//Têxtil. Há uma nova crise a caminho do Vale do Ave?

Têxtil. Há uma nova crise a caminho do Vale do Ave?

Pequenas unidades de confeção, habitualmente subcontratadas, sofrem os efeitos do desvio de encomendas da Inditex para Marrocos e para a Turquia. As exportações têxteis continuam a crescer.

Há uma nova crise a caminho do Vale do Ave? A pergunta é simples, as respostas variam consoante o interlocutor. O PCP fala em “dezenas” de fábricas em “situação iminente de encerrar”, as associações do têxtil e do vestuário admitem que “não é segredo que a Inditex tem vindo a colocar menos encomendas em Portugal”, mas garantem que a perda de quota em Espanha está a ser compensada com crescimentos noutros mercados, como Itália ou Holanda. Os sindicatos e a federação têxtil remetem-se em silêncio. Já o ministro Adjunto e da Economia assumiu, perante a Comissão Parlamentar de Economia, a “vontade de dialogar” com a dona da Zara – cujo nome nunca foi pronunciado – para “perceber quais são os seus planos e como nos podemos preparar para os próximos tempos”.

Embora admita que há “alguns sinais de preocupação”, dada a existência de “fragilidades” na confeção e vestuário, Pedro Siza Vieira lembra que o têxtil, no seu conjunto, é um “setor inovador e robusto”. Recorde-se que as exportações do têxtil e vestuário cresceram 1,8% até novembro. E, por isso, o ministro considera que, no atual contexto de crescimento económico e de baixos níveis de desemprego, “a situação é menos preocupante”.

Os empresários não concordam. “Se estão a fechar tantas empresas, como está o setor a crescer? Isso carece de confirmação”, diz o secretário-geral da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas. José Brinquete garante que, só em Fafe, fecharam mais de 13 unidades nos últimos meses, e que “a situação parece mais grave” ainda em Vizela. A CPPME está a reunir-se com autarcas e empresários para apurar a “dimensão exata” do problema e quer uma audiência urgente com o ministro Siza Vieira.

Paulo Vaz, diretor-geral da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, lembra que a dependência de um só mercado e de um só cliente “é sempre perigoso”, seja para uma empresa, uma região ou um país. “Diversificar destinos de exportações e distribuir o risco é sempre benéfico, mas, obviamente, transporta grande ansiedade, incomodidade, muito trabalho comercial para obter novos clientes e mercados e grande incerteza. O certo é que faz parte das regras de jogo e que está no mercado sabe disso”, garante. Este responsável recusa, no entanto, que a dimensão da perda de mercado em Espanha seja tão grande como avançado pelos nossos vizinhos galegos.

O Faro de Vigo garantia, recentemente, que Portugal perdeu a liderança histórica como principal fornecedor de têxteis da Galiza, em favor da Turquia, e avançava valores, falando numa quebra de 27%. Paulo Vaz admite não ter números que o sustentem, dado que o INE não dispõe das exportações por sectoriais por regiões, mas duvida deste valor. “As exportações para Espanha caíram 4%. Se tivéssemos perdido 27% relativamente à Galiza o impacto seria muito maior, pois esta região deve representar cerca de metade das compras de Espanha a Portugal”, sustenta.

Já o presidente da Anivec – Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção, César Araújo, admite que a situação “é preocupante”, mas “não é dramática”. Ou seja, “tem de ser acompanhada”. “Portugal, no seu conjunto, está a encontrar soluções. Veja-se que as exportações para Itália cresceram 51% – mercado que já vale 200 milhões de euros para o vestuário nacional e está em vias de ultrapassar o Reino Unido -, que os Países baixos cresceram 19,6% e os EUA 16,6%. Eu sei que os números são, ainda, muito pequenos, mas estamos a trilhar o caminho planeado”, defende. Por outro lado, César Araújo garante que as marcas “já não têm nacionalidade” e que muitas das encomendas são hoje “expedidas diretamente da fábrica, em Portugal, para as lojas, sem passar pelas instalações do cliente”. Um sinal “de confiança” na eficiência logística das empresas portuguesas, diz.

Subcontratação
António Monteiro é um dos dirigentes da CPPME que estão a sofrer o problema da Inditex na pele. A situação “não é nova”, garante, mas assume proporções “preocupantes”. Com mais de 30 anos de experiência no setor, diz não ter condições para continuar e admite fechar em breve. Tal como “várias outas”, ainda este mês. O problema não é a falta de encomendas da Inditex que, garante, “continuam a ser colocadas em Portugal”. O problema, diz, é que os agentes do grupo em Portugal “estão a levá-las para fora, maioritariamente para Marrocos, mas não só, em vez de as produzirem cá”. Desde agosto reduziu os funcionários a metade. Hoje tem seis. “Em meio ano, a faturação caiu para um quarto daquilo que eu preciso para pagar as despesas. Não tinha trabalho, mas não queria dispensar o pessoal. Fica-se um mês atrás de outro à espera, a ver se as encomendas chegam, e quando se dá por ela, o poço já não tem fundo”, lamenta.

António Monteiro quer, antes de mais, alertar o Governo para a situação. E que este aja. “Se as peças que saem daqui para fazer fora fossem taxadas, de certeza que não iam tantas. Eu questiono é o que ganha o país com tudo isto. Empresários falidos e com dívidas ao Fisco e à Segurança Social, os trabalhadores no desemprego e o Estado a pagar-lhes”, lamenta.

A crise destas pequenas confeções acaba por ser agravada pela política de responsabilidade social da própria Inditex. “O grupo só coloca mercadorias em empresas que passem nas muitas auditorias que faz. Basta haver uma quebra de serviço para as empresas se atrasarem nos pagamentos ao Estado e sem certidão de não existência de dívidas para serem chumbadas na auditoria”, diz. Sobre a deslocação de encomendas para Marrocos, António Monteiro admite não perceber a estratégia dos agentes. “Claro que produzem mais barato, o que lhes aumenta a sua margem. Mas, daqui a nada, o grupo não precisa dos agentes portugueses, entrega diretamente as encomendas a Marrocos”, diz.

Luís Marques, da Estamparia Têxtil de Barcelos (Exteba), tem mais de 20 anos de experiência com a Inditex. Continua a trabalhar com o grupo, mas, agora, as suas malhas passaram a ir para Marrocos para serem confecionadas. “2018 foi um ano bom em termos de encomendas, mas mau em termos de preço. A Inditex sofre a pressão da Primark e de outras e esmaga os preços; as empresas estão a trabalhar praticamente com prejuízo”, garante.

Luís Marques lamenta, sobretudo, que Portugal não tenha conseguido, ainda, posicionar-se ao nível da Itália. “Em vez de evoluirmos na cadeia de valor, para concorrermos com os italianos, posicionamo-nos ao nível da Turquia e dos países asiáticos. A Inditex vem cá comprar malhas básicas, que dão para fornecer uma Pull & Bear mas não servem para a Massimo Dutti. Eles não confiam em nós para isso. Aliás, as próprias marcas portuguesas de retalho pouco compram cá, compram quase tudo na Ásia”, diz. E alerta: “Pensar-se que esses países produz mal ou sem qualidade é um erro. A Turquia, por exemplo, sabe produzir tão bem quanto nós e tem custos de produção mais baratos. Só a mão de obra é 15% mais barata e ainda trabalham mais horas. Isto sem falar da política cambial”.

O empresário de Barcelos vaticina tempos difíceis: “Se a Inditex continuar a sofrer os efeitos da pressão concorrencial de marcas como a Primark e outras, vai tentar aumentar a aumentar a sua rentabilidade procurando, cada vez mais, países asiáticos. E se o Estado não estiver atento, vamos ter em breve uma situação muito grave no Vale do Ave”. Qual é a solução? “Os empresários têm de continuar o trabalho de internacionalização, indo a feiras e procurando novos clientes e mercados. Mas não podem continuar a ter custos de produção elevadíssimos. Temos a energia muito mais cara do que os nossos vizinhos espanhóis, como é que vamos conseguir fornecer a cadeia da Inditex? Não é possível. Só cortando nas pessoas, nos mais caros, com mais formação”, garante. E acrescenta: “Hoje facilmente se encontram tinturarias sem qualquer técnico superior, que ganha uns míseros mil euros, porque as empresas vivem de salários mínimos. Em contrapartida gastam uma fortuna em energia elétrica, está mal”.

A Exteba tem 50 trabalhadores – “somos uma fábrica pequenina” – mas “precisa de cortar custos e rapidamente”, porque “o que vende para outras marcas não está a ser suficiente para manter a empresa”. Mas Luís Marques é perentório: “Há um limite para a reestruturação, as máquinas não trabalham sozinhas”.

Aposta em novos mercados
Nem só de pequenas empresas é feita a perda de negócio por via da deslocalização de encomendas da Inditex. Mas, ao contrário destas, as grandes têm capacidade para encontrar mercados e clientes alternativas. É o caso da Riopele, que admite uma quebra, no ano passado, de 40% nas compras do gigante espanhol, mas que, apesar disso, fechou o ano a crescer 2%, atingindo uma faturação consolidada de 76,5 milhões de euros. O grupo, liderado por José Alexandre Oliveira, está a apostar em novos mercados emergentes como o Japão, a Coreia e a China.

No entanto, o empresário famalicense lamenta a falta de capacidade de se juntar e encontrar soluções para evitar a “fuga” da Inditex para Marrocos ou para a Turquia (a moeda turca desvalorizou mais de 40% nos últimos dois anos, tornando o país muito atrativo). “Estamos a duas horas da sede do maior comprador mundial de têxtil e vestuário, a Turquia está a quatro ou cinco de avião. Devíamos saber que isto poderia acontecer um dia e ter uma estratégia concertada preparada, em vez de ser cada um por si”, defende.

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