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O jogo da caça aos responsáveis pela indemnização milionária de meio milhão de euros a Alexandra Reis ainda agora começou. Três meses depois de ter sido tornado público o cheque que a TAP passou à antiga administradora, para deixar a companhia em fevereiro de 2022, arrancaram as audições da comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão da TAP (CPI), poucas semanas depois de ter sido conhecido o relatório da Inspeção-Geral de Finanças. Pelo caminho ficaram Alexandra Reis, que deixou a secretaria de Estado do Tesouro, o ministro das Infraestruturas e da Habitação e o seu secretário de Estado, Pedro Nuno Santos e Hugo Santos Mendes, respetivamente, a CEO da companhia, Christine Ourmières-Widener e o chairman, Manuel Beja. Pelos pingos da chuva tem passado Gonçalo Pires, o chief financial officer (CFO).
Apesar de ter sob sua responsabilidade a tesouraria da empresa pública, a sua intervenção em todo o processo tem sido envolta em dúvidas. Foi mesmo camuflada pela IGF que ocultou o depoimento do administrador financeiro do parecer final divulgado a 06 de fevereiro. O inspetor-geral de Finanças, António Ferreira dos Santos, disse esta semana, no Parlamento, que o depoimento de Gonçalo Pires “não era relevante” e, por isso mesmo, este não constou do relatório. A IGF ilibou Gonçalo Pires de responsabilidades no processo que conduziu à saída de Alexandra Reis e o próprio CFO reiterou, ontem, na CPI, que não esteve envolvido.
“Não tive conhecimento dos termos concretos da celebração desse acordo [com Alexandra Reis], não participei, não estive nas conversas com os advogados, não tive qualquer envolvimento com os valores, não negociei e não elaborei”, assegurou, repetidamente, aos deputados durante a audição. O CFO frisou ainda que a saída da administradora “não foi uma surpresa” uma vez que “Alexandra Reis já havia demonstrado posições discrepantes” com a restante administração da TAP.
O pagamento de 500 mil euros saiu dos cofres da companhia sem que o responsável financeiro tivesse tido conhecimento, procedimento que considerou normal uma vez que, do leque das funções que tutela , explicou, estão excluídas as matérias laborais e de recursos humanos. Além disso, o CFO só intervém numa questão relacionada com a saída de dinheiro da empresa, caso esta não tenha “cabimento orçamental”, o que não foi o caso.
Na altura em que Alexandra Reis deixou a TAP, em fevereiro de 2022, a transportadora tinha uma dotação de 2,3 milhões de euros alocada a indemnizações não previstas. Gonçalo Pires explicou que foi constituída uma provisão de reestruturação no final de 2020 “que enquadrava todas as saídas de muitas pessoas”. “No final de 2020 esta provisão tinha uma dotação de 93 milhões de euros e, em 2021, o valor era de 37 milhões de euros – existindo indemnizações que já estão previstas e um montante para indemnizações para saídas não previstas”, esclareceu.
Apesar da situação financeira frágil da TAP, que está a cumprir um plano de reestruturação que impôs cortes salariais e despedimentos, o CFO adiantou que em fevereiro de 2022 a provisão tinha um fundo de 27 milhões de euros para indemnizações sendo que uma fatia de 2,3 milhões de euros estava destinada às indemnizações não previstas, como foi o caso da antiga administradora. “Tinha cabimento orçamental [a indemnização], se tem cabimento orçamental a tesouraria aprova”, assegurou, garantindo que existe uma equipa que “controla o orçamento”.
O administrador financeiro afiançou também que não fez qualquer comunicação ao governo. “Não comuniquei porque não participei no processo e admiti que outros tivessem participado [a CEO e o chairman). Não me compete a mim , num processo do qual não participei, tomar a iniciativa comunicar o que quer que seja. A minha responsabilidade é financeira. Se acontecesse fora do cabimento orçamental tinha de me ser reportada”, acrescentou. Já sobre as datas em que teve conhecimento da saída de Alexandra Reis, a linha cronológica não convenceu.
Gonçalo Pires disse ter sabido da saída da antiga administradora da empresa pública pela CEO Christine Ourmières-Widener “informalmente, por WhatsApp, um dia antes” de esta comunicação ter sido oficializada por email pelo presidente do conselho de administração, Manuel Beja, a 04 de fevereiro do ano passado e no qual era anunciada “oficialmente a saída bem como os termos exatos do comunicado à CMVM”. “Estas comunicações informais não eliminam o facto de nunca ter estado no processo”, alertou.
A comunicação feita ao mercado, que dava erradamente conta da renúncia de Alexandra Reis ao cargo que assumia na TAP, foi posteriormente corrigida pela companhia, a pedido da CMVM, de forma a que ficasse explicado que a saída da administradora ocorrera “na sequência de um processo negocial de iniciativa da TAP”. Gonçalo Pires refere ter validado a primeira versão, de 04 de fevereiro, com base nas informações que lhe foram transmitidas e que desconhecia.
“Sou obviamente responsável pelo comunicado da CMVM. Recebi um email do presidente do conselho de administração, Manuel Beja, no qual foram escritos os termos exatos em que este foi feito”, disse.
Questionado repetidamente pela deputada bloquista Mariana Mortágua, sobre se tinha conhecimento de que a CEO tinha reunido, em janeiro, com o então ministro Pedro Nuno Santos, para discutir a reestruturação das equipas executiva e não executiva, respondeu afirmativamente. “Sim, é possível ter sabido a 4 janeiro da reunião entre CEO e Pedro Nuno Santos, mas não estive na reunião”, defendeu. “Não me lembro de estar informado sobre ser apresentada a Pedro Nuno Santos a saída de Alexandra Reis, não estive presente”, acrescentou. O CFO admitiu, ainda, que lhe foram solicitadas considerações sobre as férias não gozadas da administradora.”Na comissão executiva tínhamos uma discussão sobre as férias resultante do período de covid. Muita gente esteve em teletrabalho e houve muitas férias acumuladas. Nesse contexto admito que me foi perguntado o que aconteceria às férias não gozadas e se era possível haver férias tão grandes”, enquadrou.
Perante os argumentos, o responsável financeiro da TAP não tem dúvidas sobre a sua continuação na empresa. “Se me devo demitir? A resposta é não porque as regras funcionaram e funcionam”, assegurou.
Na próxima semana será a vez de prestarem esclarecimentos aos deputados a ainda CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, que deverá deixar a companhia no início de abril, e a antiga administradora, Alexandra Reis. As audições da CPI, que visam 60 personalidades, estendem-se até maio.
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