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Assumiu os comandos do Novo Banco a 1 de agosto de 2016. Na altura, António Ramalho pensava que ia liderar o destino do banco que nasceu após a resolução do BES durante seis meses. Acabou por ficar seis anos. Durante este caminho preparou a venda da instituição à Lone Star, implementou um plano de reestruturação para viabilizar o banco que acumulava prejuízos de quase 800 milhões de euros e foi a cara de várias polémicas motivadas pelas várias injeções de capital com dinheiro dos contribuintes, conflitos com o Governo e Fundo de Resolução e alegadas relações com alguns devedores. No próximo dia 1 de agosto, prestes a fazer 63 anos, vai deixar a liderança do banco com sentido de dever cumprido.
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“Durante estes 6 anos foi importante executar sem ceder a pressões um plano de sobrevivência, primeiro, e um plano de reestruturação depois”, disse António Ramalho em declarações ao Dinheiro Vivo. Olhando para trás, o gestor considera que “o resultado foi preservar um banco fundamental para as famílias e as empresas portuguesas. E isso foi e está assegurado”, acrescentou o gestor que irá permanecer como consultor do banco.
António Ramalho refere com frequência que o mercado tem atração por ele em períodos de crise. Já assim tinha sido em 1993 quando assumiu cargos de administração no Sotto Mayor, após a primeira privatização ter falhado, e em 2010 no BCP quando o país enfrentava uma das piores crises financeiras. Esse currículo terá sido um dos fatores que terá pesado na sua escolha para liderar o Novo Banco, sucedendo a Eduardo Stock da Cunha. E, apesar de todas as polémicas, o gestor tem alguns marcos para mostrar. Foi com ele que o Novo Banco foi vendido ao fundo americano da Lone Star, em 2017 e limpou os ativos tóxicos herdados do BES, desfazendo-se de crédito malparado e imóveis. O reverso da medalha é que isto foi feito a somar prejuízos e a pedir capital ao Fundo de Resolução. Estas vendas com desconto e as sucessivas chamadas de capital geraram fortes críticas de vários quadrantes políticos. Foi realizada uma comissão de inquérito e várias auditorias cujas conclusões nunca foram abonatórias para o Novo Banco. E as críticas subiram de tom quando o banco anunciou que ia distribuir prémios aos gestores.
Outra das polémicas que marcou a caminhada de António Ramalho no Novo Banco foi a sua alegada ligação a Luís Filipe Vieira, um dos maiores devedores do banco. O anúncio da saída do gestor a meio do atual mandato aconteceu numa altura em que o Banco Central Europeu (BCE) avaliava a sua idoneidade, após as notícias sobre a Operação Cartão Vermelho, investigação levada a cabo pelo Ministério Público sobre as relações do antigo presidente do Benfica com a banca. António Ramalho sempre se mostrou tranquilo com as escutas, refutando quaisquer ligações ao ex-presidente do Benfica, e a auditoria interna pedida pela acionista Lone Star conclui que o gestor agiu com “total integridade”.
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A reestruturação feita no banco foi profunda. Quando António Ramalho assumiu as rédeas da instituição, o malparado era superior a 11,2 mil milhões de euros. No final de 2021 o número foi de 1,7 mil milhões de euros. Uma evolução que tem sido destacada pelas agências de rating. “O Novo Banco tem feito progressos significativos na redução do seu stock de crédito malparado (NPLs)” e outros ativos herdados, “bem como na racionalização da sua estrutura operacional”, explicou Nicola De Car, ao Dinheiro Vivo. O analista da área de Global Financial Institutions da DBRS Morningstar sublinhou ainda que “o desempenho do banco em 2021 foi melhor do que o previsto anteriormente e, pela primeira vez desde a sua criação, foi lucrativo durante o exercício completo de 2021”. No entanto, alerta que nem todos os indicadores merecem nota positiva. “Os ratings continuam a refletir o ainda grande stock de empréstimos vencidos e os rácios de capital modestos”, apontou Nicola De Car. Além disso, para cumprir com as metas de Bruxelas, em seis anos o banco fechou 226 balcões, reduziu em 1903 o quadro de pessoal, vendeu subsidiárias internacionais, como em Espanha.
Após esse plano doloroso, o banco aparenta ter alcançado um caminho sustentável de rentabilidade. Os últimos seis trimestres positivos são uma das principais bandeiras do mandato de António Ramalho. Quando se sentou na cadeira de CEO, a instituição financeira estava com prejuízos de 788 milhões de euros. Um resultado que foi invertido em 2021, com lucros de 184,5 milhões. Depois de fechar o primeiro trimestre com lucros de 142,7 milhões de euros, as estimativas do mercado é que o trajeto se mantenha. Mas continua a pairar a nuvem sobre o pagamento da injeção de mais 209 milhões de euros solicitada ao Fundo de Resolução, apesar dos resultados positivos de 2021. O Novo Banco justificou a necessidade de injeção de capital com o impacto do novo regime de contabilidade e, sobretudo, com uma contingência relacionada com a tributação dos seus imóveis.
A nova era
Mark Bourke é o homem que se segue na liderança do banco. Pela frente terá o desfecho de processos importantes, como a eventual venda do banco, direta ou através de dispersão do capital em bolsa, após a conclusão do plano de reestruturação. Este último dossiê passará para as mãos do atual administrador financeiro, que integra os quadros do Novo Banco desde 2019, uma vez que ainda aguarda “luz verde” de Bruxelas e segundo o Tribunal de Contas o prazo poderá derrapar uma vez que “não atingiu os níveis de rendibilidade estabelecidos”.
O antigo administrador financeiro do Allied Irish Banks (AIB) ficará também a conduzir os processos relacionados com as injeções de capital e todas as temáticas que necessitem de passar pelas Finanças. E a avaliar, pelos recentes comentários do antigo ministro da tutela, a mudança poderá resultar numa descida na aparente tensão entre todas estas entidades. Numa entrevista recente ao Público, João Leão revelou que António Ramalho “nem sempre tinha uma atitude fácil de dialogar e de comunicar”. E considerou que, de alguma forma, “a saída dele ajuda nos desafios que agora o Novo Banco enfrenta”.
No geral, a mudança de cadeiras é vista como um processo de continuidade. “O novo CEO, Mark Bourke, que é o CFO do Novo Banco, garante o alinhamento com o plano estratégico de médio prazo recentemente aprovado”, apontou Nicola de Car. O analista destacou ainda a experiência do novo CEO no setor e na recuperação de créditos: “Desempenhou um papel fundamental na execução do plano de reestruturação e redução de NPL do Novobanco”. Por isso, as expectativas são que a nova equipa de gestão e “a nova estrutura organizacional, que inclui um novo cargo executivo do CCO (chief credit officer), continuem a trabalhar para cumprir as metas estabelecidas”, concluiu.
A pesada fatura da resolução
A passagem de testemunhos na liderança do Novo Banco acontece na mesma semana em que se completam oito anos da resolução do BES. Foi a 3 de 2014, um domingo que ficou para a história da banca, que o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, anuncia que o banco criado por Ricardo Salgado ia ser dividido em duas partes: numa boa (que toma a designação de Novo Banco) e numa má, no âmbito da medida de resolução.
A conclusão deste processo foi feita com o apoio dos contribuintes. Até ao momento, o Novo Banco recebeu cerca de 3,4 mil milhões de euros do Fundo de Resolução (FdR) ao abrigo do mecanismo de capital contingente, criado em 2017 para vender o banco à Lone Star e proteger esta entidade de perdas relacionadas com ativos tóxicos herdados do BES. A este valor acrescem os 4,9 mil milhões de euros de capitalização inicial do Novo Banco. Fazendo a soma, até agora a resolução custou 8,3 mil milhões de euros. E a fatura ainda pode aumentar. O teto máximo da solução do mecanismo de capital contingente é de 3,89 mil milhões de euros e o Tribunal de Contas já deixou o aviso que, se tudo correr mal, poderá existir uma nova injeção de até 1,6 mil milhões de euros.
Oito anos depois, o que mudou? Aprendeu-se com os erros do passado? Para Filipe Garcia, este caso levou a que caíssem “alguns mitos como o da infabilidade dos grandes bancos” e “foi importante e positivo impedir, tanto quanto possível, uma situação de “moral hazard” em que os responsáveis pelos erros cometidos saíssem incólumes”, comentou o economista da IMF.
Quanto às lições aprendidas pela banca, aponta que as maiores mudanças “residiram nas alterações de procedimentos da banca, que em grande medida foram impostos pelo BCE. Há, por exemplo, muito mais transparência na relação entre banca e clientes, sobretudo no que toca aos produtos de poupança e investimento e as regras de afetação de capital e registo de imparidades obrigam a uma maior disciplina e transparência na concessão de crédito”. No entanto, o economista adverte que o “modelo escolhido – resolução com os custos a caírem no setor – foi experimental e não foi mais usado na UE, o que penso que falará por si”.
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