“É um filme de terror. Nunca pensamos que a Órbita acabasse assim”. Quem o diz é Vítor Santos, ex-trabalhador da Miralago, a casa-mãe da empresa de bicicletas de Águeda, onde chegou a cumprir 42 anos de casa. Foi um dos 50 trabalhadores que já em abril rescindiu contrato por justa causa, ao acumular três meses de salários por pagar. Uma situação inédita, garante, durante os mais de 40 anos em que trabalhou para o fundador, Aurélio Ferreira e o irmão, Manuel: “Nunca, mas rigorosamente nunca, houve qualquer atraso nos pagamentos”, garante.
A Órbita nasceu em 1971, pela mão de dois fabricantes de componentes para bicicletas, a Miralago e a Macal, a que se juntou a Sociedade Comercial do Vouga. O objetivo era simples e ousado: produzir a bicicleta completa e liderar o mercado. E poucos serão os portugueses que não tiveram uma Órbita. A marca ganhou dimensão internacional e exportou para toda a Europa, bem como Angola e Moçambique, Argélia e Marrocos.
O negócio da mobilidade sustentável surge, pela primeira vez, em 2007, com um contrato de mais de 20 mil bicicletas para a rede de bike sharing de Paris. Em 2011, surgiram as primeiras bicicletas elétricas no projeto piloto BeÁgueda, em parceria com a autarquia local e, em 2016, ganhou o concurso público para o sistema de bicicletas partilhadas de Lisboa, um contrato de 23 milhões de euros para instalar 140 estações com 1.410 bicicletas, dois terços das quais elétricas. A candidatura começou a ser ainda preparada pelo fundador Aurélio Ferreira, mas que viria a ser concretizada já pelos novos proprietários, Jorge Santiago e Nuno Silva, que iniciaram funções a 4 de setembro de 2015.
Quando Jorge Santiago e o sócio chegaram, o grupo tinha 130 funcionários. O contrato com a EMEL e a internacionalização deram o boost necessário para crescer. Em 2016 a empresa tinha crescido 17%, contava já com 148 trabalhadores e tinha o objetivo de crescer 50% produzindo mais de 35 mil bicicletas. Mas foi aí que as dificuldades começaram. “Em dezembro de 2017 pagaram o salário, pela primeira vez, a dia 11 ou 12 e só depois de uma reunião dos empregados”, diz João Baptista, recém-reformado. Trabalhava na área de desenvolvimento da Miralago. “Cheguei a começar quatro e cinco protótipos ao mesmo tempo e chegámos a fazer remessas inteiras manuais, para satisfazer encomendas. Com os novos patrões começou a escassear e nós andávamos por ali sem fazer nadinha”, garante.
Em 2018, acumulam-se as queixas dos utentes em Lisboa sobre a falta de bicicletas e a EMEL vai apontando baterias à Órbita. A empresa municipal lisboeta rescindiu o contrato, por incumprimento, e o lançamento de novo concurso para a ampliação da rede e reclama 4,6 milhões de euros de indemnização à Órbita. Uma notícia que chegou uma semana depois dos trabalhadores rescindirem os contratos por falta de pagamento.
Do lado da Miralago/Órbita o silêncio foi quebrado por comunicado, dando conta da disponibilidade da empresa “em cumprir o contrato com a EMEL, bem como os compromissos” com os seus clientes. Ao Dinheiro Vivo, Jorge Santiago negou a versão do sindicato, segundo o qual a empresa já não teria meios para operar, mas os ex-trabalhadores corroboram o pior cenário. O Dinheiro Vivo tentou visitar a fábrica e falar pessoalmente com Jorge Santiago, mas sem sucesso.
Ao Dinheiro Vivo, o ex-fundador recusou falar do tema: “Sei que a empresa está em dificuldades, mas quando a deixei estava bem. Tínhamos sempre cinco mil bicicletas em stock e outras tantas em peças. Só tenho pena que as grandes vítimas sejam os empregados”, diz Aurélio Ferreira. “É uma pena, não há ninguém que não tenha tido uma Órbita em Portugal”.
Jorge Santiago e o sócio tentam, há algum tempo, encontrar um novo acionista. A capital de risco de Martim Avillez, a Core Capital Partners, foi uma das alternativas procuradas. Martim Avillez não fala especificamente da situação da Órbita, invocando contratos de confidencialidade, referindo apenas que a Core já analisou 108 empresas desde agosto, muitas das quais com uma “situação catastrófica” a nível de tesouraria e de fundo de maneio. Já o presidente da ABIMOTO – Associação Nacional das Indústrias de Duas Rodas, Ferragens, Mobiliário e Afins garante que este é um problema pontual da Órbita e não do sector, que atravessa “um bom momento”. “Tanto quanto nos foi explicado é um problema de falta de liquidez”, diz Gil Nadais, que admite que a Miralago/Órbita não tenha sido dimensionada financeiramente para um negócio como o da EMEL.
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