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Os dois primeiros dias da 92.ª edição da Micam, a maior feira de calçado do mundo, em Milão, foram marcados por longas filas para entrar no parque de exposições. É certo que a necessidade de confirmar, um a um, a conformidade dos green pass, os certificados de vacinação ou de recuperação da covid, não ajudou, mas também é verdade que houve mais visitantes na feira do que os esperados. No total foram mais de 22 mil, cerca de metade dos habituais, mas um número interessante atendendo ao contexto atual. O que deu novo alento aos empresários. “Terminámos a Micam com um sentimento de missão cumprida, de ânimo renovado e de esperança que a recuperação internacional do setor chegue mais cedo do que o esperado”, afirma Paulo Gonçalves, diretor de comunicação da APICCAPS – Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos.
A comitiva de empresários na Micam foi, este ano, diminuta, com apenas 34 expositores, pouco mais de um terço dos habituais, mas a própria feira também ficou muito aquém, com apenas 652 stands, 390 dos quais italianos. Ainda assim, houve quem se atrevesse a procurar novos mercados e novos clientes pela primeira vez nesta grande montra do calçado mundial. Foi o caso da marca de acessórios My Cute Pooch e da Hugo Manuel, vocacionada para o calçado clássico de homem. E ambas estão muito satisfeitas com a aposta.
Inspiração animal
Logo no primeiro dia na feira, a My Cute Pooch, marca de carteiras e acessórios produzida com matérias-primas sintéticas, 100% recicladas, assegurou encomendas para Itália, a que se seguiram, a Bulgária e a Roménia.
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A marca, produzida a partir das sobras de produção da Bolflex – a empresa de solas altamente inovadora, que incorpora resíduos vários, desde borras de café, pneus e até resíduos de madeira para criar a borracha ecológica que batizou de e-rubber e que tem sido um sucesso no mercado – nasceu em abril de 2019 e começou por vender online. Agora, está já presente em praticamente todas as cidades do norte de Portugal, além de ser vendida em 10 espaços multimarca em Espanha e três em França. E está em conversações com clientes da Grécia, do Canadá e do Dubai, entre outros.
E é precisamente a pensar no Dubai que a fundadora da My Cute Pooch – nome que remete para o buldogue francês de Mara Ferreira, chamado Pooch, e que inspira alguns dos acessórios das carteiras, lembrando vagamente a forma da orelha destes cães – acaba de apresentar na Micam a sua nova linha premium, Preciosa, que combina as carteiras com joias banhadas a ouro. A marca está ainda em conversações com o El Corte Inglès.
Uma carteira My Cute Pooch, que é além do mais certificada pela PETA – People for the Ethical Treatment of Animals, maior organização de direitos dos animais -, custa em média 120 a 200 euros. A nova linha, com peças únicas feitas à mão e banhadas a ouro, ronda os 1500 euros.
Mara Ferreira ambiciona fechar 2021 com vendas de 1 milhão de euros. Nascida como marca de carteiras, está já a diversificar a produção. A coleção de verão inclui 12 modelos de chinelos e a de inverno vai contar com sneakers.
Aposta nos clássicos
Também a Hugo Manuel, marca da felgueirense Hupa Shoes, Lda, e com 40 anos de experiência no calçado clássico de homem, esteve em Milão para dar a conhecer a aposta em novos segmentos de produto, como os sneakers ou os sapatos clássicos mais modernos e confortáveis. “Tudo está a mudar e nós também precisamos de mudar e é nos períodos de dificuldades que devemos apostar em sermos diferentes”, diz Alexandre Santos, designer da empresa.
Mariano regressa a Milão
De volta à Micam, onde era presença habitual no início do milénio, esteve a Mariano. A marca tem quase 80 anos de experiência na produção de calçado clássico de homem – era especialmente apreciada por alguns nomes sonantes da política portuguesa -, e ganhou nova vida ao ser comprada, em 2019, por Fernando Neves de Almeida, criador da Neves de Almeida, que opera na área dos serviços e dos recursos humanos, um amante de sapatos e apreciador da Mariano. A marca é agora pertença da AllAroundShoes – Calçado, Lda, de São João da Madeira, e sofreu duramente com a pandemia dado que, sem histórico anterior à pandemia, não pôde candidatar-se aos apoios no âmbito da covid-19. “Tivemos que ultrapassar tudo, a pulso, com o investimento dos nossos acionistas”, diz Fátima Oliveira, diretora executiva da empresa.
Com presença já em alguns espaços multimarca no país, designadamente em Lisboa, Porto e Braga, a Mariano abriu, em maio último, a sua primeira loja própria, na Avenida Castilho, em Lisboa. E está já a negociar um espaço, junto à Igreja dos Clérigos, no Porto, que espera ainda abrir este ano. E tem em vista investimento similar no Funchal.
Parceria com Miguel Vieira
Para já, está a recomeçar a sua abordagem aos mercados internacionais, tendo garantido encomendas para Itália, França e Mónaco. A coleção feminina, “muito irreverente”, designadamente nas mules, com um pé diferente do outro, foi “extremamente bem recebida” e está a gerar um grande otimismo na empresa. Além disso, está a apostar em parcerias estratégicas, como é o caso de Miguel Vieira, marca que produz e comercializa. E está já a desenvolver um projeto com uma startup americana que vai lançar uma marca nova, produzida em São João da Madeira.
“O private label adiciona-nos alguma margem, mesmo que mais pequena, e ocupa-nos capacidade de produção, e temos todo o gosto em fazê-lo. Mas o nosso objetivo é trabalhar e desenvolver a nossa marca e, por isso, investimos tanto em marketing digital”, diz Fátima Oliveira.
Apesar da pandemia, a empresa não só não despediu ninguém, como ainda reforçou os seus quadros, designadamente por causa da abertura da loja em Lisboa. Conta agora com 22 trabalhadores. A responsável está animada quanto ao futuro: “Já se sente que as coisas estão a mexer, sente-se mais confiança por parte dos lojistas e o ambiente depressivo e negro começou a levantar”.
Lado a lado com a Mariano esteve Miguel Vieira a apresentar a sua mais recente coleção. E apesar da grande satisfação pelo regresso aos eventos físicos – durante o último ano e meio não deixou de fazer desfiles, mas foram todos virtuais – o criador não esconde o seu desagrado pelas escolhas dos organizadores da feira que incluíram no pavilhão 1, afetos às marcas premium, alguns expositores que, no seu entender, não fazem qualquer sentido num pavilhão de luxo. “Este pavilhão, um bocado seletivo e difícil de entrar, parece-me que não foi bem desenhado nesta edição e com pouca afluência”, argumenta.
Além disso, lamenta que a delegação portuguesa na feira tenha sido, este ano, tão diminuta e deixou uma crítica velada, sem nunca nomear ninguém, mas que se aplica tanto a Luís Onofre, por não ter expositor próprio este ano, como a todos os outros que não foram a Milão. “Numa feira deste género tem de haver um esforço da comunidade empresarial para garantir uma boa representação que dignifique a indústria. As pessoas têm que se saber reinventar, com stands mais pequenos, mas têm de estar presentes. Senão não dão força ao país nem motivação às outras empresas”, defende. Miguel Vieira sai de Milão satisfeito: “Valeu a pena, claro que valeu. Neste momento, é uma grande satisfação já podermos estar com as pessoas”, defende.
A jornalista viajou a convite da APICCAPS
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