//Susana Coerver. “Não é com brilho nos olhos que pagamos contas”

Susana Coerver. “Não é com brilho nos olhos que pagamos contas”

Susana Coerver lidera a agência que cria a publicidade do Continente, da Worten e dos Jogos Santa Casa, entre outras. A Fuel é a número 1 do ranking MediaMonitor em 2018. Nesta conversa, fala do que está bem e mal no mundo da publicidade – e há erros do lado dos clientes mas também das agências.

Num setor com tantas mensagens sobre empoderamento feminino, é irónico que haja tão poucas mulheres na chefia.
Não gostaria de ter sido selecionada por uma questão de quotas, tira mérito. A igualdade deve ser independente do género mas há que criar condições para que as mulheres não sintam que têm de desistir. É minha responsabilidade, e de todos, criar condições para que as mulheres sintam que por serem mães a vida profissional não termina. No pouco tempo que cá estou, sinto que há trabalho feito.

Com um mês de Fuel já percebeu o que traz do lado do cliente que permita responder melhor a necessidades dos anunciantes?
As agências estão muito viradas para dentro, têm um umbigo grande… “Os clientes não sabem.” Vim com uma visão mais completa de negócio, das dores e dos processos do dia-a-dia, mas também com uma visão de mundo. Tive oportunidade na Parfois de estar em mercados e negócios muito diferentes. Isso traz rapidez e capacidade de resposta a desafios que pode acrescentar nas discussões.

As redes sociais tomaram a dianteira, os meios, a forma de chegar ao público mudou. As agências estão preparadas?
Vivemos na era do test&learn (testar e aprender), agências, clientes. Às vezes há o mito de que se faz porque toda a gente diz que é assim. Eu sou contra isso. Mas sem dúvida que é um processo radicalmente diferente do que era. Criámos unidades específicas para alguns clientes de volume maior [Continente] e sente-se nas equipas que esta oportunidade de estar mais no dia-a-dia se torna mais consequente. Quando faço uma coisa com influencers hoje e amanhã outra, é difícil construir know-how. Criámos uma área de conteúdos para ficar mais especialista nesta área, o que acho fundamental. Experimentar de vez em quando torna-nos menos consequentes. Temos de estar atentos ao que se passa e ter flexibilidade para mexer equipas, como fizemos – mudámos, por exemplo, pessoas da publicidade para os conteúdos.

Mas quando olha para a agência vê alguma forma diferente de trabalhar no futuro?
Acredito na magia da diversidade, na química da mistura – também com os clientes. Faz-me confusão que o cliente passe o briefing e no final apresentemos. Faz sentido ter mais momentos de partilha e trazer o cliente para o processo, torna-se mais rico para as equipas, para os clientes, o erro é menor.

Os orçamentos das marcas nunca voltaram a valor pré-crise. Temos de fazer mais com menos?
Num mês, rejeitei dois concursos – não foi de ânimo leve, mas há coisas inconcebíveis. Disse ao cliente que quando vimos o briefing ficámos de olhos a brilhar, mas isto é um negócio e não é com brilho nos olhos que pagamos contas. Esta semana surgiu-nos um pitch que nos dava resposta às dúvidas na sexta-feira e na segunda já tínhamos de apresentar proposta. Rejeitámos.

Falta mais as agências traçarem uma linha no chão?
Falta tornar mais visíveis estes casos, educarmo-nos todos. Também acontece por falta de conhecimento do processo, por isso é que integrar o cliente é interessante, é uma forma de tornar a equipa mais coesa. Só neste mês vi vários projetos que não fazem sentido, não respeitam o trabalho das agências, porque estão a sondar o mercado, o que significa pôr seis agências a trabalhar sem ter consequência.

Portugal teve dos piores resultados de sempre no Cannes Lions: uma shortlist. Como se vira isto?
Temos provas de que se pode ganhar prémios independentemente de onde se nasceu, mas a geografia em que se está ajuda. Financeiramente, porque é um mercado com muito dinheiro onde há cultura de participar. É preciso ter dinheiro para se inscrever em Cannes e as agências vivem com orçamentos curtos. E há outro fator importante: guts, coragem.

Faltam guts de que lado?
Podíamos abrir as gavetas para ver quantas coisas incríveis lá ficaram. Há vontade de fazer coisas diferentes, mas ainda se tem a visão do “isto faz-se assim”. Temos de desformatar.

Ver fonte