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Com cinco fundadores portugueses, a Unbabel nasceu em 2013 com uma tecnologia que alia a inteligência artificial à tradução. Mas não há palavras para a reviravolta de 2020: no início de abril, a empresa despediu cerca de 100 dos então 267 funcionários em Portugal e nos Estados Unidos; três semanas antes, o líder da tecnológica garantira que tinha todos os recursos para aguentar os impactos do coronavírus.
Após um ano de silêncio, Vasco Pedro explica ao Dinheiro Vivo o que levou a empresa a carregar no botão de pânico seis meses depois de receber um investimento de 60 milhões de dólares (50 milhões de euros).
“Nós não estávamos à espera de um impacto tão grande do coronavírus em tão pouco tempo. Antes do primeiro confinamento, a pandemia era vista como o surto de SARS, de 2003, que não iria chegar cá. Pensávamos que iríamos ter um impacto bem menor e que estaríamos bem capitalizados”, recorda Vasco Pedro.
No final de janeiro de 2020, o presidente da Unbabel falava ao Dinheiro Vivo numa empresa em “franco crescimento” – a entrevista foi publicada em 27 de fevereiro de 2020. Um ano depois, Vasco Pedro usa a lógica das startups para explicar que as contratações naquela altura estavam a ser feitas “com base em perspetivas”. Ou seja, com a expectativa de forte aumento de receitas dentro de alguns meses, era preciso formar as pessoas antecipadamente. “Demora entre três e quatro meses até alguém ser realmente produtivo.”
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Com base nessas perspetivas, a tecnológica também concentrou as operações num só local no centro de Lisboa, que poderia acomodar 400 pessoas em 2023. “Era incomportável termos cinco escritórios. Queríamos ter todas as pessoas juntas.” Ao mesmo tempo, a empresa já tinha contratado uma nova responsável de marketing, para desenhar uma nova estratégia e apostar muito mais nos clientes norte-americanos.
Quando o mundo mudou
O cenário mudou radicalmente assim que a pandemia saiu da Ásia. “Começámos a ter muitos cancelamentos, sobretudo na área do turismo, que era um dos nossos verticais”. A empresa tinha de reduzir rapidamente os custos: “Era o conselho de todos os investidores. Teríamos de ter dois a três anos de tesouraria sem haver uma nova ronda de financiamento”.
“Tivemos de reagir muito rapidamente e assumir o pior cenário possível. Quando começámos a fazer as contas, parecia que a quebra de receitas iria ser gigantesca. Não teríamos dinheiro suficiente para pagar as contas todas”, recorda. O maior receio era “precisar de outra ronda de investimento e o pior que poderia acontecer era levantar dinheiro numa altura em que o mundo está parado”.
O confinamento de março cortou imediatamente com as despesas para as viagens da equipa de vendas. Também foram suspensos os eventos – que tornaram a empresa conhecida em todo o mundo. Quando questionado sobre o corte das despesas com o novo escritório de Lisboa, Vasco Pedro alega que “não há maneira de sair do edifício nem de subarrendar os andares. Temos de ficar lá pelo menos mais dois anos.”
A Unbabel assumiu o pior cenário possível e, de repente, focou-se na “eficiência”. Recorrer ao lay-off era impossível porque os apoios são atribuídos “com base na perda de faturação. O nosso problema eram as receitas previstas que acabámos por não ter.” A empresa também não reunia condições para o despedimento por extinção de posto de trabalho ou por despedimento coletivo.
Com 80% dos custos concentrado nas pessoas, as rescisões por mútuo acordo foram a única forma de a empresa conseguir reduzir a equipa em poucas semanas. A saída de funcionários foi comunicada no início de abril e nem escaparam vários dos elementos que tinham entrado nas semanas anteriores.
Nos Estados Unidos, os acordos de saída foram “muito mais acelerados”. Em Portugal, também se pedia urgência mas era necessário cumprir a legislação: “Há uma maior proteção do trabalhador, que envolve vários prazos que tinham de ser respeitados”. Vasco Pedro, mesmo assim, argumenta: “Era benéfico para todos que isto acontecesse o mais rapidamente possível. Quanto mais tempo a transição demorasse, mais pessoas teriam de sair”.
Sobre as oito queixas junto da Autoridade para as Condições do Trabalho, o líder da Unbabel defende-se: “Nunca sentimos que estávamos a jogar com cartas fora do baralho. Lidámos com isso de forma natural e havia pessoas que precisavam de mais tempo para processar a situação”.
“Não foi tão mau”
A tecnológica tem atualmente 175 funcionários e até “tem havido algumas contratações”, quase todas nos Estados Unidos. É neste país que estão concentrados os antigos e novos clientes.
Ao Dinheiro Vivo, Vasco Pedro destaca que a empresa conseguiu crescer “com dois terços da capacidade”, com as pessoas que ficaram a “darem o litro” e a terem de assumir as tarefas que anteriormente estavam mais distribuídas.
Na área tecnológica, a empresa lançou uma solução para as empresas controlarem as traduções e a sua qualidade. Lançado em outubro, o Unbabel Portal permite às empresas lidarem com os consumidores de diferentes idiomas, “com uma experiência cada vez mais local e próxima”.
Um ano depois, o líder da Unbabel diz que “2020 não foi tão mau como tínhamos receado. Houve indústrias que cresceram, houve outras que apareceram e das quais não estávamos à espera – como a entrega de comida – e que compensaram parcialmente as perdas”.
Com vontade de ser rentável “daqui a três anos”, a tecnológica prepara-se para levantar mais investimento em 2022. “Pode ser a última ronda antes de entrarmos em Bolsa.”
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