Mercado chinês ainda tem pouca expressão mas o potencial de crescimento é imenso e hotéis já notam quebras. Indústria automóvel por cá pouco afetada por falta de componentes.
Chegar a um milhão de turistas chineses por ano foi o objetivo expresso por Jorge Torres-Pereira, embaixador português na China, a horas de levantar o primeiro voo entre Pequim e Lisboa. Pode ser exagerado, mas a reposição da ligação no último verão entusiasmou também o Turismo de Portugal, que registava já um crescimento de 19,3% nos hóspedes, concretizados em mais de 360 mil pessoas e 563 mil dormidas até novembro. Números capazes de multiplicar-se com os três voos diretos por semana a ligar as duas capitais. O coronavírus pode pôr em causa estes planos. Com o surto fechar cidades inteiras e a China a impor quarentena, as restrições a viagens estão a condicionar o crescimento de turistas chineses por cá.
Além de viajarem em grupo, estes viajantes chegam sobretudo no inverno, “época em que há menor taxa de ocupação dado que há uma quebra dos nossos mercados emissores tradicionais (Europa)”, explica Cristina Siza Vieira. A quebra é em grande medida compensada por mercados alternativos como o chinês, ainda que Pequim seja ainda o décimo mercado emissor, com os visitantes a chegar sobretudo à Grande Lisboa.
“Há quebras para algumas unidades hoteleiras nacionais. Há hotéis com prejuízos grandes”, assume por isso a CEO da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP). E ainda que recorde que, no bolo da receita turística nacional, o mercado chinês é ainda uma fatia reduzida, a líder da associação hoteleira reconhece que “as reservas caíram todas, individuais, corporativas e coletivas, e em alguns casos isso tem um impacto grande no volume de room nights de fevereiro. Alguns grupos têm impactos nas vendas na ordem de 40% porque havia eventos muito ligados ao mercado chinês.” Rejeita porém que o efeito seja mais preocupante, uma vez que não há ainda “nenhum grupo hoteleiro que tenha na China o seu principal mercado”. Com os chineses a representar 1% das dormidas, “em termos da economia geral e do volume de vendas para os hotéis o efeito do coronavírus não tem o significado que teria se tivesse acontecido num mercado europeu”. Mas o crescimento sustentado no número de turistas chineses a chegar a Lisboa faz deste “um mercado de interesse e para ir acompanhando”, reconhece Siza Vieira.
Também a secretaria de Estado do Turismo diz estar “atenta ao desenvolvimento da situação e em contacto e articulação com as autoridades nacionais e internacionais”. O Turismo de Portugal tem no seu site “a informação considerada pertinente pela Direção-Geral da Saúde no âmbito do Plano de Contingência definido por esta entidade, bem como outra que sobre esta matéria poderá ser útil às várias entidades e empresas”.
Dos carros às tecnológicas
Com a indústria automóvel mundial muito dependente da China, nomeadamente na área de componentes, algumas gigantes já se mostraram apreensivas com a possibilidade de disrupção nas unidades da Europa e Estados Unidos.
Por cá, porém, ainda não há sinal de alarme. “Portugal importa apenas 2% de componentes automóveis vindos da China”, diz ao Dinheiro Vivo a Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), pelo que não há risco de fábricas ou unidades de montagem em Portugal entrarem em paragem técnica. As multinacionais aqui presentes “estão a acompanhar a situação e a seguir as diretrizes da casa-mãe”, mas mantêm-se tranquilas relativamente à operação portuguesa.
Mais perto do epicentro do coronavírus, a japonesa Toyota decidiu manter as 12 unidades de produção na China fechadas mais uma semana, voltando a prolongar a pausa festiva. À CNN, a empresa explica que as operações serão retomadas a 17 de fevereiro, caso haja condições para tal. Também a Geely, consórcio chinês dono da Volvo, anunciou que só irá retomar as operações a partir de 10 de fevereiro. A Nissan, dona de duas fábricas na província de Hubei, onde o vírus eclodiu, fica fechada até dia 14.
É também da China que saem os principais componentes para equipamentos tecnológicos. Enquanto algumas empresas tentam gradualmente voltar à normalidade, a Foxconn, principal fornecedora da Apple, anunciou que irá manter os trabalhadores em quarentena pelo menos sete dias. A empresa garantiu que a produção do iPhone não será afetada, mas Ming-Chi Kuo, um dos principais analistas que acompanham a Apple, antecipa que o vírus possa ter um impacto de 10% no iPhone neste trimestre.
Entretanto, a LG e depois a Ericsson já decidiram não participar no maior evento de telecomunicações, o Mobile World Congress, em Barcelona. Apontando a segurança de trabalhadores e clientes como prioridade, as empresas preferem fazer eventos pequenos e locais nos próximos meses. “Sendo a Ericsson um dos principais expositores, recebemos milhares de visitantes no stand por dia e mesmo com baixo risco não podemos garantir a segurança de todos”, justificou. A GSMA, organizadora do evento, diz que a conferência “decorrerá como planeado”. Além de medidas de desinfeção e mais pessoal médico, a organização vai adotar uma política restritiva de apertos de mão para proteger as mais de cem mil pessoas. Com Diogo Ferreira Nunes
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