//Têxtil teme falências em cascata e dezenas de milhares no desemprego

Têxtil teme falências em cascata e dezenas de milhares no desemprego

A recuperação está “lenta” no mundo da moda e as insolvências de grandes marcas internacionais, como o filial britânica da Victoria’s Secrets preocupa. Setor reclama extensão do lay-off simplificado até abril.

As filas à porta das lojas nos primeiros dias após o fim do confinamento era uma promessa de melhores dias para o têxtil e vestuário, mas que acabou por não se concretizar. A recuperação está a acontecer de forma “muito lenta” e ameaça a sobrevivência de milhares de fábricas. As alterações introduzidas pelo Governo no lay-off simplicado, ao qual, a partir de agosto, só poderão aceder entidades com quebras de vendas acima dos 40%, vai criar “graves dificuldades” à fileira têxtil. O setor estima que possam desaparecer “dezenas de milhares de postos de trabalho” nos próximos meses, à medida que se sucederem as insolvências em cascata. E que até já começaram no Reino Unido, por exemplo, onde a filial da Victoria’s Secrets decretou falência.

Mas não é caso único. A dimensão do descalabro no setor pode ser medida pelo anúncio da Inditex, o maior retalhista mundial, de que irá encerrar 1200 lojas em todo o mundo. Menos lojas são menos vendas, que, por sua vez, arrastam menos encomendas aos fornecedores. E se as grandes empresas não têm trabalho, começam por cortar a subcontratação de centenas de pequenas empresas. É um efeito em cadeia sem fim e, por isso, a fileira têxtil reclama a manutenção do regime de lay-off simplificado, como esteve até agora, até abril do próximo ano, pelo menos. “Vai levar muitos meses a ultrapassar a crise económica que estamos a atravessar e a recuperar os comportamentos de consumo habituais. Retirar precocemente o apoio que permitiu salvar empregos é deitar por terra todo o esforço dos últimos três meses”, defende o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP).

Mário Jorge Machado reconhece que a produção de máscaras e equipamentos de proteção, para que muitas empresas se viraram em março e baril, como forma de arranjar trabalho alternativo, ajudou a minimizar o impacto da crise, mas não mais do que isso.

Máscaras não são a solução
“Foi uma ajuda para algumas centenas de fábricas, mas não esqueçamos que o setor conta com seis mil empresas e que exporta 500 milhões de euros ao mês. As máscaras representam 50 milhões, e ajudaram a que a quebra de maio fosse menor, mas não são a solução”, frisa.

Por outro lado, a própria dinâmica do negócio das máscaras “abrandou muito”. Claro que numa primeira fase, em que o produto não existia no mercado, a procura foi imensa, mas, agora, com os consumidores abastecidos, a taxa de substituição “é muito mais lenta”. E a concorrência das máscaras descartáveis também não ajuda, bem como o seu uso por alguns dirigentes políticos e governantes, “que deveriam ser os primeiros a dar o exemplo”, usando máscaras comunitárias têxteis. “Tanto se lutou contra a poluição e os produtos descartáveis e agora, de um momento para o outro, parece que o planeta deixou de ser importante”, lamenta Mário Jorge Machado.

Com “algum trabalho, mas nada de extraordinário” até às férias, e com uma “enorme incógnita” quanto às encomendas para setembro, outubro e novembro, o presidente da ATP assume que a preocupação no setor “se adensa”. “O setor têxtil vive muito dos comportamentos sociais. Se as pessoas saem pouco, não têm necessidade de comprar roupa e, por isso, se o lay-off não for ajustado a esta realidade, não tenho dúvidas que vamos ter problemas sérios de desemprego”, antecipa.

Acutilante, Mário Jorge Machado diz que as novas regras para acesso ao lay-off foram desenhadas por quem desconhece a realidade das empresas. “Os nossos governantes vivem numa bolha, não sabem que uma empresa que tenha quebras de 40% da faturação está condenada a fechar”, sustenta. Mário Jorge Machado admite que é cedo para fazer estimativas, porque tudo dependerá da performance dos mercados externos, mas admite que “algumas dezenas de milhares de trabalhadores” poderão ficar no desemprego.

O presidente da ANIVEC concorda. “Os clientes estão cheios de stocks, as lojas não vendem, as encomendas estão a ser ‘atiradas’ para o próximo ano. Sem encomendas não há trabalho”, diz César Araújo, que teme pelo disparar das falências: “Até aqui, as empresas andaram a endividar-se para manter a atividade. Sem um instrumento amortecedor, como era o lay-off simplificado, muitas vão insolver”. Este responsável critica ainda a discriminação negativa das grandes empresas no acesso ao novo apoio extraordinário à retoma progressiva. “Se deixarmos morrer as locomotivas do setor, as pequenas empresas vão ficar sem trabalho”, sublinha.

Com uma faturação de mais de 79 milhões de euros, em 2019, a Riopele, uma das mais antigas empresas têxteis nacionais, com sede em Pousada de Saramagos, Braga, e que dá emprego a mil pessoas, está já a sentir os efeitos da insolvências de vários dos seus clientes britânicos. E de alguma retração de grandes marcas espanholas, como a Massimo Dutti, o El Corte Inglès ou a Zara. Em junho, aderiu ao lay-off, em julho retomou a atividade, mas José Alexandre Oliveira fala num “arrefecimento dos mercados”, com especial destaque para os Estados Unidos, Inglaterra e França.

Aposta na digitalização
Num ano que “prometia ser excelente”, a Riopele fechou o primeiro trimestre 6% acima do período homólogo. No fim de junho, já acumulava uma perda de dimensão equivalente. O segundo semestre é fonte de preocupação, mas nem por isso suspendeu o investimento de 10 milhões nas áreas da fiação, acabamentos e tinturaria. A grande aposta da empresa na digitalização – investiu cerca de 30 milhões de euros nos últimos cinco a seis anos, com grande foco na Indústria 4.0 e na I&D – permitiu “uma nova abordagem aos clientes”, muito focada no digital, com o desenvolvimento de uma nova coleção muito direcionada mercado a mercado.

Presença habitual na Première Vision, a feira de referência do setor, a Riopele não vai a Paris em setembro, este ano, mantendo apenas as feiras de Munique e de Milão. “Questionei os meus principais clientes, ninguém vai a Paris, não vou para lá fazer sala”, diz. Determinante foi a ausência dos americanos e dos asiáticos.

Com modelos devidamente certificados, a Riopele também chegou a fazer máscaras, mas não pretende, de todo, apostar nesse segmento. “Vamos fazendo de vez em quando, a pedido, mas o nosso negócio não é fazer máscaras, é fazer roupa de senhora”, esclarece José Alexandre Oliveira. É que, embora o seu uso obrigatório esteja a ser alargado a vários países, “há muita produção de máscaras, não só em Portugal, mas em Espanha, França e Itália”, garante.

5259 milhões de euros
Foram as exportações da fileira têxtil em 2019, representando 10% das exportações nacionais.

420 milhões
Foi a perda acumulada de vendas ao exterior do têxtil e vestuário nos primeiros cinco meses do ano.

130 mil trabalhadores
É um setor de mão de obra intensiva, com 6 mil empresas. Pesa 17% no Produto Interno Bruto.

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