Deu entrada ontem no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e pretende travar a corrida do novo aeroporto do Montijo, que ganhou novo fôlego depois da luz verde da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) com o parecer favorável no estudo de impacte ambiental. Um grupo de cidadãos juntou-se, criou a “NEGOCIATA – Ninguém Espere Grandes Oportunidades Com Investimentos Anti-Ambiente – Associação” e avançou com uma providência cautelar, contra o que considera uma “trapalhada ambiental”. Os acusados: a APA, que emitiu o estudo de impacto ambiental favorável condicionado, o Ministério do Ambiente, que tutela a agência, e o das Infraestruturas, que tem a pasta do licenciamento.
A ação chega a tribunal poucos dias antes de terminar o prazo – já prolongado até dia 20 deste mês – para a gestora aeroportuária ANA analisar as medidas de mitigação propostas na Declaração de Impacte Ambiental do futuro aeroporto do Montijo. (leia mais aqui) A minuta de Declaração de Impacto Ambiental propõe a aplicação de 159 medidas de mitigação e de compensação, sendo as principais preocupações apontadas relacionadas com ruído, mobilidade e avifauna. Uma surpresa avaliada em dez milhões de euros que a ANA terá de resolver.
Ainda assim, não é suficiente, garante Miguel dos Santos Pereira, advogado e sócio da Santos Pereira e Associados que fala em nome da associação de cidadãos que avançou hoje para tribunal contra a “trapalhada ambiental” do Montijo.
Ao Dinheiro Vivo, o responsável conta que o “procedimento cautelar popular deu entrada pelas 17.00” e tem por objetivo travar já o novo aeroporto, uma vez que “em questões ambientais não é possível simplesmente compensar, repor ou indemnizar depois pelos estragos que foram feitos; e ideias como a transferência de habitats de aves simplesmente não são concretizáveis; já foi tentado e não resulta”. “É por isso urgente, até mesmo antes de dar entrada a ação principal, travar a emissão da Declaração de Impacto Ambiental. Mais tarde, será tarde demais.”
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Na lista de argumentos invocados não há surpresas, há acusações de “falta de clareza” nos processos e de os responsáveis fazerem orelhas moucas a problemas sérios, sem ficar bem entendido “porque se insiste tanto na imposição da Portela. Será um favor que o governo está a fazer aos gestores aroportuários ANA/Vinci?”, questiona Miguel dos Santos Pereira. “O estudo de impacte ambiental nem sequer considera o número e as espécies de aves que ali vivem”, sublinha.
A providência cautelar com vista a travar o novo aeroporto tem, portanto, sustentação nas questões “que têm vindo a lume desde o verão, problemas detetados há muito como o aumento das águas, a possibilidade de tsunamis, a questão da avifauna, o prolongamento da pista, o ruído ou os birdstrikes. Estamos a falar de problemas conhecidos há muito, mas que foram totalmente ignorados pela APA e pelo Ministério do Ambiente, que a tutela”, diz o advogado que está com o processo da Associação NEGOCIATA.
“A APA fez um atropelo total à legislação ambiental e às diretivas europeias, agiu com total opacidade neste processo”, justifica Miguel dos Santos Pereira, apontando que o governo encarou o estudo de impacto ambiental como “uma mera formalidade e não como o passo fundamental que devia ser” na decisão de avançar com o projeto do Montijo para alagar a vida da Portela.
Esta é, aliás, a principal queixa: “A Agência Portuguesa do Ambiente não está formalmente na dependência do governo, mas nunca o contraria naquilo que são as suas vontades; foi assim com as dragagens do Sado, com a questão da siderurgia e agora de novo com o aeroporto do Montijo.”
Sublinhando os problemas ambientais que diz serem óbvios na solução Portela+Montijo e que movem este grupo de cidadãos para tentar em tribunal impedir o aeroporto de acontecer, o advogado aponta ainda questões técnicas que o “põem em causa”: da necessidade de alargar a pista, que forçosamente “acabará com as hipóteses de áreas de compensação estudadas ainda antes de estas poderem verificar-se”, até aos “quatro meses por ano em que aquela zona tem ventos cruzados que tornarão difícil a utilização” quando se tornar numa infraestrutura comercial, em vez de receber meia dúzia de voos por ano.
Para Miguel dos Santos Pereira, não faz sentido este prolongamento da vida do aeroporto de Lisboa com uma solução provisória e que rapidamente se esgotará, “em vez de estarmos a pensar numa solução de longo prazo”, que passa por um novo aeroporto que não seja dentro da cidade. “Hoje, este nunca teria sido aprovado, quer por razões ambientais quer por questões de segurança.” Reconhece porém que não lhe cabe a ele ou à associação de cidadãos que defende procurar alternativas, mas antes focar-se no que está mal e é urgente travar.
É por isso que a questão ambiental está no centro da providência cautelar que ontem deu entrada em tribunal e que se adivinha venha a ser a primeira de uma série. A Associação Zero, por exemplo, ainda há um mês apontou “lacunas graves” na Declaração de Impacte Ambiental, prometendo que também avançará para os tribunais.
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