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“Está a ver aquele monte todo onde dá o sol? É ainda o Vale Feitoso”. Ricardo Estrela aponta para o horizonte enquanto conduz um jipe todo o terreno de matrícula espanhola. Na freguesia de Monfortinho, Idanha-a-Nova, o sol já se escondeu mas parte do Vale Feitoso ainda recebe os raios de luz tal é a grandeza da sua área, mais de sete mil hectares.
(Trabalho publicado originalmente e cedido pelo Jornal do Fundão)
A natureza ganha cores de final do dia, a temperatura baixa drasticamente para a noite fria que se há de repetir.
O engenheiro florestal que desde os 27 anos trabalha naquela que é a maior herdade vedada do país e uma das maiores da Península Ibérica é agora administrador destes 7 373 hectares de área, administra desde dezembro um projeto de 50 milhões de euros que vai colocar o Vale Feitoso, com quantos anos quantos os de Democracia em Portugal, numa herdade autossustentável. “Vai ser um virar de página na história da herdade”, garante-nos.
O fundo de investimento imobiliário da Vestain Spain, empresa criada pela Tenigla do empresário Jaime Perinat De Romani, com sede em Espanha e com a mesma área de negócio no país vizinho, Reino Unido, França, Alemanha. A compra do Vale Feitoso por 20,6 milhões de euros no processo de insolvência de bens do Novo Banco que corria desde fevereiro de 2017 significa a primeira presença deste grupo no nosso país.
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O desenvolvimento da produção animal culminará na produção de produtos biológicos. Assim acontecerá com a carne tal como os seus derivados (enchidos). Outro dos produtos na estratégia de comercialização sob o chapéu da marca que se vai criar, com o nome Vale Feitoso, será o azeite biológico a partir dos cerca de 300 hectares de olival.
Na estratégia de desenvolvimento está também “aquilo que eu denomino o abrir a herdade ao exterior e colocarmos este território sob o olhar de todos quantos apreciam a natureza” diz Ricardo Estrela. O turismo será um dos pontos de viragem do Vale Feitoso. “Vamos colocar sinalética nalguns percursos da rede de mais de 370 quilómetros de estrada que temos, vamos assinalar percursos pedestres. Podemos aqui desenvolver atividades de desportos e atividade na natureza, temos toda a matéria-prima, para ser explorada dentro dos critérios de conservação da natureza”.
Destaque para os 17 quilómetros de Rio Erges que serpenteia alguns vales da herdade bem como a Fraga da Nave, um fenómeno geológico idêntico ao Monumento Natural das Portas de Ródão.
Para isso, continua Ricardo Estrela, vai ser adaptado algum património edificado para alojamento turístico. Na propriedade, além do núcleo de edifícios – num dos quais está a administração -, existem cerca de 600 outros edifícios espalhados pelos montes que pertenciam aos antigos rendeiros.
“São edificados em bom estado de conservação e que, com o desenvolvimento do projeto, vamos recuperar”, diz Ricardo Estrela que faz notar que o “Vale Feitoso” vai trazer mais-valias para a região. É esse o propósito do grupo proprietário.
Caça e natureza dão o mote
O administrador tem reuniões semanais em Madrid para dar conta do desenvolvimento do projeto. “Existe a premissa que as contratações sejam pessoas das freguesias onde está a herdade. Desde dezembro contratámos sete pessoas, que se juntam às sete que já aqui trabalhavam. A dinamização da caça e do turismo vai beneficiar as unidades de alojamento da região e os restaurantes. Este é um projeto para o Vale Feitoso mas aberto ao exterior. Exemplo disso é o apoio que vamos, a partir de agora, atribuir na área social. O que quero dizer é que a herdade quer estar ligada à comunidade, é esta a premissa que os espanhóis têm traçado”.
A atividade cinegética (que nunca parou) vai manter-se com as habituais espécies: o veado, o gamo, o mulfão, o javali e o corço. Refira-se que esta é esta a maior área cinegética contínua do país, destino de escritores, empresários, banqueiros, do país e estrangeiro. “Vamos reabilitar a antiga escola primária para pavilhão de apoio a esta atividade”, adianta Ricardo Estrela. A atividade da caça, que se estende de agosto a fevereiro, agrupa por época entre 250 a 300 caçadores, que trazem na grande maioria dos casos, as respetivas famílias. “É um movimento que queremos elevar, temos todas as condições para isso”, completa.
Conservar o que se fez história
A conservação do edificado é uma prioridade. O espaço administrativo já está instalado num dos imóveis que ficou climatizado. “As intervenções pela Vestain Spain começaram já alguns meses”, indica o administrador do Vale Feitoso enquanto nos aponta para o teto falso em madeira natural.
“Estamos a levantar as vedações da propriedade, a fazer sementeiras que irão fornecer alimento para o gado que vai ocupar cerca de 2500 hectares desta extensa área”, indica o responsável.
Lá fora despendem-se os trabalhadores e desligam-se os motores dos tratores que durante o dia lavraram terrenos para a sementeira. No aglomerado, com eletricidade, destaca-se a capela de Santa Helena, cujo exterior foi recentemente restaurado.
Longos passos até à revitalização
Neste período de sete anos, enquanto decorria processo de insolvência e se aguardava por novo “dono” do antigo império da família Salgado, Ricardo Estrela que não abandonou a propriedade juntamente com mais sete funcionários, segurou a herdade da “melhor maneira que podia enquanto nos cortaram os apoios às medidas agrícolas por estarmos em insolvência”, recorda. Venderam-se os animais (300 bovinos, 600 ovelhas, 200 cabras), maquinaria agrícola, alguma madeira.
Em fevereiro a Vestain Spain compra em leilão o Vale Feitoso, a 14 de dezembro é feita a escritura de aquisição da titularidade. Dá-se início assim a “virar de página” na herdade, nas palavras de Ricardo Estrela que tem nas mãos a responsabilidade de tornar o Vale Feitoso autossustentável com boas práticas agrícolas.
Existem já duas “provas” dessa boa prática que vem do passado mantém-se com a mudança de propriedade. Trata-se do FSC que assegura que os produtos provêm de florestas bem geridas e que oferecem benefícios ambientais, sociais e económicos. Outro é o Sistema Português de Certificação da Gestão Florestal reconhecido pelo PEFC Internacional, que permite aos produtores florestais portugueses cumprirem requisitos de gestão florestal sustentável reconhecidos internacionalmente. “Somos a única área privada em Portugal com estes dois certificados”, frisa Ricardo Estrela sobre os cinco mil hectares de área florestal constituída essencialmente por pinheiro bravo, eucalipto, pinheiro manso, sobreiro, azinheiro, medronheiro e carvalhos).
“Temos um elevado valor de conservação da natureza que faz com que tenhamos seis colónias de abutres, por exemplo”, indica o engenheiro.
Para os próximos dois anos estão delineados cinco milhões de euros de investimento para a recuperação de vedações, maquinaria, recuperação de solos e outras necessidades. “Dentro de cinco anos, o grupo quer começar a ter os primeiros sinais de retoma da herdade e continuar com um investimento na ordem dos 50 milhões de euros para alavancar esta herdade e reforçar o seu valor económico e enquanto destino”. Ricardo Estrela não esconde alguma emoção: “É pelos anos que aqui já trabalho, pelas pessoas que não abandonaram a herdade, pela meia centena de empregos que vamos criar tão importantes nesta zona, porque não existem muitas oportunidades. Estou agora totalmente dedicado a este projeto”, garante aquele que detinha uma exploração de ovelha de raça Bordaleira em Penamacor, uma coudelaria e preside à direção da Ovibeira.
A joia da coroa do grupo Espírito Santo
A herdade do Vale Feitoso é considerada uma das maiores propriedades privadas em território nacional e foi o local onde a família Salgado realizou festas e grandes caçadas no período reservado à designada caça grossa, que envolve veados, gamos e javalis.
Foi em 2004 que a família do antigo banqueiro comprou esta herdade situada no distrito de Castelo Branco e fê-lo através de uma sociedade inserida no universo GES – a Companhia Agrícola de Penha Garcia. Com o colapso do Grupo Espírito Santo, o Novo Banco (sucessor do BES, expurgado dos seus elementos tóxicos) hipotecou a herdade e, em 2017, a sociedade que a detinha foi declarada insolvente.
Desde 2018, a massa insolvente promoveu vários leilões para vender a herdade mesmo por valores em baixa – chegou a avançar-se com cerca de 36,4 milhões num primeiro momento. Este valor foi baixando de ano para ano, de leilão para leilão, até que agora a herdade conhece um novo dono: a Vestain Spain, sociedade da gestora espanhola de investimentos imobiliários Tenigla.
Durante estes anos, o património foi gerido por sete funcionários na manutenção do espaço orientados por Ricardo Estrela.
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