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Tudo mudou a 24 de fevereiro de 2022. Foi nessa data que a Europa percebeu a sua real dependência energética e o risco de segurança que a mesma acarreta. A afirmação é do primeiro-ministro português, António Costa, feita na apresentação do MadoquaPower2X, o projeto de produção de hidrogénio verde e amónia verde que foi hoje apresentado em Sines. “Não podemos estar 40% dependentes de um único fornecedor”, referiu António Costa, que acrescentou que a própria liberdade e segurança europeias dependem da não dependência energética. Pelo que, entre outras medidas, há que diversificar as fontes e fornecimento.
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Portugal, e mais precisamente Sines, tem um papel importante a desempenhar precisamente na eliminação desta dependência. “Podemos ser um porto de acolhimento, de armazenamento e de transhipment de gás natural liquefeito, que pode vir das múltiplas rotas atlânticas e de múltiplas origens, desembarcar em Sines, e ser feito o transhipping para outras regiões europeias”.
António Costa lembrou o facto histórico, quando a Comissão Europeia comunicou ter assumido como opção estratégica da Europa o aumento das interconexões entre a península ibérica e o resto do mercado europeu. Interconexões que se encontravam bloqueadas há anos. “Quer as elétricas quer as por via de pipeline para o fornecimento de gás natural”. Um pipeline que, segundo António Costa, pode ser hoje usado para o gás natural, mas amanhã para o hidrogénio verde. Trata-se “de uma infraestrutura da maior importância”. Portugal e Espanha têm capacidade já instalada para satisfazer 30% das necessidades energéticas da Europa em gás natural, referiu o primeiro-ministro. “Só não podemos disponibilizar essa capacidade porque não há interconexão que permita transportar esse gás natural que temos capacidade de acolher, armazenar e distribuir pelo resto da Europa”.
Para António Costa o 24 de fevereiro foi determinante. E hoje ninguém pode ter dúvidas. “É mesmo prioritário investir na transição energética. É mesmo prioritário apostar na produção própria de energia, na Europa, através das energias renováveis”, afirmou António Costa que acrescentou ser, igualmente, fundamental diversificar as rotas de abastecimento. “E é por isso que temos de aumentar a nossa capacidade de armazenamento, de transhipping, de expedição, em pipeline, de exportação das interconexões do gás natural que podemos também acolher, para além da produção da nossa própria energia renovável”.
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E é por isso mesmo que António Costa considera o projeto de produção de hidrogénio verde e amónia verde em Sines uma “ideia urgente” e um “excelente exemplo do que é a União Europeia”. Isto porque há três países envolvidos (pela origem das duas entidades promotoras e o locais de destino): Dinamarca, Países Baixos e Portugal. Para António Costa a vontade política que todos os líderes europeus têm traduz-se na prática em criar as melhores condições para que estes projetos se desenvolvam e se tornem realidade.
O que antes era “normal” agora tornou-se urgente
Na mesma linha, Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e da Ação Climática, lembrou que as conceções mudaram. “Se há uns meses a produção de hidrogénio e amónia verdes eram relevantes, hoje, são cruciais”, afirmou, acrescentando que “se há uns meses eram produtos importantes para a independência energética nacional, hoje são determinantes para a soberania nacional e europeia”.
A energia e mais precisamente o fornecimento de energia saltou para cima da mesa da Comissão Europeia com a guerra na Ucrânia. O que antes era algo a “ver” hoje é urgente alterar. “A invasão da Ucrânia mostrou a fragilidade da Europa em relação ao setor energético. A dependência do gás russo é um garrote à nossa atividade económica e alvo de uma chantagem inaceitável de um regime ditatorial. É uma ameaça à segurança na Europa.”, constatou Duarte Cordeiro.
A par da diminuição da dependência energética há que avançar, e agora, com a descarbonização. Mesmo porque, lembrou Duarte Cordeiro, segundo os dados do último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, “não estamos numa trajetória de cumprimento do objetivo do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura média mundial, face aos níveis pré-industriais, a 1,5 graus centígrados”. Face a isto, o ministro afirma que urge descarbonizar a mobilidade e as cidades, reinventar a indústria, tendo o cuidado de salvaguardar a biodiversidade e os serviços de ecossistemas, preservando o equilíbrio das florestas e dos oceanos.
Sobre o projeto da produção de hidrogénio, Duarte Cordeiro lembrou que produz-se hidrogénio há muitos anos, em muitos locais do mundo. “É um gás essencial aos processos industriais e que pode substituir a gás natural nos consumos energéticos intensivos”, refere. O problema é que, por norma, o hidrogénio produzido é o cinzento, ou seja, que nasce de emissões. Acontece que, “em poucos locais como em Portugal temos condições para produzir hidrogénio sustentável, o chamado “hidrogénio verde”. Com a vantagem de ser produzido com “os mais baixos preços de produção de eletricidade a partir da energia solar (ainda recentemente se bateu mais um recorde mundial num leilão para a produção a partir de painéis solares flutuantes) podemos separar aqui, em Portugal, os átomos de oxigénio dos de hidrogénio sem emissões”.
Sines é o local ideal para este tipo de investimento. “Dispõe de um porto atlântico de águas profundas, com capacidade sobrante e em expansão. Tem mão-de-obra qualificada e habituada a trabalhar em processos energéticos complexos. Possui terrenos infraestruturados para a atividade industrial. Conta com uma rede moderna de gasodutos preparados para incorporar gases renováveis. É um importante centro de telecomunicações. Comporta um importante cluster de indústrias consumidoras de hidrogénio”, aponta o ministro do Ambiente e da Ação Climática.
O projeto apresentado em Sines – MadoquaPower2X – tem um impacto de cerca de mil milhões de euros, para instalar 500 MegaWatts de capacidade de produção de hidrogénio verde e 500 000 toneladas de amónia verde por ano, evitando a emissão de mais de 600 000 toneladas de dióxido de carbono e criando mais de 200 empregos. Mais ainda: “O hidrogénio aqui produzido poderá ser usado pela indústria local ou processado para a criação de amónia verde exportada a partir do terminal do porto de Sines. A eletricidade será obtida sobretudo a partir de comunidades de energia renovável com parques eólicos e solares que serão desenvolvidas em paralelo”, refere Duarte Cordeiro, que acrescenta que é um projeto “alinhado com os nossos objetivos. Descarbonizado. Qualificado. Estratégico. De e com valor”.
A valorização do projeto por parte das entidades governamentais foi reconhecida por Rogaciano Rebelo, CEO da empresa portuguesa Madoqua, que lidera o consórcio, e por Occo Roelofsen, Founding Partner da Power2X, empresa especializada na transição energética e consultoria de gestão. Ambos realçaram esse ponto como o que mais diferença fez aquando da decisão de avançar por Sines. Embora não tenha sido o único. Na decisão entrou igualmente a elevada capacidade de produção de energia através de fontes renováveis, as outras empresas existentes na região e a sua capacidade técnica, de investigação e desenvolvimento, e ainda a localização geográfica do porto, excelente para a exportação.
Hoje foi o dia de apresentação do projeto. Segue-se a fase de licenciamento, de desenho da obra e, inclusive, mais uma decisão de investimento financeiro. A construção propriamente dita está prevista decorrer entre 2024 e 2006, após a qual a operação estará totalmente operacional. É um projeto a longo prazo, mas com boas perspetivas. O sonho (ou objetivo) de Rogaciano Rebelo é de, em 2026, ter o primeiro navio a levar amónio verde de Portugal para “algures”.
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