destas, três foram concedidas. Destaque, entre outras inovações, para o uso de um novo combustível, o Energreen, um biofuel que resulta da liquefação de combustível derivado de resíduos, patenteado pela Secil. A fábrica deixará de usar combustíveis fósseis. Outra das inovações em causa, desenvolvida em parceria com outra empresa portuguesa, é o combustion boost, um sistema de células de combustível com injeção pulsada de gás de Brown, uma mistura de hidrogénio e oxigénio, para acelerar e melhorar as condições de queima de combustível, melhorando a eficiência energética do processo.
A intervenção vai permitir reduzir em cerca de 30% os custos variáveis da fábrica do Outão e, ao mesmo tempo, aumentar a sua produtividade, passando de um milhão de toneladas de produção de clinquer (cimento numa fase básica do fabrico) para 1,3 milhões de toneladas ao ano.
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I&D reforçado
Quanto aos postos de trabalho, e ao contrário do que é habitual em intervenção de modernização, que acabam muitas vezes por levar a uma diminuição do número de colaboradores, este projeto prevê não só a manutenção geral dos 286 empregos, como a criação de uma dezena de novos postos “com um perfil de alta capacitação”, ligados à investigação e desenvolvimento no Centro Técnico da Secil.
Além disso, este investimento terá um forte impacto no emprego local, já que é estimado que leve a um pico superior a 500 trabalhadores durante a fase de construção e montagem de equipamentos.
Com oito fábricas em cinco países distintos – Portugal, Tunísia, Líbano, Angola e Brasil – , a Secil dá emprego a mais de 2600 trabalhadores e fechou 2020 com 451 milhões de euros de volume de negócios, cerca de 12% abaixo do ano anterior. Só em Portugal, a Secil tem três fábricas. Sobre o alargamento destas novas tecnologias às outras unidades, Carlos Abreu admite que o mundo a várias velocidades no que ao ambiente diz respeito “é um problema sério”.
“Não temos forma de agarrar neste projeto e colocá-lo de imediato nos outros países onde estamos porque a valorização do CO2 nesses mercados ainda não existe. A Europa tem vindo a liderar, em termos planetários, esta necessidade de todos os países terem as mesmas regras ambientais, mas esse é um processo que ainda está em andamento, e atrás de um problema ambiental está sempre um problema económico”, sublinha.
Entretanto, a empresa vai já trabalhando ao nível dos combustíveis alternativos em todas as geografias. E acredita que, com o tempo, a situação vai mudar. O facto de a Europa pretender colocar barreiras aos produtos que chegam ao seu espaço comum sem que tenham a mesma pegada ambiental dos que cá são produzidos é visto como uma forma de equilibrar uma competição que “não é justa”. A questão a saber é se haverá força para impor essas regras ao nível da Organização Mundial do Comércio. “Os blocos asiático e americano nem sempre estão para aí virado, mas o caminho faz-se caminhando. E havemos de lá chegar”, defende Carlos Abreu.
Comércio de Emissões
Sobre o recente relatório da Carbon Market Watch, que acusou as indústrias de uso intensivo de energia na Europa de ganharem 50 mil milhões de euros com a venda de licenças de emissão de gases atribuídas gratuitamente, o gestor garante que as vendas não chegaram para cobrir os investimentos. “O comércio de emissões foi criado como um mecanismo eficiente de redução das emissões e cujo preço objetivo do CO2 seria de 20 euros a tonelada, o que permitiria às empresas, à medida que reduziam as suas emissões, poderem compensar os investimentos realizados através da venda das emissões reduzidas ou que as guardassem à medida que as várias fases do sistema fossem reduzindo os direitos de emissão, para as poderem usar para produzir. Mas o valor médio do comércio de emissões durante estes 15 anos foi de cerca de 10 euros a tonelada e não os 20 previstos. Todas as vendas que foram feitas nos últimos 15 anos, não foram suficientes para fazer o offset dos investimentos”, sustenta, sublinhando que os valores em causa, no caso da Secil, foram inferior aos 102 milhões indicados pelo estudo.
No mesmo relatório, que em Portugal foi apresentado pela Zero, estas organizações defendem que haja uma correção do mercado e que as empresas “têm de pagar por toda a poluição que geram”. Carlos Abreu lembra que a Europa montou um sistema para que os preços dos produtos não subissem, sem o qual “os preços teriam subido imediatamente”. Da forma que foi montado, permitiu que a subida “fosse gradual” e que as empresas e os mercados se adaptem ao longo das quatro fases do ETS (Sistema de Comércio de Emissões). “Em janeiro de 2031 está previsto que as alocações gratuitas acabem. Os direitos têm vindo a ser reduzidos em todos os setores e em alguns setores já não há direitos gratuitos. Foi o sistema que foi escolhido pela união europeia e comparando com outros a nível mundial parece ter resultado melhor do que os outros”, argumenta.
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